Consumidores denunciam: marcas encolhem embalagens e cobram mais

Com a população mais atenta às práticas comerciais, as queixas têm aumentado. DECO lança roteiro com 18 reivindicações para sobreviver à crise.

Os consumidores têm cada vez mais dificuldade em pagar as contas e parecem estar mais atentos às compras. Reparam que os produtos estão mais caros, mas também que há embalagens cujo tamanho se reduziu - com o preço a manter-se ou até a aumentar. E há casos em que o valor designado não é o registado na caixa. Este tipo de denúncia aumentou nos últimos meses junto da DECO e a ASAE avalia estas situações.

Hoje, Dia Mundial do Consumidor, a associação da defesa do consumidor lança um roteiro de 18 soluções para sobreviver à crise.

Reduzir o peso e manter ou aumentar o preço é uma forma de inflacionar os produtos duas vezes (reduflação), diz a DECO, confirmando que uma das primeiras denúncias chegou ainda no ano passado. A embalagem de creme vegetal Becel de 500 gramas passou para 450 e depois para 400 gr; enquanto isso, o preço subiu de cerca de 3,5 euros para 5 euros.

Aparência, forma e design mantêm-se, denunciou uma consumidora, acrescentando que as embalagens de 400 e 450 gramas são vendidas em simultâneo e ao mesmo valor. E questiona: "Qual é o preço por quilo deste produto?"

Fonte da Upfield, o fabricante daquela marca, justificou ao Polígrafo a redução no peso como forma de fazer face à subida dos custos de produção, nomeadamente dos ingredientes. A marca quis "continuar a fornecer aos consumidores produtos acessíveis e de qualidade", frisa. E argumenta que se mantiveram as duas embalagens, mais uma vez, "para minimizar o aumento de preços evitando novas despesas com embalagens".

Na prática, não é isso que acontece, diz Graça Cabral, da DECO. "O consumidor está a pagar o mesmo ou até mais por menos produto. E como as embalagens são iguais, nem percebe que está a comprar menos quantidade. Não é ilegal, desde que a quantidade seja publicitada; mas é preciso estar muito atento para perceber a alteração".

O caso não é exclusivo das margarinas. Estende-se aos cereais, aos detergentes, etc., conforme exemplos das imagens acima, cedidas pela DECO.

No início do ano passado, a ASAE decidiu estudar a evolução de custos ao consumidor, comparando preços de venda do produtor com os praticados pelos comerciantes e recuando na cadeia de valor até à origem. Um processo "que exige cautela" e consistência, lembrou o presidente da ASAE, apontando para resultados algures no verão.

No âmbito das ações realizadas no segundo semestre de 2022, num total de 960 operadores económicos fiscalizados foram instaurados 51 processos-crime por especulação e 91 contraordenacionais. "Desconformidade entre o preço tabelado e o preço que passa em caixa" ou divergências entre o peso real e o identificado, conforme explicou Pedro Portugal Gaspar em entrevista ao Expresso. A ASAE encontrou ainda "sete ou oito produtos em que há margens na casa dos 45% a 50%", revelou o responsável, apontando a cebola, a laranja, a cenoura, as febras e os ovos. Lembrando que se trata de margens brutas - na margem líquida pesam outros fatores, incluindo custos dos distribuidores -, a ASAE está agora a analisar subidas, produto a produto. E o governo avisou que vai estar atento a situações de especulação.

Como proteger-se


A assinalar o Dia do Consumidor, a DECO apresenta um roteiro com 18 pontos para atenuar os efeitos da inflação. O documento, já enviado aos grupos parlamentares, propõe por exemplo a constituição de um Observatório dos Preços, que fiscalize a evolução dos valores dos bens e práticas comerciais. Estrutura idêntica foi lançada pelo governo no ano passado (GPP), mas está ainda em fase de instalação.

Segundo o Ministério da Agricultura e Alimentação, apenas estão disponíveis os valores de produção e só agora lançaram o concurso para escolher a empresa que irá monitorizar os preços, com base num cabaz alimentar, harmonizando a lista de produtos do Eurostat com o INE. Falta avaliar as práticas comerciais. No que respeita à alimentação, a DECO exige leis que reforcem a transparência e a obrigação de informação ao consumidor em produtos alvo de reduflação, além de outros, nacionais e de marca própria.

Telecom e serviços na mira

Com as comunicações eletrónicas no topo das queixas que chegam diariamente à associação de consumidores, a DECO exemplifica com uma consumidora que diz ter aceitado a refidelização por 24 meses do pacote de TV e internet para evitar aumentos e estará afinal a pagar mais. Uma das propostas é a criação de um Pacote Económico de Serviços, que inclua telefone (fixo e móvel), internet e TV (número reduzido de canais, mas de oferta variada).

A DECO pede ainda a interdição de aumentos anuais dos serviços de comunicações que excedam a média da taxa de inflação dos últimos dez anos. E a proibição do aumento dos preços e taxas de serviços postais neste ano.

Os serviços essenciais estão em segundo lugar na lista de queixas à associação. "Tenho pago todos os meses 50 a 80 euros de eletricidade e estou pouco tempo em casa; agora recebo uma fatura de acerto de contas de 526,4", queixa-se um consumidor, que pede ajuda. Contra casos destes, a DECO defende a redução do IVA para 6% em todas as componentes da fatura de eletricidade e gás natural, a reavaliação dos critérios da tarifa social e simplificação e apoio na mudança de comercializador. No que respeita ao abastecimento de água, pede a criação da Tarifa Social, à semelhança do que existe para a energia, a aprovação do Regulamento da Qualidade do Serviço e tarifas do lixo que premeiem quem recicla.

Entre os alertas da DECO estão ainda os transportes, com protestos e falta de alternativas. "Este mês carreguei o passe social e só consegui utilizá-lo três dias; por causa das greves da CP, tenho de usar o carro e os 30 euros do passe nem cobrem metade da gasolina. Ninguém me devolve o valor do passe nem me compensa pelos gastos - e não se pode poupar usando transportes porque nunca se sabe se há comboio", protesta uma utente.

Para a DECO, o reembolso aos titulares de passes em caso de greve é uma reivindicação justa. A associação pede ainda a criação de tarifa social para os transportes públicos coletivos e isenção de IVA nos comboios, incluindo o suplemento de bagagem pelo transporte de bicicletas e trotinetes.

Em relação à habitação, as propostas vão de incentivos fiscais, financeiros e sociais que "garantam verdadeiro equilíbrio e oferta no mercado, à criação de programas inclusivos para aluguer e aquisição de habitação". E ainda criação de medidas simples de apoio ao desempenho energético.

ceuneves@dn.pt

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