Criar roupa de tecidos coloridos com plantas e cogumelos
Tem o nome de Picasso e o objetivo é criar uma nova palete de cores, em que se diferencia da existente por procurar corantes naturais, extraídos de plantas e cogumelos, deixando de fora os sintéticos. É a indústria têxtil portuguesa em busca da inovação e da ecossustentabilidade, através de um consórcio em que a principal promotora é a tinturaria Tintex, uma empresa de Vila Nova de Cerveira.
No projeto, a concluir em setembro de 2019, estão envolvidos técnicos e especialistas de áreas diversas, desde têxtil, química, bioquímica, biologia, microbiologia a engenharia florestal, reunidos num único projeto, em que além da Tintex participam a Ervital (plantas), a Bioinvitro (cogumelos), o Citeve (Centro Tecnológico Têxtil e Vestuário) e o Centi ( Centro de Nanotecnologia e Materiais Técnicos, Funcionais e Inteligentes). O objetivo "é obter cores através de processos não convencionais em vez de utilizar os corantes sintéticos, é usar as cores da natureza e arranjar uma forma de as incorporar no processo têxtil", explica José Morgado, diretor do Citeve.
A linha de investigação do Picasso sucede ao projeto Colorau, também da Tintex, em que já foram desenvolvidos tingimentos com extratos naturais, e tem garantido um investimento 816 mil euros, sendo 591 mil euros de financiamento do Feder, através do Compete 2020.
Para conseguir extrair cor natural, duas empresas foram associadas, a Ervital, especializada em plantas convencionais e medicinais (produz mais na área alimentar e medicinal), e a Bioinvitro, que trabalha com os cogumelos, muito para a área da alimentação. Com o Centi e o Citeve, todo o projeto gira em volta de "desenvolver formas de pegar nestas cores naturais e as colocar no processo têxtil".
Além da cor, importante para uma tinturaria, existem outras características das plantas e dos cogumelos que o Picasso também quer aprofundar, como perceber de que forma é que pode passar para o têxtil o aroma das plantas, ou como beneficiar dos princípios ativos que permitem a repelência aos mosquitos ou que têm propriedades antibacterianas e antioxidantes.
No seguimento do Colorau, em que já se conseguiu fazer produtos com cores de extratos naturais, "agora a investigação é para transformar isto num negócio, chegar ao mercado com vendas de produtos com cores naturais, diz Mário Jorge Silva, administrador da Tintex, apontando que "60% da coleção já é sustentável" e o objetivo é aumentar.
Ricardo Silva é responsável pela inovação na Tintex e recorda que no anterior Colorau já se "desenvolveram algumas cores, mas só a nível dos amarelos e dos verdes. Este Picasso visa abrir a palete de cores, alcançar mais diversidade. E já temos bons resultados, com uns vermelhos, acinzentados".
No encontro mensal que os membros do consórcio realizam em Famalicão, na sede do Citeve, Ricardo Silva realça que a Tintex está "muito focada na sustentabilidade com inovação, associada ao design e à performance" dos produtos. Por isso, este projeto está "completamente em sintonia com o nosso posicionamento. Queremos no próximo ano estar a lançar ativamente esta marca Colorau com a nova abordagem do Picasso, com produtos diferentes do que se conseguiu ter até agora", revela Ricardo Silva. A forte aposta é vincada pelo administrador Mário Jorge Silva, para quem os "parceiros são essenciais" na procura de sustentabilidade, já que também é possível "utilizar os desperdícios e os resíduos vegetais". A equipa interdisciplinar é vista como essencial para "explorar mais coisas novas".
Ricardo Silva acrescenta que o "mercado nos últimos dois, três anos está focado na sustentabilidade. Cada vez mais queremos saber de onde vêm as nossas roupas, como estão a ser feitas e se estão a ser boas para as pessoas. Isto em todas as áreas. Se na cor, aquilo que é o que vemos mais, o mercado até pode pedir mas temos de ser nós a lançar proativamente. Se não existe, o mercado não tem conhecimento. Temos de fazer essa procura e entrega ativa". É o que visa o Picasso.
Não que as cores sintéticas vão desaparecer. "Os químicos serão sempre usados. Estes naturais são um nicho de mercado com muito valor acrescentado. Será uma coisa radicalmente diferente", adianta Mário Jorge Silva, frisando que o produto é que será novo. "Tingir com plantas já se faz há muitos séculos. Não tinha é resistência às lavagens ou levavam carradas de químicos muito tóxicos para as fixar, ainda mais do que o tingimento sintético usa."
Os componentes são decisivos para o processo. Daí a importância da Ervital e Bioinvitro. Tiago Faifa, da Ervital, diz que o trabalho da empresa foi recolher mais de cem referências de infusões e condimentos e "enviar para o Centii e Citeve onde são testadas as cores. Há casos em que vimos um roxo que parecia ser muito interessante mas que depois se verificou que a cor não passava bem para o tecido. Fazemos a triagem das cores, e, depois de identificadas, fornecemos informação técnica das plantas para que a extração seja possível".
Sandra Ferrador, engenheira florestal e sócia da Bioinvitro, tem uma função muito semelhante. "Pegamos nos desperdícios de cogumelos e procuramos usá-los para obter cores diferentes. Não é um processo novo, é tentar aprofundar. Temos vários projetos de investigação em diferentes áreas mas é a primeira vez com a indústria têxtil", adianta Sandra Ferrador, para quem "há um potencial enorme relacionado com os cogumelos, apesar de em Portugal haver "uma ideia errada sobre o cogumelo, que mata. Na verdade tem vantagens para a saúde, com as suas características antibacterianas, antifúngicas, antidiabéticas". No Picasso, o desafio é "pensar de que forma vamos extrair os condimentos que dão a cor".
Citeve e Centi no apoio à investigação
São os dois centros tecnológicos e de investigação que ligam o projeto. O Citeve e o Centi são organizações que nasceram lado a lado em Famalicão, o primeiro em 1989 e o segundo, como uma necessidade do primeiro, em 2006. "O Citeve tem sempre como missão apoiar as empresas. Os produtos são desenvolvidos pelas empresas e o papel do Citeve é pensar qual é a linha e a estratégia de investigação para chegar a esse produto, quais serão os melhores parceiros, de empresas a universidades, para colaborar", descreve José Morgado. "Neste caso, a Tintex é o início e fomos descobrir quem podia fornecer as plantas, os cogumelos." O Centi trabalha os materiais, parte de "colocar a cor numa amostra à escala laboratorial" e conseguir "transformar o desenvolvimento laboratorial em processo industrial", diz a investigadora Joana Sousa. Neste Picasso, há uma equipa de quatro pessoas. O Centi nasceu criado pelo Citeve e pelas universidades do Minho, Aveiro e Porto, para colmatar a lacuna nacional que obrigava, sempre que fosse preciso trabalhar os materiais, a recorrer a parceiros estrangeiros.
Marcas suecas são clientes
A Tintex é uma empresa de tinturaria que tem conquistado distinções a nível internacional (ver entrevista), seja em revestimentos de malha ou no algodão. Os seus principais clientes são hoje do mercado nórdico. "São 60% das nossas exportações", realça Mário Jorge Silva, apontando as marcas suecas como principais parceiros, casos da Tiger of Sweden, COS ou Filippa K. "O nosso fator de distinção é ter sempre malhas limpas e confortáveis", diz o administrador da empresa cuja exportação, direta e indireta, é mais de 80% da produção. Com 122 funcionários - "nos últimos quatro anos admitimos 50 pessoas, muitos deles licenciados" -, a Tintex aposta na modernização em toda a linha. A aposta no valor acrescentado "é o que se tem notado nas empresas portuguesas", diz o gestor, frisando que os setores tradicionais são decisivos em Portugal. "Nos últimos anos, o têxtil subiu 30% nas exportações. Estamos a atrair pessoas que vêm de outros ramos, automóvel ou alimentar, porque o têxtil tem um pendor apelativo em termos de funcionalidades, investigação e de resultados."