O título do livro (Como Perder Amigos Rapidamente - e Aborrecê-los com Factos e Ciência) é mais uma provocação do que, propriamente, uma realidade. Segundo o autor, David Marçal, é, isso sim, “uma tentativa de contribuir para o debate” sobre ciência..Atualmente, diz, “há uma espécie de guião sobre o que é correto, o que é bonito pensar”, algo exacerbado, sobretudo, “através das redes sociais”. E a obra agora publicada tenta, no fundo, fazer “alguma análise racional, com dados estatísticos, fundamentação e literatura científica” em discussões como: “o sexo biológico é mesmo binário”, “o nosso livre-arbítrio é menor do que gostamos de pensar” ou, ainda, sobre como o “ativismo antinuclear custou muitas vidas”..A recolha destes casos (que estão agrupados em quatro grandes áreas) aconteceu naturalmente, explica o comunicador de ciência. “São casos com que me identifico e que, no fundo, traduzem uma visão errada do mundo de muitas pessoas. São estes, mas podiam ser outros, claramente. Portanto, a escolha foi pessoal, de alguns interesses meus”..Identificando-se como “defensor da ciência”, David Marçal explica que se sente “incomodado” quando, muitas vezes, a vê desvalorizada “em nome da tolerância”. “Devemos ser tolerantes e respeitar todas as pessoas e todas as suas opções. E para isso não precisamos de falsificar ou desvalorizar a ciência. Acho que se devem reconhecer os factos biológicos. Ou seja, não é preciso deitar a ciência e a biologia para o caixote do lixo para se ser tolerante.”.A chamada “pseudociência” é, para o autor, “um dos perigos” da sociedade atual. “No livro, abordo a questão das terapias alternativas e dos remédios homeopáticos, que são um perigo para a saúde”. Este problema é, porém, “mais extenso”, podendo colocar “em causa a sustentabilidade das sociedades”. “Quando vemos serem eleitos líderes como Donald Trump, que desvalorizam a ciência, isso coloca em causa o nosso bem-estar e a sustentabilidade da nossa sociedade”. O foco deve, por isso, ser outro, defende David Marçal: “Os líderes políticos não devem desvalorizar a ciência para serem simpáticos. A ciência ajuda-nos, a todos, a viver mais e melhor.” E basta “olhar para os últimos 150 anos” para que esta perspetiva seja comprovada, diz. “A industrialização fez-se com base no conhecimento científico. Primeiro, com a máquina a vapor, depois com a energia elétrica. Mais tarde, com a automatização e com a computação e, agora, com a inteligência artificial”, defende o autor..Precariedade da ciência em Portugal ainda é problema.Em termos científicos, Portugal percorreu um “enorme caminho nos últimos 30 anos, muito graças ao trabalho do ministro Mariano Gago”. Mas, para David Marçal, isso ainda não é suficiente..O país, sublinha, “ainda está muito para trás”. Há que “investir na ciência”. Como? Financiando “o conhecimento pelo conhecimento. É aí que está o potencial de grande inovação no futuro. Se só se pensasse na investigação aplicada, haveria todo o tipo de velas fantásticas, mas não existiria luz elétrica.” Ou seja: não devem existir áreas prioritárias, mas sim uma aposta “em todas as áreas”. Para que tal aconteça, no entanto, é preciso “um investimento público grande”..E há um outro problema que David Marçal refere ser necessário resolver: a precariedade dos investigadores. A carreira científica em Portugal tem de ser “estável”, uma vez que há “muitos investigadores e gestores de ciência” que passam “anos ou décadas” num estado de “precariedade absoluta. “Precisamos de dar condições às pessoas para fazer investigação científica em Portugal. Sem esta massa crítica de pessoas capazes de criar este conhecimento e ter estas qualificações, não conseguimos, supostamente, ter aplicações e desenvolvimento”, remata.