Aquele momento em que Cristina Vaz Tomé acusou a comunicação social de “estar com anemia”, quando pretendia dizer amnésia, ao alegar que o INEM enfrentou problemas semelhantes noutros anos, foi o género de gaffe que até alguns críticos da secretária de Estado da Gestão da Saúde preferiram relativizar. Mas nem por isso deixou de haver quem visse no episódio uma demonstração de alheamento da área que tutela..Aquando do anúncio das escolhas de Luís Montenegro para o primeiro Governo de centro-direita desde 2015, foi notado que a gestora de 56 anos tinha falta de experiência no setor da Saúde. O mais próximo disso no currículo era a vice-presidência do Instituto de Investigação Científica Tropical, de onde passou para as administrações da RTP e Impresa, com o pelouro financeiro. Mais recentemente, era consultora da Alpac Capital, empresa financiada pelo regime húngaro de Viktor Orbán, no âmbito da compra da Euronews..Sendo uma de entre oito coordenadores temáticos do Conselho Estratégico Nacional (CEN) do PSD que transitaram para o Governo, Cristina Vaz Tomé era responsável pela área da Economia e Empresas — com a Saúde entregue ao médico e dirigente social-democrata Nuno Freitas..Mas não foi caso único de desencontro nas pastas, pois a ministra da Justiça, Rita Alarcão Júdice, coordenava a Habitação; a secretária de Estado dos Assuntos Europeus, Inês Domingos, tinha a seu cargo o Empreendedorismo, Inovação e Digitalização; e o secretário de Estado do Tesouro, João Silva Lopes, detinha as áreas do Ambiente e Sustentabilidade..A ténue ligação de Cristina Vaz Tomé à Saúde no órgão consultivo do PSD — descrito como um espaço de “preparação de ideias e propostas políticas para o futuro do país, sendo um espaço de reflexão e um laboratório de medidas programáticas” — cingiu-se à participação em reuniões intersetoriais que juntaram responsáveis pelas áreas sociais e económicas. E centrou-se na discussão de um novo modelo de PPP, que no caso seriam Parcerias Público-Públicas, traduzidas em fundações públicas de direito privado. O Hospital de Todos os Santos, em Lisboa, foi apontado como uma oportunidade de aplicação..Tida como “uma sugestão das Finanças”, tanto no seu perfil como na existência de uma Secretaria de Estado dentro do Ministério da Saúde decorrente da lógica de travar um recorrente descontrolo orçamental e mau aproveitamento de recursos, o primeiro obstáculo que Cristina Vaz Tomé enfrentou teve a ver com desconhecimento. Recíproco, pois tal como lhe são apontados “comportamentos de uma certa sobranceria” quando se debate com as despesas de organismos sob a sua tutela, um ex-governante ouvido pelo DN arrisca a estimativa de que, “se ligar para dez pessoas do setor da Saúde, nove e meia não a conhecem”..Tal handicap é realçado por Mário Amorim Lopes, deputado da Iniciativa Liberal na Comissão Parlamentar de Saúde, na qual já fez perguntas à secretária de Estado. “A área da Saúde tem muitas idiossincrasias que requerem conhecimentos adicionais”, realça, acrescentando: “É bom ter alguém de fora, com visão nova, mas também é bom que tenha conhecimento do terreno.”.Reconhecendo que ser uma outsider acarreta desvantagens naquele que é, “de longe, o setor com mais corporações”, ainda assim Amorim Lopes nega que tal “seja, só por si, razão de descrédito”..Realmente importante na avaliação política da governante seria “perceber que papel teve, ou não teve, na greve do INEM”, associada a 11 mortes. Mas o deputado contrapõe que, a não ter tido nenhum papel, isso representaria “incúria”, sendo “sintomática” a retirada da tutela do instituto, que passou para a ministra da Saúde, Ana Paula Martins. “Não seria preciso, se o trabalho estivesse a correr bem”, diz..No início da semana, o líder da Iniciativa Liberal, Rui Rocha, sublinhou que Cristina Vaz Tomé “foi desautorizada pela ministra” ao perder essa tutela. “Não percebemos o que é que ainda está a fazer o presidente do INEM em funções e o que está a fazer a secretária de Estado da Gestão da Saúde”, disse..Aquando da referência à “anemia” da comunicação social, por entre a sucessão de mortes alegadamente causadas por demoras no atendimento, o deputado André Pinotes Batista, presidente da Federação de Setúbal do PS, escreveu que “uma pessoa nem sabe se deve começar por criticar a incompetência, a ignorância ou a falta de humanismo”. E mesmo alguns sociais-democratas admitem, ainda em surdina, que se arrisca a ser a primeira “baixa” no Governo de Luís Montenegro..Com imagem de “pessoa fria nas relações”, tanto com os elementos das equipas por si dirigidas, como com entidades externas, não raras vezes é acusada de “arrogância” na sua “vontade de cortar a direito”..No início do mandato, numa reunião com responsáveis por Unidades Locais de Saúde, terá acusado os seus interlocutores de incapacidade de liderança, incitando-os a negociar preços com as farmacêuticas para reduzir custos. E houve quem recordasse a governante de que existe uma central de compras no Ministério da Saúde, bem como concursos públicos. Mas o “grande mal-estar entre os altos dirigentes” nunca mais sarou..Dos resultados da auditoria ao que sucedeu no INEM deverá depender a manutenção da atual secretária de Estado, casada com Paulo Vaz Tomé. O responsável pela Comunicação do Novo Banco foi um dos colaboradores mais próximos do seu ex-presidente, António Ramalho, marido da ministra do Trabalho, Maria do Rosário Palma Ramalho, e pai da reconduzida vice-presidente do PSD Inês Palma Ramalho.