Compensação por rendas congeladas: Provedora dá razão a senhorios e quer pagamento de juros de mora
“Uma intervenção célere dos poderes públicos no âmbito do regime de compensações aos senhorios", para "impedir que o direito criado se dilua na inaplicabilidade", pede a Provedoria de Justiça, em carta datada desta quarta-feira e endereçada à secretaria de Estado da Habitação de um Governo em gestão, na qual refere as "queixas várias" que tem vindo a receber "relativas ao funcionamento do mecanismo de atribuição da compensação".
Em causa está desde logo o atraso no pagamento, que o DN tem vindo a noticiar e que, refere a Provedoria no documento, ao qual o DN teve acesso, "ascendia, em fevereiro de 2025, a mais de sete meses" (quando a lei impõe resposta no prazo de 30 dias), e que, de acordo com informações recolhidas pelo DN, alcança neste momento, para alguns proprietários, mais de nove meses. Também a imposição da via digital para submeter os pedidos, a inoperacionalidade da plataforma criada pelo Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU) para o efeito e a ausência de pagamento juros indemnizatórios ("de mora") são referidos na carta da Provedoria.
No que respeita aos juros, a missiva, assinada pela Provedora-Adjunta Estrela Chaby, recomenda a introdução de "uma previsão específica" na lei que criou a compensação (Decreto-Lei no 132/2023, de 27 de dezembro). Ou seja, que sejam pagos juros de mora pelos atrasos.
Quanto à imposição de "um procedimento exclusivamente digital", lembra-se que a Provedora, Maria Lúcia Amaral, já recomendou a existência de "alternativas ao acesso digital, sobretudo quando estejam em causa serviços destinados a um público não profissional" e associa a esta falta de alternativa o facto de que "no universo de cerca de 124 000 beneficiários elegíveis [a estimativa existente para o número de proprietários com arrendamentos habitacionais anteriores a 1990], apenas cerca de cinco mil senhorios concorreram aos apoios até 31 de janeiro de 2025".
Isto porque, sublinha, "estão em causa senhorios titulares de contratos de arrendamento anteriores ao ano de 1990, ou seja, os mais recentes celebrados há cerca de trinta e cinco anos", "um grupo de pessoas que, em todo o país, apresentará por regra grandes fragilidades nas suas competências informáticas". Acrescendo que, de acordo com as queixas recebidas (e como o DN já noticiara), não existem "meios de auxílio/esclarecimentos expeditos, nomeadamente via atendimento presencial ou telefónico".
Além do mais, sublinha-se, a via exclusivamente digital não decorre da legislação, mas sim de uma opção do IHRU, o qual terá assumido haver "impossibilidade material de outro tipo de tratamento". A este propósito, a Provedoria critica a forma como a lei foi elaborada e posta em prática, concluindo: "O quadro apurado aponta para uma configuração da compensação aos senhorios como um apoio que apenas teoricamente está ao alcance de todos daqueles que preenchem as condições para o receber, na prática interpondo-se barreiras relevantes ao recebimento".
Citando várias vezes a queixa da Associação Lisbonense de Proprietários, que lhe foi enviada a 18 de dezembro de 2014, pedindo "atuação urgente", este organismo adverte que a presente carta/recomendação "não esgota a matéria que, sobre este tema, tem sido trazida ao conhecimento da Provedoria", mas que se entendeu "que a premência e autonomia dos problemas abaixo referidos justificavam e permitiam uma atuação mais imediata".
Ainda assim, a Provedoria, que desde agosto de 2024 foi questionada pelo DN em relação a todos estes obstáculos, só conseguiu agora, mais de 10 meses após a entrada em vigor da lei, instar o Governo a agir - quando este está demissionário.
Compensação por congelamento congelada?
Como aludido na carta citada, as queixas endereçadas à Provedora sobre esta matéria, e que, de acordo com o comunicado ao DN em março, seriam cerca de "dezena e meia", dizem respeito a vários outros problemas, desde logo à forma como a compensação está a ser calculada pelo IHRU e ao facto de os aumentos das rendas com base na inflação, que estes proprietários só puderam começar a aplicar a partir de 2024 (porque, justamente, as rendas estavam "congeladas"), reverterem, quando há lugar a pagamento de compensação, inteiramente para o Estado.
Começando pelo cálculo da compensação: nos termos da lei, este é efetuado com base no valor patrimonial do locado. A "atualização" das rendas é efetuada aplicando uma fórmula na qual o valor patrimonial é dividido por 15, sendo o resultado da divisão por sua vez dividido pelos 12 meses do ano. Se a renda recebida for igual ou superior ao resultado dessas divisões, o proprietário não tem direito a qualquer compensação; se a renda for inferior, a compensação corresponde à diferença entre a renda e o valor do cálculo referido. Por exemplo no caso de um valor patrimonial de 50 mil euros (a esmagadora maioria dos imóveis com rendas anteriores a 1990 tem valores patrimoniais muito baixos, como um relatório do IHRU informa, reconhecendo de resto que uma parte muito significativa dos respetivos proprietários não teriam direito a compensação), o resultado do cálculo é 277 euros. Se a renda paga pelo inquilino for de 200 euros, a compensação é 77 euros.
Ora o IHRU, no cálculo das compensações, está a optar pelo valor patrimonial sem as atualizações que a Autoridade Tributária (AT) impõe de três em três anos e sobre cujo montante se calcula o IMI. Dito de outra forma, o IHRU está a calcular a compensação com base em valores patrimoniais "congelados" -- o que surge algo contraditório com a ideia de "compensar" por congelamento de rendas.
"Esta é uma opção verdadeiramente escandalosa", lê-se na queixa enviada pela ALP à Provedoria, "porque o valor sobre o qual os senhorios pagam a sua contribuição de IMI – imposto municipal sobre os imóveis – é calculada sobre o valor mais alto, com correção monetária. A ALP questiona, por isso, porque é que estes cidadãos nacionais recebem um tratamento mais desfavorável do que o Fisco, quando, ainda para mais, são obrigados a assegurar há décadas uma função social que apenas competiria ao Estado".
Acresce que, como referido, a possibilidade de aumentar a renda com base no índice determinado pelos governos não altera em nada o valor que os proprietários recebem, já que o IHRU desconta o aumento no montante da compensação. Ou seja, se aumentarem a renda, os proprietários recebem sempre o mesmo valor, enquanto o Estado paga menos.
Por fim, outro tema que a Provedoria não abordou é a ausência de comunicação do IHRU com os proprietários que pediram a compensação, inclusive com aqueles a quem já começou a pagar. Entre os senhorios que o DN tem contactado a maioria queixa-se de que só soube que lhe tinha sido atribuída a compensação porque descobriu uma transferência do IHRU na conta bancária.
Apesar de o Código de Procedimento Administrativo impor notificação aos interessados das decisões que são tomadas sobre as respetivas demandas, assim como sobre o fundamento dessas mesmas decisões e o prazo e instância para reclamação, quase um ano decorrido sobre a entrada em vigor da lei, apenas uma minoria dos proprietários que requereu a compensação foi notificada da decisão.