Há um ano, as doentes da área de ginecologia-obstetrícia tinham de consultar o Portal do Serviço Nacional de Saúde (SNS), caso necessitassem de ir a uma urgência, para saberem quais os serviços que estavam a funcionar. Com o modelo atual, têm de ligar primeiro para a Linha SNS24 Grávidas, para serem referenciadas, porque se forem diretamente não serão atendidas, a não ser que se trate de um caso de “gravidade excecional”, refere a portaria publicada na sexta-feira e que ontem entrou em vigor na região de Lisboa e Vale do Tejo. Segundo o presidente do Colégio da Especialidade de Ginecologia-Obstetrícia da Ordem dos Médicos, trata-se de “um modelo que tem pré-triagem que vai reencaminhar as doentes para o serviço adequado, quer seja, de facto, uma urgência, ou uma consulta aberta nos centros de saúde ou num hospital”. .José Furtado assume que, além de ser presidente do colégio da especialidade, participou no grupo que elaborou este modelo, tal como participou em todos os outros grupos de trabalhado que analisaram e prepararam medidas para resolver os problemas desta área, desde o tempo da ex-ministra Marta Temido, mas, agora, diz, “tenho esperança que com este modelo se consiga regular a acessibilidade aos serviços de urgência e reorganizar o trabalho das equipas, que em vez de estarem a ver 10 doentes realmente urgentes e a fazer atividade programada, estão a ver 50 ou mais que vão à urgência por circunstâncias diversas e que não são urgentes”. .O dirigente da Ordem diz mesmo que o que acontece nas urgências gerais, em que “80% dos doentes que ali se dirigem não são verdadeiramente urgentes, acontece também na área da ginecologia-obstetrícia. Portanto, é preciso regular o acesso”, reforçando ser “mais seguro um modelo que assenta na pré-triagem, feita por enfermeiros especializados e através da Linha SNS24, do que encerrar serviços por falta de profissionais ou obrigar as doentes a terem de fazer 30, 40 ou 50 quilómetros para encontrarem um serviço de urgência aberto”. Para o médico, “este projeto pode tornar-se numa medida verdadeiramente estruturante, porque, além de permitir reorganizar os serviços hospitalares e os cuidados primários, pode ensinar as doentes a usá-los corretamente”. .Aliás, lembra, “a medida estava preconizada nas normas aprovadas e publicadas pela Direção-Geral de Saúde em 2023. São normas técnicas de orientação para os serviços, que as devem cumprir”. Por isso, concorda que a mesma poderia ter sido aplicada pela equipa ministerial anterior, que também fez apelos à população para ligar primeiro para a Linha SNS24 antes de se deslocar às urgências. “Esta medida era o próximo passo”, refere, lembrando que os problemas com as urgências de ginecologia-obstetrícia não são deste verão ou de agora. “A ministra que começou a ter problemas foi Marta Temido, que criou logo uma comissão para ajudar a resolver as situações do momento. Foram tomadas medidas até consideradas paliativas, agora são precisas medidas estruturantes”. .José Furtado diz ao DN que “não podemos é continuar a funcionar como estamos, com as equipas completamente exaustas e a ficarem desfalcadas porque os profissionais procuram fora do SNS situações mais cómodas”. As urgências de ginecologia-obstetrícia da região de Lisboa e Vale do Tejo foram das mais afetadas este verão. Por isso mesmo, refere ao DN, “avançámos com um projeto-piloto aí”, embora haja Unidades Locais de Saúde do Norte, como a de Vila Nova de Gaia e a de Santo António, que se juntaram também a este projeto e começaram a implementar a pré-triagem. O mesmo aconteceu com a ULS de Leiria e de Portalegre. .O DN questionou a Direção-Executiva sobre como correu o primeiro dia, mas foi-nos dito que o balanço só será feito ao fim de 24 horas da entrada em vigor do modelo. A Maternidade Alfredo da Costa disse à Lusa que “seis utentes chegaram sem triagem feita pela Linha SNS24” e a Secretária de Estado da Saúde, no Porto, admitiu que houve constrangimentos no arranque da pré-triagem telefónica obrigatória para as grávidas acederem às urgências hospitalares. “Obviamente que há sempre constrangimentos no início, mas a situação está a ser acompanhada para garantir a qualidade e acesso aos cuidados”, afirmou. A governante disse que a medida “é um projeto piloto” e que está sujeita a avaliação, recusando que seja uma medida economicista. “Compreendo as reclamações, mas temos a obrigação de garantir cuidados e segurança aos nossos concidadãos e isso é o nosso principal objetivo (...)”. .No Parlamento, o Bloco de Edquerda quer ouvir a ministra para explicar o modelo, que gerou também duras críticas por parte dos sindicatos médicos. Para José Furtado, embora não queira comentar as críticas feitas, “não é com discursos a assustar a população que conseguimos resolver os problemas”. Até porque, argumenta, “o modelo que estamos a tentar aplicar em Portugal já foi testado internacionalmente e com bons resultados, como Alemanha e Países Baixos”..O obstetra e dirigente da Ordem dos Médicos reforça que “Portugal tem cuidados na área da ginecologia-obtetrícia que são considerados dos melhores da Europa e até do Mundo, mas se continuarmos a deixar que todas as situações sejam chamadas de urgente é estar a falsear o que de facto é uma urgência. Temos de aplicar as palavras àquilo que elas realmente representam. E o que queremos com este projeto é regular a acessibilidade ao serviço de urgência, porque uma situação verdadeiramente urgente precisa de uma equipa disponível e capaz para a resolver, e não assoberbada com outros doentes”. .No entanto, admite ainda que só esta medida não chega, são precisas outras, nomeadamente que se fixem profissionais nos serviços. “Se queremos manter o SNS da forma como o criámos e como o fomos fazendo, temos que criar condições para organizar o trabalho e manter os profissionais. Isto é fundamental, senão corremos o risco de perder o que fomos construindo”.