Responsável por algumas das maiores investigações de incêndios florestais da Califórnia, o especialista da CAL FIRE esteve em Portugal para participar na 1ª Conferência Internacional sobre Causas de Incêndios Florestais – WIC 25. Organizada na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, o evento reuniu na semana passada especialistas de 25 países para partilharem conhecimento sobre o que provoca, de facto, as ignições dos incêndios e como melhorar o processo de investigação das suas causas. Nesta entrevista ao DN, Shawn Zimmermaker explica porque certos fogos se tornam "imparáveis", como se identifica a origem de um incêndio e o que Portugal pode fazer já neste inverno para reduzir o risco no próximo verão. A Califórnia é conhecida por incêndios rápidos e intensos que costumam consumir grandes áreas. O que torna essa zona tão propícia e vulnerável a incêndios de grandes dimensões?A Califórnia reúne vários fatores que, em conjunto, criam condições ideais para incêndios rápidos e extremos. O principal é o clima: secura prolongada, anos de seca severa e morte massiva de árvores devido a pragas. A isto juntam-se os ventos Diablo e outros ventos quentes e secos provenientes do deserto, que, quando descem em direção ao litoral, aceleram violentamente a propagação das chamas. Quando temos esses grandes eventos de vento, há muito pouco que possa ser feito imediatamente em termos de combate a incêndios, precisamente por causa da rapidez com que as chamas são impulsionadas. Há ainda um fator humano: mais pessoas a viver em zonas de interface urbano-florestal. Isso aumenta o potencial de ignição e obriga as equipas de combate a priorizar vidas e propriedades, retirando recursos ao controlo direto do perímetro. Por isso, não é um único elemento: é a combinação de clima, combustível seco, ventos fortes e ocupação humana que torna tudo tão perigoso.No estudo dos grandes incêndios, seja em Portugal, EUA, Grécia, Espanha ou Austrália, há padrões comuns nas causas ou as realidades são diferentes dependendo das geografias?Observamos alguns padrões consistentes, embora as causas também tenham mudado ao longo do tempo. Há exemplos onde vimos grandes reduções, como os incêndios ligados aos caminhos-de-ferro ou à indústria madeireira — áreas que historicamente geravam muitos incêndios, mas que diminuíram drasticamente graças a novas regras e práticas.Depois, há causas que se mantêm muito presentes. Um exemplo são as queimadas: na Califórnia permitimos que os proprietários queimem detritos, e isso provoca muitos incêndios, sobretudo na primavera e no outono. Normalmente não originam grandes fogos, mas representam uma parte significativa das ignições.Alguns dos nossos incêndios mais graves têm sido causados por linhas elétricas. Muitas vezes estas falhas acontecem em dias de vento forte, quando detritos ou árvores atingem as linhas. Se aí começa um incêndio, o próprio vento trata de o fazer crescer rapidamente.E há também o fogo posto, que representa entre 10% e 15% das nossas ignições. No geral, as principais causas têm-se mantido bastante consistentes: equipamentos, veículos, linhas de energia e queimas de detritos. E essa realidade é diferente da Califórnia para Portugal ou para a Austrália? As equipas de investigação tendem a identificar os mesmos tipos de padrões em todo o mundo?Na verdade, só posso falar pelos Estados Unidos. De um modo geral, penso que a maioria das agências dos diversos estados nos EUA observa tendências semelhantes.Um investigador português, Abílio Pereira Pacheco, dizia numa entrevista que “é mais fácil ir à Lua do que desenvolver tecnologia para travar um fogo quando chega às copas das árvores”. Concorda? O que explica essa impossibilidade tecnológica?Sim, quando um incêndio está na copa e a propagar-se rapidamente, a intensidade é tão alta que não podemos colocar equipas ou veículos perto. É demasiado perigoso e não é possível atacá-lo diretamente. Os meios aéreos também são muito limitados, porque o vento que impulsiona o fogo pode desviar a água ou impedir as aeronaves de chegar ao alvo. Na minha experiência, a melhor forma de lidar com estes incêndios é esperar que desçam da copa para o solo. Para isso, precisamos de uma barreira ou zona de mitigação que permita ao fogo perder intensidade. Só aí conseguimos realmente combatê-lo. E às vezes isso significa trabalhar quilómetros à frente, abrindo linhas com maquinaria pesada para preparar o terreno..Quando um incêndio está na copa das árvores e a propagar-se rapidamente, a intensidade é tão alta que não podemos colocar equipas ou veículos perto. É demasiado perigoso e não é possível atacá-lo diretamente."Shawn Zimmermaker. "Arqueólogos" dos incêndiosDevemos aceitar, portanto, que em certas fases o fogo é simplesmente imparável?Sim, e acho que vemos isso. Há certos cenários em que simplesmente não se deve colocar pessoas no local, porque não há qualquer hipótese de parar o fogo e tudo o que se está a fazer é colocar as pessoas em perigo. “Sem saber a origem e a causa exata, não é possível prevenir bem”, afirma a geógrafa Fantina Tedim, coordenadora desta conferência WIC 25, no comunicado à imprensa. Ainda sabemos pouco sobre as causas reais das ignições? O que está a faltar na investigação?Concordo com essa afirmação. Para fazer uma mitigação ou preparação eficaz, creio que, antes de mais, é preciso saber onde os incêndios estão a começar. E em segundo lugar, é preciso saber como eles estão a começar. Por exemplo: se quisermos fazer a gestão do combustível numa paisagem, é preciso saber onde os incêndios ocorrem para que se possa construir uma faixa de gestão de combustível nesse local. E depois, é preciso saber o que se está a tentar proteger. Esses devem ser os seus dois pontos de partida para planear qualquer tipo de mitigação.Depois, as causas. Se não soubermos as causas, não saberemos como enviar uma mensagem de prevenção. Usemos o exemplo das queimadas. Se não soubermos que foi uma queimada a causar o incêndio, não sabemos que devemos direcionar essa mensagem aos proprietários de terras e aconselhá-los sobre esforços de mitigação para evitar que esses incêndios aconteçam.É claro que podemos realizar projetos ou gastar dinheiro, mas se não estivermos realmente a considerar os pontos de partida, a origem e causas dos fogos, estaremos apenas a adivinhar. E os recursos são limitados e o tempo é limitado para andarmos a brincar aos palpites.Há um tempo limitado e tenho a certeza de que todas as nossas nações têm uma quantidade limitada de dinheiro. Por isso, é preciso utilizá-los da melhor forma. Na sua experiência na CAL FIRE, a gerir investigações de grandes fogos, fala na importância dos Indicadores de Padrão de Fogo (FPIs) para identificar causas e origens. O que são esses FPIs e quão importantes são para a investigação?Isso daria provavelmente para uma conversa de uma semana, mas, em termos mais simples, um indicador de padrão de fogo (FPI) é, na verdade, apenas um objeto físico que exibe algum efeito do fogo, seja o impacto do calor, das chamas ou de algum subproduto da combustão. Um objeto que fica para trás e ajuda os investigadores. Basicamente, é uma pista que eles podem usar para regressar à área de origem ou à causa do incêndio.Pense nisso como os artefactos que um arqueólogo encontra. Ou um paleontólogo. Se encontrar um fragmento de osso de dinossauro, isso não lhe diz necessariamente o que é, mas à medida que junta vários fragmentos do osso e o observa numa camada de solo, pode saber de que era veio esse dinossauro, que tipo de dinossauro era, se era carnívoro ou herbívoro. É semelhante com os FPIs. Para decifrar um incêndio precisamos de ir juntando vários 'artefactos', pistas dadas por esses FPIs, para que assim possamos compreender o panorama geral. Assim que os temos, eles podem frequentemente levar-nos de volta a uma área de origem na qual devemos ser capazes de localizar a causa do incêndio.Então, isso faz de si uma espécie de arqueólogo dos incêndios?Sim, acho que essa é uma boa analogia..Um indicador de padrão de fogo (FPI) é, na verdade, apenas um objeto físico que exibe algum efeito do fogo.(...) Um objeto que fica para trás e ajuda os investigadores. Basicamente, é uma pista que eles podem usar para regressar à área de origem ou à causa do incêndio. Pense nisso como os artefactos que um arqueólogo encontra."Shawn Zimmermaker. Pode dar-nos exemplos desses indicadores de padrão de fogo e se há algum que seja particularmente mais relevante?Isso pode ser controverso entre investigadores, mas há dois indicadores de que gosto particularmente. O primeiro é o Ângulo de Carbonização. É o ângulo deixado num combustível vertical, como uma árvore ou um poste. Num fogo que avança, o ângulo tende a ser maior do que a inclinação do terreno: a marca começa em baixo e termina em cima, mostrando a direção da propagação. Num fogo de recuo ou de baixa intensidade, o ângulo fica mais paralelo ao solo.O segundo é a Queda de Caules. Em vegetação alta, um fogo que avança queima totalmente os caules, deixando tudo em péssimo estado. Já um fogo fraco ou a recuar queima apenas um lado, e o caule cai apontando para trás, na direção de onde o fogo veio.E um terceiro indicador que aprecio é a Forma Generalizada do fogo. Visto de um helicóptero ou avião, o padrão de propagação pode formar um V. O vértice desse V indica, muitas vezes, a área de origem. É o que chamamos um indicador macro.Portugal regista muitos incêndios com causa “desconhecida”. Que passos simples e realistas poderiam reduzir rapidamente esse número?Isso acontece também nos Estados Unidos e na Califórnia. O ideal seria ter investigadores dedicados exclusivamente a ir para o terreno, mas quando isso não é possível por questões orçamentais, é essencial treinar os primeiros intervenientes, os bombeiros, para fazerem uma investigação básica.O problema é que, quando as equipas já têm demasiadas tarefas, investigar torna-se apenas mais uma. E como escrever um bom relatório leva tempo, é fácil carregar no botão de ‘causa indeterminada’ e seguir para o próximo trabalho.Por isso, o mais importante é dar formação, e depois tempo e apoio para que essa investigação seja feita. Essa prioridade tem de vir de cima.E, claro, há momentos em que nem um investigador experiente consegue determinar a causa. Não deve haver pressão para arriscar uma conclusão definitiva. Queremos saber o que realmente aconteceu. Se não há provas suficientes, a classificação tem mesmo de ser ‘indeterminada’ e não arriscar palpites que possam estar errados.. Investigar todos os fogos como crimes A ideia de que a maioria dos fogos tem origem em mão criminosa é um mito ou não? O que dizem as investigações?Na minha experiência, o fogo posto contribui com uma percentagem bastante elevada: 10 a 15 por cento de todos os incêndios são o que determinamos por fogo posto. E depois há a negligência, ou seja, pessoas que são basicamente irresponsáveis e cometem atos estúpidos que causam um incêndio. Isso também pode ser um crime, mas não vou aprofundar isso. Concentremo-nos na intenção deliberada e maliciosa de provocar um incêndio. Acho que 10 a 15 por cento é um número alto.A suspeita de crime influencia a forma como fazem a investigação?A forma como tratamos os incêndios é igual: assumimos à partida que cada incêndio é um crime, porque é mais fácil partir dessa suposição e eliminar hipóteses a partir daí. Se assumirmos que o incêndio não foi um crime e depois se tornar um crime, pode ser mais difícil para nós sustentar a investigação num tribunal penal. Por isso, partimos para todos os incêndios assumindo que é um crime. E depois, à medida que encontramos provas, recuamos (ou não) dessa suposição. Mas isso é apenas por uma questão de proteção devido ao sistema legal onde investigamos os nossos incêndios. Agora, a população não deve presumir que todos os incêndios são um ato ilegal e criminoso..O fogo posto contribui com uma percentagem bastante elevada: 10 a 15 por cento de todos os incêndios são o que determinamos por fogo posto. E depois há a negligência, ou seja, pessoas que são basicamente irresponsáveis e cometem atos estúpidos que causam um incêndio.Shawn Zimmermaker. E algum desses indicadores de padrão de incêndio é particularmente relevante para identificar uma intenção criminosa?Não. Esses indicadores de padrão de incêndio são apenas formados pelo comportamento do fogo. Portanto, não importa realmente o que causou o incêndio.E qual foi a causa mais invulgar que já encontrou para iniciar um incêndio florestal?A mais insólita... olhe, não fui eu, mas um colega meu concluiu uma vez que a causa mais provável de um determinado incêndio foi uma ave de rapina ter agarrado uma cobra e voado sobre uma linha de alta tensão, e a cobra ter-se soltado ou caído sobre a linha, causando uma descarga elétrica que provocou o fogo quando a cobra caiu ao chão.Falemos de outra ideia comum sobre incêndios: É correto afirmar que cerca de 1% das ignições geram 90% da área ardida? E por que razão assim é?Sim, na Califórnia é assim também. Uma pequena percentagem de incêndios — não sei se 1% ou um pouco mais — gera a maior parte da área ardida. Penso que isso se deve, sobretudo, à rapidez da resposta inicial: usamos câmaras instaladas no topo dos veículos e IA para detetar incêndios e enviamos recursos imediatamente. Diria que o mais importante é deteção precoce e tempos de resposta rápidos. O problema surge em locais remotos, onde não temos recursos rápidos para lá chegar, ou terrenos de difíceis acessos, para onde não se consegue enviar recursos humanos ou fazer voar aeronaves. E depois, claro, os dias de vento forte, que são sempre um sinal de alerta para propagação rápida. Outra situação crítica é quando vários incêndios ocorrem ao mesmo tempo e os recursos ficam sobrecarregados. Por exemplo, numa tempestade de raios em 2011 ou 2012, um incêndio de 2.000 hectares começou quando só tínhamos uma carrinha e um camião disponíveis. Aí não havia como conter. Precisávamos de mais recursos. Mas até isso tem mudado, com a coordenação e comunicação entre os diferentes estados nos EUA, e entre países, como já fazemos com Canadá e Austrália, por exemplo.A influência da vegetação e das... linhas elétricasMas nos grandes incêndios, comuns em Portugal e Califórnia, conseguimos identificar o que pesa mais para que determinados fogos atinjam uma dimensão extraordinária: a causa da ignição, as condições meteorológicas extremas ou a forma como o combate decorre?Acho que é mais uma conjugação de fatores com o clima. Nos últimos anos, na Califórnia, tem havido um peso importante das linhas elétricas. E essas linhas, com ventos fortes, são mais suscetíveis de causar incêndios – seja porque alguma vegetação tomba sobre a linha ou a linha cai por ação do vento, etc -, que se propagam mais rapidamente nessas condições.Além disso, estes ventos ocorrem no final da nossa época de incêndios, quando a vegetação está mais seca. Portanto, é uma tempestade perfeita. E estava a ouvir algumas pessoas de Espanha nesta conferência e relatam o mesmo em relação às linhas de transmissão de energia, é uma preocupação bastante atual..Nos últimos anos, na Califórnia, tem havido um peso importante das linhas elétricas. E essas linhas, com ventos fortes, são mais suscetíveis de causar incêndios.Shawn Zimmermaker. E qual a melhor forma de tentar prevenir ou melhorar essa situação? Maior responsabilização das empresas?Estamos a trabalhar muito com as empresas de energia, e elas tornaram-se mais proativas, até porque podem ser responsabilizadas financeiramente por grande parte disso. Por isso, estão a fazer muito mais limpeza de vegetação em redor das linhas e áreas de afastamento. Uma abordagem mais drástica é simplesmente desligar a eletricidade, o que é problemático. Principalmente para locais que precisam de suporte vital ou de energia contínua, isto pode ser um problema. Ou mesmo para proprietários de casas... ninguém quer ficar sem energia.Mas por vezes é melhor lidar com um problema temporário em vez de um problema de que se pode arrastar por dias e semanas, como os grandes incêndios. É algo que talvez tenha de começar a fazer-se com mais frequência: interrupções preventivas de energia quando as condições meteorológicas indicam que pode haver grandes problemas, como incêndios florestais graves.Muitas estão também a começar a enterrar grande parte das suas linhas de energia, mas é um processo longo e dispendioso. Ou a compartimentar as suas redes. Assim, podem ser muito mais seletivas nas interrupções de energia com base na previsão meteorológica e afetar um número menor e mais localizado de pessoas. E à medida que as pessoas migram para a energia solar, isso também se torna mais fácil. Portanto há uma transição, só que vai demorar algum tempo.Outro debate sempre aceso sobre incêndios: o tipo de vegetação altera de forma decisiva o comportamento do fogo e o risco de megaincêndios? Em Portugal culpa-se muito os eucaliptos, por exemplo.Sim, a vegetação vai desempenhar um papel enorme. E a Califórnia é muito diversa na sua vegetação. Temos as grandes sequoias húmidas num canto, e depois temos desertos do outro lado do estado. Isso muda muito a estratégia e as táticas de prevenção e combate, dependendo de que zona do estado estamos a falar. E também a saúde da floresta tem importância. Algumas das nossas florestas precisam de melhoria em termos de saúde. E isso exige o trabalho dos cidadãos, das empresas madeireiras, dos proprietários dessas terras. Mas sim, o tipo de vegetação, a composição do combustível, é um fator importante também. O fogo gosta bastante do eucalipto. Tal como em Portugal, o eucalipto não é nativo da Califórnia, mas, há décadas, plantámos bastantes para uso comercial. Agora, a indústria madeireira tem vindo lentamente a removê-los e a regressar às nossas espécies mais nativas. Mas, na verdade, o eucalipto em si não é o problema. O problema é termos florestas muito sufocadas e superlotadas, com excesso de biomassa/combustível. Os eucaliptos só acabam por acelerar, eventualmente, o problema.Precisamos, sobretudo, de reduzir o risco de incêndio. Precisamos de trazer de volta uma gestão eficaz de combustíveis para tentar restabelecer a saúde da floresta. Mas isso também leva tempo..O fogo gosta bastante do eucalipto. (...) Mas, na verdade, o eucalipto em si não é o problema. O problema é termos florestas muito sufocadas e superlotadas, com excesso de biomassa/combustível.Shawn Zimmermaker. Prevenção: prioridade à gestão de biomassa combustível nas zonas de maior riscoFalar em gestão e prevenção não é apenas limpar terrenos à volta das casas, certo? Que estratégias de prevenção realmente funcionam para reduzir ignições e área ardida?Penso que essa gestão dos combustíveis/biomassa é absolutamente crítica. Se souber, por exemplo, que costumam ocorrer vários incêndios ao longo de uma determinada autoestrada, independentemente da causa, sei que se limpar essa secção de vegetação próxima da autoestrada ou, pelo menos, criar uma zona de corte para que o fogo não se propague rapidamente, provavelmente reduzirei bastante o número e o impacto dos incêndios. Portanto, direcionar a gestão de combustíveis para áreas onde se veem muitos focos de incêndio seria o primeiro passo.E um segundo passo, também muito importante, é a comunicação. Se sabemos que atear fogueiras em locais de risco de incêndio pode ser um grande problema, precisamos de fornecer mais informações, precisamos de colocar placas, precisamos que os guardas florestais façam patrulhas e falem com as pessoas, não necessariamente para aplicar multas, mas de forma preventiva, falando sobre os riscos e os perigos das suas atitudes em zona florestal. É necessária uma comunicação proativa para alertar os cidadãos para os problemas existentes. E depois, repito, precisamos de trabalhar com a nossa vegetação para tentar melhorar a sua saúde e resiliência.A propósito da comunicação e interação com a população neste domínio, concorda com a medida que alguns locais estão já a implementar, de proibir o acesso a determinadas zonas em dias que se preveem particularmente perigosos em termos climatéricos? Sim, acho que essa tem sido uma medida muito eficaz. Isso acontece na Califórnia. Temos alguns grandes proprietários com muitas áreas florestais que normalmente abrem estas áreas ao público para atividades como a caça, por exemplo. E quando o risco de incêndio aumenta, fecham toda a propriedade ao público para que ninguém possa entrar. Tal como se faz com as queimas controladas – há dias em que simplesmente são proibidas pelo risco acrescido.. Mais um tópico de debate aceso em Portugal nos últimos tempos: os meios aéreos são ou não determinantes no combate aos incêndios? Sim, os recursos aéreos podem ser muito eficazes. Depende de como são usados. Por vezes, são usados em dias de vento, o que na verdade não proporciona muitos resultados. Nessas condições não são tão eficazes. Mas a principal utilidade dos recursos aéreos é servirem como uma tática de retardação do fogo. Não vão apagá-lo. É preciso ter recursos terrestres lá para suprimir o incêndio. É preciso estarem a trabalhar lado a lado. Um lançamento aéreo de água pode abrandar um incêndio, mas se não chegarem recursos terrestres, eventualmente esse fogo vai rastejar até simplesmente começar a propagar-se novamente. Na Califórnia, fizemos a atualização de alguns dos nossos helicópteros para terem capacidade de voo noturno, o que lhes permite combater o fogo quando a intensidade do incêndio é mais baixa. E isso, até agora, tem mostrado algum sucesso inicial.Quais são os principais desafios emergentes para os próximos anos?Em primeiro lugar, o apoio das agências e garantir que temos a formação e o número de pessoas necessárias, porque precisamos de pessoal para ir para o terreno e realizar boas investigações. E como os incêndios estão a ser cada vez mais utilizados em casos criminais e civis e em processos judiciais, precisamos de mais investigação ou apoio científico para ajudar a melhorar o processo de investigação. Além disso, precisamos de muita colaboração. Acho que posso aprender com o que alguém está a fazer na Austrália. Ele provavelmente pode aprender um pouco comigo. Há países que estão a começar agora com unidades de investigação de incêndios e partilhar esse conhecimento para que se adaptem mais rapidamente é essencial..Na Califórnia, fizemos a atualização de alguns dos nossos helicópteros para terem capacidade de voo noturno, o que lhes permite combater o fogo quando a intensidade do incêndio é mais baixa"Shawn Zimmermaker. E as mudanças climáticas alteram ou colocam um desafio significativo na forma como fazem as investigações? A única coisa que realmente faz é aumentar a quantidade de investigações que temos de fazer. Aumentar a nossa carga de trabalho e, potencialmente, a gravidade dos fogos a investigar. Quanto mais destrutivos para os bens (casas, carros, etc) e letais para as pessoas, mais os incêndios se tornam casos de justiça e mais importante se torna investigar bem a sua origem e as suas causas, porque estão em jogo milhares ou milhões de dólares (ou euros) e, muitas vezes, a possibilidade de as pessoas ou famílias afetadas poderem recuperar alguma coisa.Estamos no inverno, o período de planeamento. O que é que países como Portugal deviam estar a executar agora – ações que são diretamente informadas pela investigação de causas dos incêndios passados – para garantir um verão mais seguro?Acho que essencialmente duas coisas: identificar as zonas de maior risco para a próxima época de incêndios e fazer a tal gestão de combustíveis nessas zonas; e também aproveitar para dar a melhor formação e treino possível aos operacionais envolvidos, seja no combate ou na investigação..Fogos de 2024 e 2025 revelaram “falhas de coordenação”