"Isto é coisa para demorar muito tempo?”. A pergunta, colocada a um dos advogados do caso Marquês por um dos alunos da Academia de Verão da Universidade Católica que assistiram à terceira audiência, podia ser utilizada para descrever a incógnita quanto à duração do julgamento. A resposta? “Ninguém sabe” verdadeiramente quando haverá uma sentença neste megaprocesso, que se arrasta há mais de uma década.Ao fim de cinco sessões de julgamento (quatro com José Sócrates a falar, ora sem contraditório, ora a ser questionado pelo Ministério Público e pelos advogados), o antigo primeiro-ministro parece ter tomado conta do curso dos trabalhos. Primeiro, pela forma como os temas serão abordados ao longo das sessões. Afinal, foi o próprio a pedir, “se o tribunal assim entendesse”, que as intervenções fossem divididas por temas. Depois, Sócrates tentou por várias vezes utilizar “epítetos” para classificar a acusação, não obstante as recomendações da juíza Susana Seca, que preside ao coletivo composto ainda por Rita Seabra e Alexandra Pereira. Além disso, nas últimas duas sessões (que abordaram o Grupo Lena, a Parque Escolar, o TGV e Venezuela), tem-se manifestado “cansado”. Pediu então que se fizessem intervalos, que as audiências acabassem mais cedo ou que se pudesse sair mais cedo para almoço..Em dia de mais uma derrota, Sócrates explicou o TGV, Lena e Venezuela.Tudo somado: ao fim de cinco sessões, José Sócrates abordou duas grandes áreas da acusação (a PT e os negócios à volta do Grupo Lena) e respondeu apenas uma vez aos argumentos do Ministério Público, num julgamento que tem decorrido a conta-gotas.Nas sessões de julgamento, o principal arguido da Operação Marquês tem também deixado ataques à acusação - algo que, aliás, tem sido transversal a todo este processo. Os “epítetos” que tem utilizado para descrever a tese do Ministério Público sobre os crimes que imputam ao antigo governante têm-lhe valido várias repreensões por parte da juíza-presidente. A primeira chegou logo na primeira sessão, quando José Sócrates foi interrompido por Susana Seca a propósito do tema da separação de redes entre cobre e cabo feita pelo seu executivo, com o também antigo líder socialista a questionar, carregado de ironia, se “só agora” a magistrada tinha percebido a intenção do Governo com esse processo. Na resposta, Susana Seca não deixou passar incólume a postura de Sócrates: “Não sei se o senhor fez um curso de gestão comportamental, mas não se diz que alguém não percebeu, sim que se calhar foi o senhor que não se expressou bem. Aqui estamos todos ao mesmo nível cognitivo e fica já advertido quanto a comentários com esse teor e ironias dirigidas quer ao tribunal, quer ao Ministério Público.”Com o aviso dado logo no arranque, Sócrates acabou por ir serenando ao longo das sessões que se seguiram, poupando a acusação... e também os microfones da sala de audiências, que nem sempre aguentaram o volume das intervenções do antigo primeiro-ministro. Numa das sessões, o botão tátil de subir e descer o som dos microfones (operado pela oficial de justiça na sala) acabou mesmo por encravar durante alguns instantes.Apesar dos alertas deixados pela juíza o arguido tem, de quando em quando, adjetivado a acusação como sendo “falsa”, “um absurdo”, uma “completa mentira”. Perante isto, várias vezes a juíza o alertou para o uso da linguagem e, em alturas mais acesas, colocou o dedo em riste chamando a atenção: “Senhor José Sócrates! O senhor não vai continuar nesse tom.”Se, com maior ou menor dificuldade, Sócrates acabou por ir acatando as recomendações da juíza quanto ao vocabulário, o mesmo não se pode dizer sobre as (várias) tentativas de ler passagens da decisão instrutória. Em diferentes alturas das sessões, foi citando a decisão do juiz Ivo Rosa, apesar de lhe ser pedido para não o fazer e para “utilizar os seus próprios argumentos”. Não obstante, o antigo governante foi-se socorrendo das palavras de Ivo Rosa para provar a sua tese ou, até, de depoimentos de testemunhas de outras fases do processo.Pelo meio, Sócrates teve ainda duas derrotas no Supremo Tribunal de Justiça, que considerou improcedentes os dois incidentes que a defesa do arguido interpôs, para tentar afastar a juíza Susana Seca e recusar também o procurador-geral da República, Amadeu Guerra, personalizado nos procuradores deste julgamento.“É só isto que têm para apresentar?”Durante todo o julgamento, o Ministério Público só teve ainda uma hipótese de questionar o antigo primeiro-ministro. No caso, acerca da OPA da Sonae sobre a PT e os negócios da Vivo e da Oi. De resto, nem mais uma questão sobre a teia da Operação Marquês foi colocada a Sócrates.Até agora, os procuradores Rui Real e Rómulo Mateus (que questionaram Sócrates em alturas diferentes do julgamento), ainda não confrontaram o antigo primeiro-ministro com quaisquer indícios de um dos 22 crimes que a acusação lhe imputa. Nesta fase, e sem ser claro quando o farão, a tática dos procuradores parece ser a de cercar Sócrates com várias perguntas genéricas - entre as quais as suas relações com outros arguidos do processo, como Henrique Granadeiro (antigo chairman da PT), Carlos Santos Silva (alegado testa-de-ferro de Sócrates) ou Ricardo Salgado (antigo presidente do Banco Espírito Santo) - na expectativa, pensa-se, de encontrar alguma contradição entre o que já disse e o que poderá dizer daqui para a frente. Mas tudo isto é incerto por agora.Com isto, o antigo primeiro-ministro ganhou força, e mais argumentos para atacar a acusação. Na última sessão, José Sócrates chegou mesmo a deixar uma bicada a Rómulo Mateus. Após perder a paciência com as perguntas sobre as relações interpessoais, o arguido contestou a postura do Ministério Público: “Estou aqui há horas a falar sobre [o grupo Lena], o TGV, a Parque Escolar e a Venezuela. E é isto que o Ministério Público apresenta? É só isto que têm para apresentar? Pelas vossas caras, parece que o Governo vai cair, mas é de sono.”Com isto, Sócrates não tem sido confrontado, ainda, com suspeitas de nenhum dos 22 crimes de que é acusado.O que fica para setembro?Com o julgamento em pausa durante as férias judiciais, há uma série de temas ainda a serem abordados por José Sócrates. Desde logo, os negócios e o alegado favorecimento ao Grupo Lena na Parque Escolar e no TGV, que José Sócrates contrapôs, mas que o Ministério Público não abordou.Rómulo Mateus ainda tentou, mas a juíza ‘chutou’ o aprofundar desse tema para setembro, tal como o chamado “caminho do dinheiro”, que já foi mencionado tanto pelo próprio Sócrates como pela acusação.Na última sessão o lado mais “arrogante” (palavras de Sócrates) veio ao de cima quando o assunto foi abordado pelo próprio, que acusou o Ministério Público de ser “voyeurista” e disse estar “à vontade” e que teria “muito gosto” em abordar “perguntas sobre” o seu próprio dinheiro.Resta saber se o Ministério Público seguirá agora esse caminho, como prometido pelo procurador Rui Real, que anunciou que a acusação terá interesse nesse ponto específico.Além disso, estão ainda por abordar os temas relacionados com Vale do Lobo, a casa de Paris e todos os outros tópicos da acusação, que valem a José Sócrates a imputação de crimes como corrupção ou branqueamento de capitais.Depois de Sócrates acabar o seu depoimento e de esclarecer as dúvidas dos procuradores, o julgamento irá então entrar na fase de ouvir todos os outros arguidos da Operação Marquês, como Zeinal Bava ou Henrique Granadeiro.Certo é que, este megaprocesso que se arrasta há mais de uma década, já tem sessões de julgamento agendadas até ao final do ano. O número de testemunhas é vasto - à volta de 650, entre as quais nomes como António Costa, ex-primeiro-ministro - e a acusação também.Apesar de um desfecho não estar no horizonte, a equipa de magistrados do Ministério Público e o coletivo de juízes estão em regime de exclusividade com este caso, permitindo que trabalhem apenas e só neste processo..Ao terceiro dia, Sócrates falou na PT, num Granadeiro "de coração partido" e numa acusação que é "falsidade"."História da carochinha", TGV e "a fortuna" que a mãe herdou: o quinto dia de José Sócrates em tribunal