A especialização seguida por Seirian Sumner no campo da entomologia aproxima-a do papel do advogado do diabo. Durante os últimos mais de 25 anos, esta investigadora britânica tem-se dedicado a promover a imagem das vespas, tentando-as libertar da má fama que amealharam ao longos dos tempos. Ao contrário das abelhas, a quem admiramos o seu papel polinizador e que há muito conseguimos representar de forma querida ou simpática (certo, Abelha Maia?), as vespas não provocam um sorriso cândido em ninguém. Antes pelo contrário. Bom, pelo menos até se conhecer Seirian Sumner e o incrível entusiasmo que ela expõe no seu papel de autêntica Relações Públicas de um dos insetos mais temidos pela maioria dos humanos..A ecologista comportamental, investigadora da University College London, argumenta que está na hora de libertarmos a vespa dos preconceitos que têm manchado a sua reputação há demasiado tempo. “Todos devíamos adorar as vespas”, defende a cientista, que esteve na Glex Summit, cimeira de exploradores que decorreu nos Açores. “Elas podem ajudar-nos a entender a evolução dos comportamentos sociais e representam um vasto potencial económico inexplorado”. “O problema com as vespas”, costuma dizer, “são as pessoas”..Durante as suas palestras ao redor do mundo, Seirian Sumner apresenta uma espécie de “Sete Maravilhas” sobre as vespas que o comum dos mortais provavelmente desconhece, para ajudar a melhorar a imagem deste inseto mal-amado e contribuir para a sua valorização e preservação..“Maravilhas” que vão desde a complexa rede de socialização destes animais - aquilo que a fez encantar-se por eles inicialmente -, à sua incrível diversidade (mais de 100 mil espécies identificadas), ao importante papel polinizador, ao controlo de pragas ou mesmo à impressionante capacidade predatória: “Elas são realmente umas assassinas poderosas”, admite a autora do livro Endless Forms: The Secret World of Wasps..Seirian Sumner nem sempre foi uma fã das vespas, admite. Mas o seu destino acabou por se cruzar com o das vespas quando decidiu fazer um doutoramento em comportamento social animal. Inicialmente, tinha pensado fazê-lo com pássaros ou suricatas, animais bem mais populares, mas acabou por ter como orientador um especialista em vespas sociais que estava a recrutar para um projeto de campo no Sudeste Asiático, e que a convenceu com uma garantia: “Vá lá! Estas vespas não picam”. Tem provavelmente uma das tarefas mais difíceis que existem: ser uma espécie de Relações Públicas das vespas, mostrar ao mundo o lado “bom” de um dos insetos mais temidos. O que é que a levou a querer trabalhar com vespas enquanto investigadora?.A razão pela qual me dediquei às vespas foi o meu interesse por questões relacionadas com o comportamento social e a informação social. As vespas, uma parte muito pequena das vespas, vive em sociedade. Como aquelas que toda a gente conhece, que vêm incomodar-nos durante o piquenique. Mas há uma grande diversidade de vespas sociais e as suas pequenas sociedades de fêmeas - em que todas querem tornar-se rainhas e, no entanto, apenas uma o consegue e as restantes viram operárias apesar de terem aspirado a rainhas - são um modelo muito bom para compreender a evolução do altruísmo e a evolução da diferenciação ao longo dos tempos. Mas vou confessar uma coisa: eu também não gostava nada de vespas antes. Era a primeira a fugir delas. É o meu segredo mais mal guardado. Só que eu queria fazer um doutoramento em ecologia, comportamento animal e relações sociais, e aconteceu que o modelo ideal eram as vespas. Lembro-me que, quando comecei, tive uma entrevista com a pessoa que ia ser o meu orientador de doutoramento, e disse-lhe: “É um projeto fantástico, mas eu não gosto de vespas e não quero ser picada.” E ele respondeu-me: “Não, não te preocupes. Estas não picam”. Grande mentira..Portanto, deixe-me adivinhar: já foi picada várias vezes?.Absolutamente. Mas isso não pode impedir-nos de fazermos o nosso trabalho. Da mesma forma que se pode habituar animais vertebrados, como babuínos, macacos ou outros, à presença de observadores humanos, também se pode habituar as vespas a habituarem-se a nós. De outra forma apenas nos veem como um predador, até porque os seus principais predadores são vertebrados. É sempre necessário um tempo de adaptação. Mas em poucos dias o ninho de vespas em que trabalhamos habitua-se à nossa presença..Uma das suas tarefas é apresentar o seu trabalho em palestras por todo o mundo e convencer as pessoas de que as vespas não são assim tão más quanto o cidadão comum perceciona. Tem sido bem sucedida nessa tarefa? Que feedback tem tido?.Bom, quero crer que sim. Nós temos algumas métricas de análise que extraímos destas apresentações, nas quais pedimos, antes da palestra, e através de uma aplicação online, que a audiência nos envie algumas palavras que lhes ocorrem quando pensam em vespas. E depois, no final da palestra, pedimos que repitam o processo para ver se houve alguma mudança na perceção da audiência em relação a estes pequenos seres. Vamos ver o que aconteceu aqui na Terceira [abre a aplicação]: no primeiro painel, as três palavras mais comuns eram “picada”, “medo” e “dor”. E após a minha apresentação, vamos ver… os resultados foram “espantosas”, “úteis” e “amigas”. Também há aqui bastantes respostas de “controladoras de pragas”. Portanto, sim, parece-me que foi positivo. Aliás, adoro o facto de “amigas” ser uma das respostas mais comuns, até porque eu não usei essa palavra diretamente. Foi uma interpretação pura da audiência, o que me deixa muito satisfeita, porque se elas nos ajudam de alguma forma com o seu trabalho são nossas amigas. Por isso, na verdade, todos devíamos adorar as vespas e o seu trabalho..Durante a sua apresentação também apresenta sete razões pelas quais todos deveríamos “adorar” as vespas. Quais são e quais aquelas que as pessoas costumam reconhecer/apreciar mais?.Aquelas que ficaram no topo aqui nos Açores foram “controladoras de pragas” e “polinizadoras”. A mim, a que me levou a gostar delas e querer estudá-las foi a sua capacidade de socialização, o facto de serem umas socialites supremas. Bom, algumas delas, as vespas sociais, porque há outras que são solitárias. Há milhares de espécies diferentes de vespas. Mais recentemente, a minha investigação está a ir na direção das assassinas impiedosas, a tentar descobrir qual é a base evolutiva dessas subespécies, que traços as tornam capazes de detetar tipos específicos de presas. Fazemos muita sequenciação do genoma, analisando que famílias de genes estão a ser expandidas ou retraídas para desenvolver a sua capacidade de detetar presas. E também analisamos os seus traços morfológicos para ver se as suas antenas têm adaptações específicas que estejam envolvidas nessa evolução..Na Europa, e não só, tem estado recentemente muito presente a ameaça da vespa asiática (ou velutina), que têm feito diminuir as colónias de abelhas a um ritmo preocupante..Sim, as vespas asiáticas são um problema e estão a dar cabo do meu trabalho (risos). A partir do ano passado, a vespa asiática, aquela de patas amarelas, a que está a invadir a Europa, chegou também ao Reino Unido. É muito chato, porque está a estragar tudo. Estava a acreditar que começava a ter as pessoas do meu lado, que elas começavam a entender o quão interessantes e úteis as vespas são, e depois chega esta invasão de vespa asiática que, apesar de todas as relações públicas que se possam fazer, são realmente uma ameaça... Mas bom, pode dizer-se o mesmo de qualquer espécie fora da sua zona nativa. Elas são uma espécie invasora, tal como o são, por exemplo, algumas adoráveis joaninhas, ou algumas formigas, aves ou plantas. As plantas invasoras também são muito, muito perigosas do ponto de vista ecológico. Só que as vespas asiáticas têm pior fama porque estão a afetar a criação de abelhas e os apicultores estão, naturalmente, muito aborrecidos. Estas vespas asiáticas são caçadoras vorazes e caçam muitos insetos diferentes. Na verdade, as vespas sociais nativas representam cerca de um terço da dieta das vespas asiáticas. Por isso, estou preocupada também com essas vespas sociais nativas que estão a ser afetadas pela invasão das vespas asiáticas..Estes insetos têm um papel ativo no controlo de algumas pragas e este ano o aparente declínio do número de vespas tem alertado os especialistas. Quão pior poderia o mundo ser sem elas? .Há um ditado muito famoso sobre as abelhas que diz que se as abelhas desaparecerem, só nos restarão quatro anos para sobreviver. Ora, sobre as vespas não conhecemos ainda o suficiente para saber qual seria o impacto, mas é muito provável que fôssemos inundados com outras populações de insetos, porque as vespas fazem um trabalho importante na regulação dessas populações. Se retirarmos o predador de topo, que é o que elas são, de qualquer ecossistema, isso terá efeitos em cascata em todo o ecossistema. Imaginem se retirássemos os leões do Serengeti: as populações de antílopes aumentavam, as populações de hienas aumentavam, certo? Se perdêssemos as vespas seria a mesma coisa. Estaríamos a viver com muito mais pragas de outros insetos, seguramente..Outro potencial das vespas não muito conhecido é aquilo que podem trazer para o campo da medicina e da alimentação. O que se sabe já nesta área?.É uma área muito interessante. O veneno das vespas é objeto de uma quantidade razoável de investigação, mas ainda num número muito reduzido de espécies. Os diferentes tipos de vespas utilizam o seu veneno de formas diferentes. A vespa social, por exemplo, só utiliza os seus ferrões para se defender. Não os utiliza muito na caça. Já as vespas solitárias e as parasitoides, usam o seu veneno para paralisar a presa e suprimir-lhe o sistema imunitário. Portanto, os componentes do veneno fazem coisas diferentes em diferentes espécies de vespas. As vespas solitárias são geralmente especialistas em caçar presas. E o tipo de veneno necessário para paralisar uma aranha enorme deve ser muito diferente do tipo de veneno necessário para paralisar uma lagarta, por exemplo. E nós não sabemos quais são. Por isso, penso que esta é uma área de investigação empolgante em que qualquer pessoa no domínio biomédico deveria pensar..Falou, na sua palestra, de alguns indícios de potencialidades identificadas para uso em cuidados médicos intensivos e em eventuais tratamentos para cancro, aproveitando substâncias que podem ser extraídas do veneno das vespas….O trabalho de aquisição de conhecimento ainda está em desenvolvimento. Não há muitos artigos sobre o assunto. Mas há informações promissoras que mostram que, em condições laboratoriais, péptidos com massa molecular encontrados no veneno de vespas podem atingir células cancerígenas e provocar-lhes uma hemorragia, causando pequenas rupturas na membrana dessas células e fazendo-as explodir. Por isso, penso que esta é uma área de investigação excitante para o futuro..Que outras “maravilhas” nos estão a escapar sobre as vespas?.Uma das coisas que me impressionam muito, tendo passado os últimos 20 anos ou mais a estudar a evolução e ecologia das vespas, é o facto de elas serem realmente importantes no ecossistema como polinizadoras e controladoras de pragas. Por isso, estamos agora a trabalhar ativamente em soluções de controlo de pragas para vespas caçadoras. Uma solução que pode ter uma grande importância para agricultores de subsistência nos países em desenvolvimento, onde não têm acesso a outro tipo de pesticidas e podem ter aqui uma solução natural e eficaz. Estamos a falar geralmente de zonas do mundo onde a biodiversidade das vespas é enorme, onde as vespas são muito diversas e abundantes. Elas estão lá, mas é claro que as pessoas normalmente as procuram afastar porque não querem vespas no seu sítio, nas suas quintas, nos seus campos. Se conseguirmos de alguma forma aproveitar esse potencial das vespas nos campos, onde podem aceder mais facilmente às culturas, elas podem funcionar como agentes de biocontrolo muito úteis. E é uma abordagem muito mais sustentável para lidar com as pragas, aproveitando o que a Natureza nos oferece..O trabalho com as comunidades locais é importante para aumentar essa consciência e a literacia sobre as vespas?.Absolutamente. Algum do trabalho que temos feito recentemente incide sobre os desafios sociológicos, porque, lá está, ninguém, onde quer que seja no mundo, gosta de vespas. Por isso, ajudar as pessoas a compreender estes insetos pode ser muito útil. Obviamente que eles podem ser perigosos, mas com um simples treino, com material de proteção básico, podemos trabalhar bem com eles e explorar as suas potencialidades. Os humanos têm uma longa relação com as abelhas há milhares de anos, cultivando-as pelo mel e pela cera, e agora estão a tentar usá-las para a polinização. Penso que podemos pegar nesse modelo e tentar aplicá-lo às vespas. Podemos aprender a viver com as vespas e a desenvolver a sua criação, de modo a podermos ajudar as suas populações, porque são realmente importantes, mas também a utilizar essas populações em nosso proveito, como nossos polinizadores e controladores de pragas.