Além do fórum da tributação, quais outras agendas cumpriu nesta visita a Lisboa?Eu tive duas agendas, uma com o diretor Luís Carrilho, da Polícia de Segurança Pública. Tivemos uma longa reunião, um almoço após, e também estive com o diretor Luís Neves, o diretor da PJ. E também, semana passada, estive numa reunião na Europol, onde me reuni com o comandante da Guarda Nacional, também tratando de temas de interesse comum. Nessas reuniões, quais foram os assuntos? Como estão os acordos de cooperação?Nós temos já uma cooperação histórica com as agências portuguesas. E, particularmente com a PJ, temos um acordo de cooperação onde nós fornecemos para a Polícia Judiciária Portuguesa uma ferramenta de investigação de crimes de violação de crianças e adolescentes pelas redes. Então, além desse ponto, houve várias outras trocas de informação, houve a apreensão, por exemplo, de um submarino aqui com seis toneladas de droga, fruto também dessa cooperação com as polícias portuguesas. Enfim, vamos sempre procurando encontrar novas oportunidades. Estive com os nossos adidos e adidas da Polícia Federal nesta reunião, estimulando que cada vez mais se troque informações.Sobre o acordo que foi fechado com a Europol em março, sendo que o Brasil é o terceiro país fora da União Europeia a integrá-lo. Como é que tem sido essa cooperação?Eu acho que isso mostra a maturidade institucional da Polícia Federal, que é a representante na Europol, mostra o retorno do Brasil ao cenário internacional nos órgãos multilaterais e mostra a confiança que as demais instituições têm na Polícia Federal brasileira. Esse acordo é um acordo com muitos efeitos concretos, porque nos permite uma troca de informações com o conjunto de polícias que estão com assento na Europol. E isso também permite que levemos e recebamos informações de todas essas agências e logo qualifica as investigações. Nós tivemos, e aqui eu gosto sempre de citar questões concretas, agora há duas semanas ou três, uma ação sobre tráfico de pessoas, de mulheres para fins de exploração sexual na Irlanda, que foi possível graças a esse acordo, graças à cooperação do Brasil com a Europol.No evento da tributação falou que hoje em dia não há papel na Polícia Federal, tudo digitalizado. Como é que tem sido o investimento em tecnologia na Polícia Federal? Esse é um grande esteio nosso e que nos traz uma ferramenta importante. Hoje, como você já colocou na sua pergunta, a Polícia Federal não tem mais uma folha de papel. Nossas investigações são todas digitais, ou seja, tudo que nós recolhemos de informação, depoimentos, apreensões, extração de dados, enfim, tudo que compõe uma investigação policial faz parte de uma base de dados digital e que nos permite com isso uma análise do conjunto de informações das nossas 49 mil investigações que estão em curso. E isso qualifica, permite cruzamentos, permite que a gente não duplique esforços, permite que a gente canalize energia e inclusive identifique manchas criminais que estão na nossa atuação para que a gente tenha cada vez mais melhores resultados. E é óbvio que para isso há necessidade de investimentos. E através de cooperação, como por exemplo já citou no caso do software de violação de menores, o Brasil está sempre disposto a partilhar essas tecnologias com os países parceiros? Sempre, acho que essa é uma tónica e uma necessidade de todas as agências de segurança, é o compartilhamento. Então assim como nós temos policiais nossos fazendo cursos em várias agências no mundo inteiro, temos acordos com universidades de segurança pública, no caso da China, que tem uma universidade de segurança pública, temos profissionais nossos lá, neste momento inclusive, fazendo essa capacitação. Nós também levamos o nosso know-how, o nosso conhecimento, citei esse exemplo aqui de Portugal, mas também na região nós temos, por exemplo, cursos sobre investigações de lavagem de dinheiro, de ocultação de património, e levamos esse curso a todos os nossos parceiros que têm interesse. A condenação de Bolsonaro por tentativa de golpe de estado teve como base uma investigação da PF. Como foi conduzir essa investigação que levou a este momento de defesa da democracia?De fato, uma investigação, eu diria, histórica, muito responsável, muito técnica, e o que se viu durante o julgamento, o conjunto de ministros da Suprema Corte Brasileira, o próprio Procurador-Geral da República, reconhecendo a qualidade do trabalho que a nossa instituição produziu, inclusive, várias vezes, os próprios ministros falando da exuberância de provas. E isso nos conforta, acho que nos permite olhar para trás e ver o acerto das medidas, uma investigação de altíssima complexidade e que nos trouxe, de facto, desafios importantes e que em nenhum momento nós recuamos. A omissão, a covardia, a impunidade não fazem parte da nossa rotina. O que nós levamos, e eu como diretor-geral levei à equipa, foi a confiança no trabalho que estava sendo feito, com responsabilidade, com técnica, sem qualquer viés político nesse cenário e buscando excelência na prova a ser recolhida para investigação. Aquilo que nós conseguirmos provar, nós vamos levar para o processo e vamos responsabilizar. Foi um processo que mostrou a maturidade da instituição, que não olhou para a estatura política, social, económica, se era militar, se era general, se era soldado, se era policial. Há policiais envolvidos, condenados, inclusive, dois delegados da Polícia Federal já condenados. Há um agente que está preso, inclusive. E é a primeira vez na nossa história que são responsabilizadas as pessoas por tentarem dar um golpe de Estado. E isso acho que é um marco civilizatório, é algo para ser exaltado com responsabilidade, não em razão das pessoas, mas pela defesa da democracia e do estado democrático de direito. E eu fico feliz que a Polícia Federal tenha cumprido muito firmemente o seu papel. Uma outra grande operação recente foi em parceria com a Receita Federal, que mirou o crime organizado. Como é que estão sendo desenvolvidas essas ações em parceria com o fisco Brasileiro?Essa teve uma repercussão maior e com justeza, em razão dos resultados e das dimensões de tudo aquilo que apurámos. Só para você ter uma ideia, foram mais de um bilhão e meio de reais [cerca de 160 milhões de euros] efetivamente aprendidos ou bloqueados nos fundos de investimento nessa única operação. É um volume de recursos que impacta e que mostra o acervo da medida. Mas por que eu falava que essa tomou essa dimensão para efeito de divulgação? Por esse volume, mas o que eu queria dizer é que nós fazemos isso permanentemente. E esse é o único caminho que temos para ter melhores resultados. É a cooperação, é a integração não só entre as agências policiais, as polícias civis, militares, as polícias de outros países, mas também com outras agências. E a Controladoria Geral da União, é uma parceira histórica da polícia, a Receita Federal, com dezenas, centenas de operações que fazemos todos os anos. Muitas vezes as agências fiscalizadoras também dos estados trazem informações, ou seja, esse conjunto de agências juntas, cada uma, e isso é fundamental ser dito, cada uma respeitando a atribuição da outra. Ou seja, nesse caso, a Receita Federal cumpriu seu papel de agência tributária, fiscalizadora e identificou sinais de que havia algo a mais do que a questão tributária, acionou a agência com competência legal, que é a Polícia Federal, para investigação e isso trouxe o resultado que trouxe. Eu só vejo esse como caminho para sempre termos os resultados como tivemos nessa operação. Por falar em crime organizado, aqui em Portugal fala-se muito da presença dessa principal facção. Queria perguntar qual é o real retrato que a Polícia Federal tem dessas ações desse grupo aqui no país?Eu vejo um certo alarmismo exagerado. Eu não concordo com algo que li em alguns canais de mídia aqui, de que haveria, e essa é a sensação de quem lê, haveria praticamente uma invasão de determinada organização criminosa com dezenas de milhares de pessoas, com lavagem de dinheiro, com propriedades disso, daquilo, até um clube de futebol o crime organizado teria aqui. E aí eu pergunto muito objetivamente, qual clube é esse de que o crime organizado é dono? Onde estão essas 40 mil pessoas, como foi dito, que estariam aqui? Qual o efeito dessa tomada do crime organizado que é alardeada é na segurança pública em Portugal? No sistema penitenciário português, quantas pessoas estão detidas que teriam ligação com essa ou aquela facção? Então é preciso ter muita parcimónia, eu diria, com isso, botar a bola no chão e conectar essa argumentação com a realidade. E a realidade não é o que está posto, pelo menos em algumas notícias que eu li. A realidade é muito distinta. E aí confundir um eventual cometimento de crime por alguém que se auto-intitula, veja bem, ninguém faz ficha de filiação à organização criminosa. A pessoa se auto-declara integrante de uma organização. Aí o sujeito assaltou uma padaria aqui em Portugal. E aí, diz que é integrante de tal facção e aquilo já vira um caos, porque o crime organizado de determinada facção está assaltando sem parar em todo lugar. Eu tenho a preocupação, óbvio, que é minha responsabilidade. Eu não posso, em momento algum, deixar de analisar esse fenómeno. Mas preciso analisar no contexto real, porque senão vou desfocar o meu olhar e vou errar a mão. Eu e as polícias portuguesas vamos errar as mãos nesse enfrentamento. Eu acho que o cenário não tem essa proporção que é dito hoje. Até porque uma coisa é o cometimento de crimes por uma determinada organização criminosa, outra é um indivíduo, esporadicamente, que se auto-declara integrante de uma organização cometer um crime e por isso ser responsabilizado. Sim, mas de qualquer forma, a Polícia Federal e a PJ têm uma colaboração constante a respeito desse assunto?Sim, permanentemente. Os nossos adidos aqui, mais de uma vez por semana, com certeza, se reúnem com as equipas aqui, trocam informações. Isso é permanente. E também o adido português, que está no Brasil, tem contacto connosco permanente. E como se combate este alarmismo, que acaba por estigmatizar a comunidade brasileira em Portugal?Eu entendo que se combate a mentira com a verdade. Nós precisamos mostrar os números, a realidade. Diga-me em que momento houve isso, em que momento a comunidade brasileira oferece, de facto, um risco à segurança pública portuguesa. E hoje, pelos números que temos, pelos dados que temos, isso não é uma realidade. Então eu acho que muitas vezes são argumentos trazidos em relação à segurança pública que podem, na verdade, ter por trás o interesse em outra política pública que não necessariamente a questão de segurança. E aí as distorções e o cenário precisa ser revertido.Um dos argumentos defendidos por alguns setores políticos para a mudança da lei da imigração e outras mudanças é para diminuir a entrada de imigrantes e, consequentemente, diminuir o crime. Como se houvesse uma relação direta entre imigração e criminalidade. Vê essa ligação? Eu não posso comentar a política estrangeira de qualquer país em relação à política pública de imigração. Isso está dentro da autonomia, da soberania de cada país, definir aquilo que os governantes legitimamente eleitos pela sociedade vão definir como política pública. Agora volto à minha pauta central da verdade dos factos, dos números. Eu de facto não consigo correlacionar diretamente, e aqui falo pela comunidade brasileira, a relação direta de mais brasileiros, mais crime, menos brasileiros, menos crime. Eu precisaria que alguém trouxesse esse dado, essa estatística para mostrar que há uma relação direta entre uma coisa e outra. O Brasil também tem uma política migratória muito receptiva, diria, e isso não trouxe nenhum impacto significativo para a segurança pública. amanda.lima@dn.pt.Ana Miguel Pedro: "Pela sua posição estratégica, Portugal tornou-se um alvo de interesse para o PCC".Brasil pede ao Governo de Portugal números atualizados sobre processos de regularização e abandono voluntário.Brasil adicionou oficialmente tema da xenofobia na agenda bilateral com Portugal