Ibrakhima Diagan , 30 anos, Senegal, o compatriota Mobu (Mamadou) Ndiave, 40, e Omar Jallaw. 29 , da Gâmbia, estão em Portugal há mais de dois anos. Vivem em Beja, já têm algum conhecimento do país e estão por sua conta. As maiores queixas são da falta de trabalho, de serem mal pagos e enganados, mas aguentam para obter a autorização de residência no país. Pode levar mais de dois anos a conseguir, mas é muito difícil em outros países europeus.."Está muito difícil, há meses em que não ganhamos nada, as condições dos quartos são más, mas em África é pior. Vai melhorar quando tiver a autorização de residência. Quero trabalhar para uma empresa portuguesa em França ou na Alemanha. Quero viver em Portugal", é o desejo de Omar Jallaw. Nos olhos dos amigos o mesmo sonho..Ibrakhima e Mobu pagam 140 euros mensais num quarto com duas pessoas; Omar gasta 120 porque o partilha com mais três. "Estamos um pouco melhor do que quando chegámos, fomos para uma pensão com muitos quartos, umas 40 pessoas, muito má. Agora, vivemos um pouco longe do centro, mas é mais barato e a casa é melhor. Estamos sempre à procura de uma casa melhor", resumem..O trabalho é mais difícil de escolher, sobretudo quando a oferta é pouca. Em geral, o contrato laboral fixo só chega com a regularização. "Ouvimos falar de casos de tráfico de pessoas, mas não nas nossas comunidades", dizem..Alberto Matos, da associação Solidariedade Imigrante (Solim) explica: "Com os cidadãos africanos não é fácil acontecerem essas situações, as pessoas vêm pelos próprios meios, embora recorrendo a "passadores" que os trazem por terra e mar. Para quem vem da Ásia é mais complicado, a viagem é maior, mais cara, têm de pedir emprestado às próprias redes. Em África, juntam a família, os amigos, toda a gente dá dinheiro, à espera que depois os ajude a eles. Na Índia, Paquistão, é mais pesado. Dizem "paguei 15/20 mil euros para vir". Se tivesse esse dinheiro era rico. Não pagou, ficou a dever!".. Já apareceram na Solim romenos e moldavos, a quem confiscavam os documentos. Aliás, quando surge um destes cidadãos espancado nas urgências hospitalares percebe-se que houve ajuste de contas..Estas redes espalham-se pelas nacionalidades à medida que as respetivas comunidades se implantam em Portugal. "Também há violência com a máfia paquistanesa, indiana, bengali, com os do próprio país. As pessoas ficam a dever para virem para a Europa, 15/20 mil euros que têm de pagar até ao fim. Em África, a pobreza é tanta que não dá para pedir empréstimos. Arriscam morrer no mar, no deserto, pagam com a vida.".Alberto Matos desconfia dos intermediários que colocam os trabalhadores nas explorações agrícolas e construção civil. Empresas com uma fachada de legalidade e que recorrem a todos os esquemas para angariar as suas vítimas. Vendem contratos de trabalho, moradas, arrendam-lhes camas em casas e pensões sobrelotadas..No dia 2 de março, o SEF fiscalizou seis armazéns em Monte Sabino, Faro, transformados em habitação, no âmbito do crime de tráfico de seres humanos. Havia um número anormal de registo de pessoas com a mesma morada. Identificaram 132 estrangeiros, todos homens, a grande maioria tinha feito "a manifestação de interesse", o primeiro passo para obter a AR. "Estão dependentes de conterrâneos, sócios-gerentes de empresas prestadoras de serviços para cedência de mão de obra para explorações agrícolas, em que o exercício profissional não é contínuo". Os proprietários alugaram cada armazém por 700 euros/mês aos inquilinos, que subalugavam cada colchão por 100 euros/mês aos trabalhadores", refere o SEF.. Ibrakhima e Mobu deixaram mulher e dois filhos no Senegal. O primeiro era padeiro. Saiu do Senegal em 2019, atingiu a Europa pelo Atlântico. Cinco dias numa patera com mais 80 migrantes para chegar a Las Palmas, pagou mil euros. Foi levado para um centro de acolhimento, meteram-no num avião para Madrid, mais tarde, viajou pelos seus meios até Albacete (entre Valença e Sevilha). Aí viveu um ano, com trabalhos precários, sem papéis. Em outubro de 2020, apanhou um autocarro para Portugal..Mobu já trabalhava na agricultura. Saiu do Senegal em 2016, por terra até Tânger (Marrocos), onde apanhou um barco para Palma de Maiorca, dez horas de viagem. Pagou 1500 euros, o barco tinha "apenas dez pessoas". Viveu quatro anos em Espanha, juntou dinheiro e apanhou um avião para Sevilha. Em 2020, viajou de autocarro para Lisboa e, depois, Beja..Omar saiu da Gâmbia em 2019, chegou há um ano. Viajou para o Senegal, onde apanhou um barco para Palma de Maiorca. Sete dias no mar numa embarcação sobrelotada. Pagou 600 euros. Enviaram-no para Madrid, apanhou um autocarro para Beja..Os três homens utilizaram a chamada Rota de África Ocidental. "É a única a fazer-se pelo Oceano Atlântico, os migrantes passam principalmente por Marrocos, Sara Ocidental, Mauritânia, Gâmbia e pelo Senegal. Embarcam em viagens perigosas, que podem ter desde 100 km até 1600 km de distância, com o objetivo de chegar às ilhas Canárias. Em 2006, deu-se a crise das pateras ou cayucos, nome dado à vaga de 31 mil migrantes que chegaram às Canárias. Diminuiu para menos de 1500 por ano, até que em 2020 voltou a aumentar de forma drástica, com 23 023 chegadas. O que se deve ao aumento da segurança nas fronteiras das diferentes rotas do Mediterrâneo. Em 2021, foram 22 023", refere um relatório do Eurocid (Centro de Informação Europeia Jacques Delors )..Confrontamos os três amigos com os perigos que correm, que a travessia marítima pode significar a morte. "Não pensamos nos perigos. Arriscamos, entramos ou não na Europa, acreditamos que vamos conseguir, nós conseguimos", justifica Omar. Porquê Portugal? Riem-se. "Tinha ouvido falar do país, vim diretamente para Beja" (Omar). "Em Espanha não conseguia papéis" (Mobu). "Ouvimos falar na apanha da azeitona, vim nessa altura" (Ibrakhima)..Omar fez a "manifestação de interesse" em maio de 2021, está quase a ser chamado. Tem de apresentar comprovativos do trabalho e de pagamentos de um ano à Segurança Social para obter a AR. Os outros fizeram-no recentemente. Acreditam que estão a pagar à Segurança Social já que o patrão retêm a prestação, que não tem um valor fixo. "Perguntam quanto queremos descontar por mês, 100, 150?, quantos dias queremos descontar?",revela Ibrakhima. O que os prejudica para a legalização..Enquanto não estão legais, sujeitam-se ao trabalho que houver, para receber entre 35 e 45 euros por dia. "Às 06h00 começam a chegar ao mercado carrinhas que trazem e levam pessoas. Um dia trabalham numa coisa, no outro, noutra, mas o contrato é sempre com o mesmo intermediário", diz Alberto Matos..Ibrakhima, Mobu e Omar não sabem quando recebe o intermediário por cada trabalhador, "é secreto". Um mês bom é trabalhar os 24 dias, cerca de mil euros. O intermediário negoceia com o proprietário da exploração o pagamento por hectare de colheita. "Um leva 50, outro 45 e aparece outro que faz 40. Há sempre alguém que faz o preço mais baixo. Como é possível? Escravizando as pessoas", salienta o dirigente associativo..Até março, o trabalho nos campos está parado. "Trabalhamos na campanha da azeitona de 1 de novembro até ao fim de dezembro, mas esta ano acabou muito cedo. Trabalhamos na poda das oliveiras, no que aparece", exemplifica Omar Jallaw. "Na apanha da laranja, temos de encher 40 caixas por dia (40 euros) e, se não o fizermos, não pagam o dia e mandam embora", lamenta Mobu Ndiave..Comer e pagar a renda são os problemas. "Falamos com o responsável da casa para perceber que não temos dinheiro", diz Omar..ceuneves@dn.pt