Decisões de Salgado sob suspeita de corrupção e abuso de poder
Abuso de poder, participação económica em negócio, corrupção, prevaricação, violação de regras urbanísticas e tráfico de influências. Esta é a longa lista de suspeitas que ontem levou a Polícia Judiciária às instalações da Câmara Municipal de Lisboa, numa operação de buscas que se dividiu entre os Paços do Concelho e as instalações camarárias no Campo Grande.
Em causa estão suspeitas da prática de "crimes cometidos no exercício de funções públicas", relacionados com a área do urbanismo da Câmara Municipal de Lisboa, avançou a PJ. A designada operação Olissipus terá como figura central o antigo vereador do executivo Manuel Salgado, que esteve à frente da pasta do urbanismo da câmara de Lisboa durante doze anos, entre 2007 e 2019, primeiro com António Costa, depois com Fernando Medina na liderança do executivo. Os processos sob investigação reportam à atual presidência.
De acordo com a PJ estão em curso oito inquéritos dirigidos pelo DIAP Regional de Lisboa. Segundo afirmou a própria câmara, em comunicado, na mira da Judiciária estão três empreitadas - as obras da Segunda Circular (um caso em que foi a própria autarquia a apresentar queixa, depois de cancelar as obras); as obras no miradouro de São Pedro de Alcântara; e a requalificação da piscina da Penha a de França, um diferendo entre a autarquia e o promotor da obra que se arrasta há anos. Fernando Medina disse ontem que a câmara vai também apresentar uma queixa quanto a este caso.
Mas há mais. Na lista da PJ estão alguns dos grandes processos urbanísticos que avançaram na cidade nos últimos anos, com passagem pelo departamento de urbanismo. É o caso da Operação Integrada de Entrecampos, do Hospital da Luz, da torre construída na Avenida Fontes Pereira de Melo, do Plano de Pormenor da Matinha, das obras na Praça das Flores, das Twin Towers ou do Convento do Beato (ver ilustração).
As buscas no âmbito da Operação Olissipus foram ontem desenvolvidas por noventa inspetores e peritos da Polícia Judiciária, com a participação de seis magistrados do Ministério Público e estendendo-se por Lisboa, Sintra, Cascais, Caldas da Rainha e Alvor. Foram executados vinte e oito mandados de busca, com 10 buscas domiciliárias e 18 não domiciliárias, visando a "recolha de documentação relacionada com suspeitas de práticas criminosas, sob investigação".
Ontem, ao final da tarde, o presidente da Câmara de Lisboa, Fernando Medina, confirmou que um dos visados na investigação é o ex-vereador Manuel Salgado, sendo que os oito inquéritos de investigação "correspondem a operações durante o período de trabalho do [ex]vereador". O autarca disse ainda que "nenhuma das pessoas visadas ocupa hoje funções no Executivo".
Salgado deixou de ser vereador do Planeamento, Urbanismo, Património e Obras Municipais da Câmara Municipal de Lisboa em agosto de 2019, mas mantendo-se como presidente do conselho de administração da Lisboa Ocidental SRU - Sociedade de Reabilitação Urbana, a empresa municipal responsável pelas obras na cidade. Um cargo que viria a deixar em fevereiro deste ano, depois de ter sido constituído arguido no âmbito de um processo de investigação relativo ao Hospital CUF Tejo.
Falando à porta dos Paços do Concelho, sede do município, Fernando Medina afirmou-se "tranquilo"... com o que conhece. "Estou tranquilo com tudo aquilo que conheço, que pude acompanhar e monitorizar", afirmou o socialista, dizendo também não ter "nenhum elemento" que o faça questionar a confiança no ex-vereador. Medina diz que a câmara de Lisboa "é das instituições mais escrutinadas que o país tem" e fez questão de sublinhar que estão em causa processos amplamente "discutidos e escrutinados" a vários níveis, quer internamente quer por entidades externas, apontando como exemplo desse escrutínio a operação integrada de Entrecampos.
Na reação às buscas da PJ, Medina sublinhou que a instituição "mais interessada num cabal esclarecimento" é a própria câmara e repetiu por três vezes que espera que o processo decorra com "rapidez". A operação Olissipus surge a poucos meses de umas eleições autárquicas em que Medina será recandidato (embora ainda não o tenha oficializado). Nas últimas eleições, na primeira vez que avançou como cabeça-de-lista à câmara, Medina venceu o escrutínio em Lisboa, mas perdeu a maioria absoluta conseguida por António Costa quatro anos antes, em 2013.
Conhecidas as buscas à câmara, Carlos Moedas - candidato do PSD e CDS à autarquia - emitiu um comunicado estabelecendo um paralelo entre o que se passa na autarquia e o caso José Sócrates. "Não são apenas os comportamentos do ex-primeiro-ministro José Sócrates que corroem o funcionamento da democracia", refere Moedas, citando declarações de Fernando Medina na passada semana. "A suspeita em volta da atuação política na Câmara de Lisboa também corrói e, a confirmar-se, revela uma forma de governar a cidade que considero absolutamente inaceitável", refere o social-democrata. Mas algum dano já está feito: "Enquanto o processo de investigação evolui, há uma sombra que paira sobre a prática de atos quotidianos da maior relevância". Moedas diz que centenas de funcionários municipais "ficarão fortemente desmotivados" e os "munícipes, particulares ou empresas, serão vítimas do ambiente de suspeição e receio que se instalará".
"A Câmara de Lisboa não pode passar esta imagem, sob pena de perder toda a credibilidade", atira Moedas, prometendo combater "com a maior veemência a cultura de irresponsabilidade política" que "corrói o funcionamento da nossa vida democrática" [outra vez a citação de Medina] e dá "amparo aos (muito poucos) que, à custa do interesse público, exercem o poder em benefício próprio ou dos seus próximos".
O PSD foi o único partido da vereação lisboeta a reagir às buscas feitas ontem nas instalações da câmara. Contactados pelo DN, CDS e PCP escusaram-se a tecer qualquer comentário. O DN contactou Manuel Salgado, que recusou comentários.
O BE, que inicialmente também se escusou a comentar as buscas, reagiu mais tarde, num tweet publicado pelo deputado municipal Ricardo Moreira. "Os projetos que estão em causa fazem parte de uma estratégia urbanística que o Bloco sempre recusou e combateu", escreve o eleito bloquista que, sobre o processo judicial, diz não ter informações que permitam qualquer comentário.
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