Nos últimos 30 anos, os crimes contra pessoas, nomeadamente os crimes de ódio, tiveram “um aumento muito significativo”. Sobretudo a partir de 2011 (quando foram registados apenas quatro) e até 2023, último ano com dados já consolidados, em que houve mais de 300 a serem reportados pela Polícia Judiciária (PJ).Os dados constam do documento que Luís Neves, diretor nacional da PJ, distribuiu esta quarta-feira aos deputados, no Parlamento, onde foi ouvido na Comissão de Assuntos Constitucionais a pedido da Iniciativa Liberal (IL).Nas mais de 50 páginas que foram entregues aos membros da comissão - e a que o DN teve acesso -, é destacado que o aumento dos crimes contra as pessoas (como a ofensa à integridade física ou crimes contra a vida) tiveram, no entanto, “um aumento pouco significativo”, com 90.840 a serem registados em 2023. Há 30 anos, esse número era de 68.677. Ou seja: em três décadas, houve um aumento de 32% (mais 22.163 ilícitos deste tipo em valor absoluto). Isto significa um acréscimo de menos de 740 por ano no período em análise..Diretor nacional da PJ: contra factos não há argumentos. Cinco pontos sobre a audição de Luís Neves.Em sentido contrário, os dados distribuídos pela Comissão de Assuntos Constitucionais mostram, a título de exemplo, que houve, a partir de 2008, uma diminuição nos crimes contra a propriedade.Na audição parlamentar, o diretor nacional da PJ procurou procurou “clarificar” aquilo que disse a 17 de janeiro na Grande Conferência dos 160 anos do DN, quando desconstruiu a “desinformação” sobre criminalidade cometida por estrangeiros. E esta quarta-feira foi mais longe, acrescentando, por exemplo, que ainda há “muitos crimes de homicídio e de violência doméstica”, cometidos sobretudo por portugueses. Isto, classificou, deve ser “uma vergonha para todos” e para o país. Neste caso em particular, explicou, a maioria dos crimes são cometido “por cidadãos nacionais”. Mas este é, aliás, um dos crimes com um aumento “pouco significativo” (de 28%), sobretudo se a análise for focada naqueles cometidos contra o cônjuge (ou similar).Contudo, este não é o único ilícito em que a PJ sabe a nacionalidade de quem o comete. Mas, segundo disse Luís Neves no Parlamento, a polícia não divulga esse dado por um motivo: “Não tem sido permitido.”A situação pode agora mudar, uma vez que o Parlamento já aprovou um projeto de resolução que recomenda ao Governo a inclusão deste parâmetro no Relatório Anual de Segurança Interna (RASI). No entanto, como se trata de uma iniciativa legislativa sem poder vinculativo, a recomendação poderá não ser seguida pelo Executivo. O documento será conhecido no final do próximo mês.Ainda assim, na sua intervenção, Luís Neves afastou uma eventual ligação entre imigração e o aumento da criminalidade, ressalvando: “Um imigrante é estrangeiro, mas um estrangeiro não é necessariamente imigrante.” E, acrescentou: “quanto mais rapidamente uma pessoa for inserida, menor a probabilidade de cometer crimes”. Porquê? “As pessoas emigram para fugir da fome e da miséria. Estando legalizadas, iriam destruir todo o investimento que fizeram”.Não obstante, os crimes de tráfico de pessoas aumentaram em 2023. E, comparando a 30 anos, há aumento claro (ver gráfico), mas “sem picos evidentes”, como destaca a PJ.Número de presos sem relação com o de estrangeirosSegundo o documento que Luís Neves deu aos deputados, há ainda um outro dado que salta à vista e que é destacado pela própria PJ: “O número de reclusos não acompanha o aumento do número de estrangeiros em Portugal.”Na verdade, comparando a 10 anos (entre 2013 e 2023), há até um decréscimo de 28,08% de reclusos estrangeiros, havendo, no mesmo período, um aumento de 160% no número de pessoas de nacionalidade estrangeira que são residentes. Em 2023, segundo a PJ, viviam, em Portugal, 1.044.606 estrangeiros, havendo 1233 condenados (ou seja, pouco mais de 0,1% da população estrangeira residente no país). A tendência é igual se se alargar a análise aos reclusos estrangeiros em prisão preventiva (em 2023 foram 803). .Luís Neves: "Continuamos com muitos crimes de homicídio e de violência doméstica. Uma vergonha para todos".Olhando para os dados por tipologia de crimes, a PJ refere que, por exemplo, em 2017, todos os condenados por tráfico de pessoas eram estrangeiros. Comparando com 2023, é uma oscilação de 44%. Segundo a informação que Luís Neves deu aos deputados, este foi, aliás, o tipo de crime mais cometido por estrangeiros nesse ano. As violações e o abuso sexual de crianças fecharam o pódio, com 21% e 16% destes crimes a terem sido cometidos por estrangeiros.Ainda assim, conclui o documento, as oscilações no espaço de dez anos são “muito ténues”, oscilando entre os 2% e os 8% neste período.Algumas conclusões da açãoExtorsões com grande aumento em 2023: De acordo com a PJ, o crime de extorsão teve “um aumento bastante significativo”, de 567%, no período entre 1993 e 2023. Neste intervalo temporal, destaca a polícia, sublinha-se a alteração no modus operandi, passando a ser muito mais frequente “com recurso a sistemas informáticos”.Violência doméstica continua alta: Com registos apenas desde 2008, o crime de violência doméstica tem tido “um aumento pouco significativo”, na ordem dos 28%. O recorde foi em 2022, com 26 073 crimes - ligeiramente acima dos números de 2023 (26 041).Auxílio à imigração ilegal teve recorde: Nunca antes tinha havido tantos crimes de auxílio à imigração ilegal. Ao todo, a Polícia Judiciária registou 267 no ano de 2023, sendo reflexo de um aumento que se tem verificado desde 2005, com picos em alguns anos (2012, 2019 e 2022), mas todos a uma grande distância dos últimos dados conhecidos. Este aumento, disse ontem no Parlamento Luís Neves, terá uma justificação relativamente simples: o “maior trabalho proativo” das polícias, uma vez que é também na PJ que os inspetores do SEF (agora extinto) acabaram por ser inseridos na polícia.Tráfico de estupefacientes “com aumento significativo”: O tráfico de droga foi uma das preocupações que o diretor nacional da PJ expressou no Parlamento. Na audição, Luís Neves alertou para o problema: o impacto da entrada de estupefacientes no país, sobretudo “cocaína, haxixe e drogas sintéticas”. Em breve, estima, haverá outra ameaça: “O fentanil, que mata várias pessoas nos Estados Unidos.” E, segundo os dados que forneceu aos deputados, há “um aumento significativo” deste crime (cerca de 37%) no espaço de 30 anos, ainda que “sem picos evidentes”. Em 2023, houve 7550 ilícitos deste tipo. Números próximos só em 2018, com 6405, e em 2022 (6284).As perceções que “têm de ser respeitadas”: Baseando toda a sua intervenção em factos, como sublinhou, Luís Neves não desvalorizou contudo as chamadas “perceções” de insegurança. Essas “perceções têm de ser respeitadas”, referiu, ainda que não haja “nenhum estudo científico validado” sobre o assunto. Ainda assim, alertou, a “desinformação” sobre segurança interessa “aos profetas do caos e das desgraças. Temos de combater esses paladinos.”.Imigração e criminalidade: os factos de uma ideia fixa .Luís Neves: "Continuamos com muitos crimes de homicídio e de violência doméstica. Uma vergonha para todos"