El Juanito, o português que levanta praças em Espanha

Estreou-se na arena profissionalmente aos 9 anos. Hoje com 22, um terço deles a viver em Badajoz, onde se formou, João Silva é figura na sua arte.

Dono de uma "notável coragem e vontade", "triunfador", "talhado para o estrelato". Assim rezam os títulos de jornais espanhóis bem entendidos na lide, que não hesitam em dar ao jovem português um lugar entre os melhores da sua geração. "Está fadado a, mais cedo ou mais tarde, ser um dos grandes de quem se fala", resume o cronista da publicação especializada Mundo Toro, enquanto o El Mundo lhe elogia o profissionalismo, o talento e a arte.

Fosse o futebol a sua vida e João Silva já seria bem conhecido também do lado de cá da fronteira, com honras de capas e televisão. Mas nasceu toureiro - "Não me lembro de mim fora do mundo dos toiros; desde que tenho consciência de mim que a minha vida é tourear." Aos 3 anos já andava em sortes com bezerros, aos 9 estreava-se no toureio a pé no Campo Pequeno e recebia o primeiro prémio. E apenas adolescente mudava-se para Badajoz, consciente já dos sacrifícios que teria de fazer pela sua paixão.

Hoje El Juanito, como o batizaram naquelas terras e acarinham como figura da arte tauromáquica, o jovem de 22 anos está em Portugal a preparar-se para "ilusionar o público" que o recebe com lotação esgotada na Palha Blanco, praça de Vila Franca de Xira, onde no domingo, na Feira de Outubro, o matador nascido em Monforte irá enfrentar a solo seis toiros. "Queria fazer algo histórico e diferente, que trouxesse de volta a ilusão ao público português", explica ao DN.

Quem o vê chegar, franzino e tranquilo, não lhe adivinha a determinação e a maturidade que revela logo que começa a falar. Nem a vida de atleta de alta competição com que se comprometeu desde que, aos 14 anos, trocou a sua vila alentejana por Espanha, para onde foi viver sozinho para se profissionalizar na sua arte, na Escuela Taurina de Badajoz. Todos os dias corre, faz exercícios exigentes para garantir a boa forma, treina a técnica, os passos e o manejo do capote e das bandarilhas, da muleta e da espada, em salão e no campo, nos tentaderos, com e sem animais.

Ao lado do mestre Victor Mendes, seu apoderado e um dos mais conceituados toureiros portugueses de sempre, dois anos depois de tomar alternativa em Badajoz, Juanito vai contando como aqui chegou, desvalorizando as cicatrizes visíveis deixadas por colhidas - como a que sofreu na Moita há um par de semanas e que o levou ao hospital, não sem antes sacudir o pó e terminar a lide. "Tento não me vir abaixo com os fracassos. O silêncio do fracasso é duro, não é bom quando acontece porque sentimos que estamos a desiludir o público... mas prefiro usar esses momentos piores para aprender e não voltar a cometer os erros que levaram a eles."

Insisto no perigo de se ver jogado ao ar ou atirado ao chão por um animal de meia tonelada, mas nem vacila. "Preparei-me e mentalizei-me para o facto de poder perder a vida todos os dias em que entro numa praça. Mas é onde quero estar. Sei que estou a jogar com a minha vida ao arriscar tanto, mas essa é a forma de levar as pessoas à praça e garantir-lhes emoção. Os artistas vivem do sentimento que geram no público, e se as pessoas compram entradas, devemos-lhes uma performance excecional; temos de ser diferentes, de arriscar mais para que vibrem e se emocionem com a obra artística que criamos."

A oposição aos antitouradas

Esta vida no limite não é fácil para a mãe e para quem tem ao lado - o pai também sofre mas, tendo sido bandarilheiro toda a vida, entende-o melhor -, mas é a escolha de João e é respeitada também pelo respeito com que o próprio matador português dedica à sua arte. Talvez por isso mesmo não se prenda às conquistas - e se já as teve, mesmo sendo tão novo, tendo toureado em Portugal, Espanha e França e saído já triunfador de praças emblemáticas como Las Ventas, Madrid, ou a Real Maestranza de Sevilha. "Não sou de dar-me muita importância; gosto de manter os pés na terra", diz, acabando por se assumir um inconformista. "Tudo o que vou sonhando alcançar vai perdendo valor, conforme tenho uma conquista traço novas fasquias, o que quero mesmo é revolucionar o rumo desta profissão, sentir-me livre de escolher o meu caminho."

Nascido em terra de grandes toureiros e ganadarias, filho de bandarilheiro profissional (de quem herdou o nome) e habituado a viver no campo, João tem dificuldade em entender os movimentos "que se dizem animalistas" e os antitaurinos. "É um assunto que se discute muito e com muita falta de conhecimento", lamenta. "Eu sou um jovem e tenho pensado muito nisso, pondo-me numa posição neutra, porque é preciso pensar a partir da verdade. Eu considero-me animalista, porque crio animais, tenho-os em casa, cuido deles, amo o toiro."

"Eu considero-me animalista: crio animais, tenho-os em casa, cuido deles, amo o toiro (...). Há muitos jovens como eu que sonham, lutam e se sacrificam para ser toureiros. A real barbaridade é não deixar essas pessoas seguir o seu sonho e proibir quem gosta de ir aos toiros de desfrutar deste espetáculo."

Como é que se ama o toiro e se vive de lidar e matar toiros? Juanito explica que teve "a sorte de nascer e crescer num ambiente taurino, muito aficionado e profissional" e que lhe deu a experiência e o entendimento da tauromaquia. E se entende e aceita "quem sabe como este mundo funciona, o que está em causa, mas não gosta porque o espetáculo tauromáquico não os emociona", não admite "quem acha que isto é uma barbaridade sem saber nada". "O toiro é um animal criado para isto, que investe, acomete para matar. Se eu lhe der 60 cabeças, o que lhes faz? Vai sustentá-las? Como? É que um toiro não sobrevive só do que o campo lhe dá..."

Há ainda o argumento cultural e o racional económico. "Todos os anos, vão 30 milhões de pessoas aos toiros, entre Espanha e Portugal. Há inúmeras personagens admiradas mundialmente que são aficionados - de Dalí ou Picasso a Hemingway, García Lorca, Mario Vargas Llosa ou Lobo Antunes. Não são analfabetos! Eu gostava de saber quantos antitaurinos já se deram ao trabalho de ir ver e conhecer este mundo, de o entender e só então fazer o seu juízo informado. Respeito que não se goste, mas não que se proíba algo que move tanta gente, que gera tanta emoção, que cria receita fiscal, emprego, etc."

E remata, rejeitando o argumento da barbárie tantas vezes repetido pelos que se opõem à tauromaquia: "Há muitos jovens como eu que sonham, lutam e se sacrificam para ser toureiros. A real barbaridade é não deixar essas pessoas seguir o seu sonho e proibir quem gosta de ir aos toiros de desfrutar deste espetáculo."

Tudo pelo sonho de uma vida

João Silva, El Juanito, abdicou "de tudo na vida por isto, que é incrivelmente exigente", incluindo a nível mental. Tudo pelo sonho que escolheu quando andava pelas principais feiras de Espanha, um miúdo que um dia viu o maestro El Cordobés e se rendeu à arte tauromáquica à espanhola.

"Sinto-me privilegiado por poder viver da minha profissão", frisa, quando lhe pergunto se é possível viver do toureio. "São muitos os chamados e poucos os elogios, mas estou a conseguir fazer o meu percurso, estou em plena ascensão e quando estamos, de verdade, dedicados, tudo compensa." Guarda algumas das melhores memórias dos tempos de miúdo passados a aprender a tourear na Quinta de Santo António, com o mestre João Moura, mas confessa também tempos difíceis, sobretudo quando se mudou para Badajoz, em pleno divórcio dos pais, para aprender o sonho da sua vida, e se encontrou sozinho "num país novo, sem saber sequer onde era a casa onde ia ficar".

"Mentalizei-me de que posso perder a vida todos os dias em que entro numa praça. É onde quero estar e tenho de assumir o risco para que o meu público vibre e se emocione com a obra artística que crio."

"Tive de crescer depressa, tornar-me autónomo, independente." E fê-lo sem contemplações: "Passei muitas adversidades, momentos complicados, mas tudo valeu a pena." Ainda que admita hoje que isso o afastou dos outros adolescentes, sem planos de vida tão bem traçados ou a ambição e o foco que João deixou entranhar-se em si desde a infância. "Não vou a muitas festas, mas quando vou, às vezes dou por mim a pensar porque é que estou ali. Aquilo diz-me pouco. Gosto de estar com os meus amigos de infância, claro, mas acabei por criar muito mais afinidades com pessoas mais velhas, do mundo dos toiros, com quem passo a maior parte do tempo, com quem aprendo muitíssimo e que me acarinham", conta.

A tauromaquia é um mundo de camaradagem, respeito e profunda amizade, mas também de enorme solidão. Quando se está na arena está-se só em frente ao toiro. Quando se prepara a arte está-se só com os pensamentos, plena concentração exigida. "É duro, mas aprende-se a viver e desfrutar da solidão, porque ela é essencial para nos prepararmos e mentalizarmos, para passar os teus sentimentos para a tua obra artística. A excelência está aí."

Nesses momentos de solidão, Juanito também se socorre da religião, assumindo-se católico "não tão praticante quanto gostaria", mas dono da sua fé e orações. "Sinto-me bem com Deus e com Jesus Cristo", resume, admitindo que tem algumas manias antes de entrar em praça, mas que contraria: "Acho que são desculpas para quando as coisas não nos correm bem".

A viver uma temporada de triunfos muito regulares, às passagens por Portugal, Espanha e França juntará ainda uma estreia neste ano, no México. Mas não consegue apontar qual é o melhor público. "Em Espanha são muito entendidos, é um espetáculo muito sério, mas em Portugal há grande exigência; em França são mais frios, mas muito respeitadores e entusiasmam-se quando veem qualidade. Na América são mais festivos... Cada experiência é diferente. Mas é o meu país que levo por bandeira por todo o mundo."

Será esse o grande sonho de El Juanito, que o seu país, que sempre carrega no coração e na alma, lhe siga o êxito e os triunfos. "Não sou obcecado, vivo o momento. Mas é um orgulho triunfar cá e ter reconhecimento do trabalho de tantos anos, que se entusiasmem e venham ver a minha obra artística."

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