No recurso de Mário Machado que o Tribunal da Relação de Lisboa julgou improcedente, na segunda-feira - confirmando a pena de prisão efetiva de dois anos e 10 meses por um crime de discriminação e incitamento ao ódio e à violência que visou em particular a professora e dirigente do Movimento Alternativa Socialista (MAS) Renata Cambra -, um dos quatro pontos recorridos pela defesa do conhecido militante neonazi estava relacionado com a adequação da medida da pena. E para convencer as juízas da Relação o advogado de Mário Machado usou até uma frase, proferida em tribunal pela visada Renata Cambra, onde era feita uma comparação entre uma característica do arguido e o capitão da seleção portuguesa de futebol, Cristiano Ronaldo..Argumenta assim a defesa de Mário Machado, no ponto 7 do recurso julgado pela Relação: “A valoração da matéria consignada no ponto 13 dos factos provados no sentido de agravar a pena aplicada é errada, porquanto a factualidade sub judice não resulta apenas do princípio da imediação da prova, mas de uma multiplicidade de factores e reações momentâneas ao desenrolar do julgamento. Atente-se na seguinte frase da assistente [Renata Cambra] de teor algo jocoso para com o arguido [Mário Machado]: Ele escreve na 3ª pessoa, mas isso o Cristiano Ronaldo também faz. Salvo o muito respeito, não pode a meritíssima juiz a quo controlar, perceber, interiorizar as reacções do arguido (aliás como de ninguém na sala de audiências). “.A invocação desta frase de Renata Cambra surgia como tentativa de desacreditar a fundamentação da sentença da primeira instância, assinada pela juíza Paula Martins, do Juízo Local Criminal de Lisboa, que no seu ponto 13 deu como provado que “no decurso da prestação de declarações por parte da ora assistente, e quando a mesma relatou os sentimentos por si vivenciados por via dos factos em causa nos autos, os arguidos não evidenciaram qualquer manifestação de empatia pela mesma, sorrindo em alguns momentos”, segundo consta do acórdão a que o DN teve acesso. Ora, a defesa de Mário Machado procurou desvalorizar a postura dos arguidos em tribunal associando-os a uma reação a comentários “jocosos” da assistente..Em causa neste processo estavam mensagens publicadas no antigo Twitter (atual X), atribuídas a Mário Machado e Ricardo Pais, em que estes apelavam à “prostituição forçada” das mulheres dos partidos de esquerda, e que visaram em particular a dirigente do MAS Renata Cambra, a qual apresentou uma queixa às autoridades em fevereiro de 2022. A notícia dessa queixa, na revista Sábado, motivou um direito de resposta por parte do militante de extrema-direita na mesma revista..E foi o teor desse direito de resposta que mereceu o tal comentário de Renata Cambra, citado pela defesa de Machado no recurso rejeitado pela Relação - entretanto, o advogado José Manuel Castro, que conduz a defesa do dirigente neonazi, já anunciou recurso para o Tribunal Constitucional, suspendendo a execução da pena..O recurso de Machado rejeitado pela Relação invocava um pretenso estilo humorístico do arguido - “as frases imputadas ao recorrente são declarações não sérias” - que o trio de juízas desembargadoras rejeitou, defendendo tratar-se do que “verdadeiramente pensa e pretende” o militante neonazi, assinalando um alvo perfeitamente identificado: “Apenas as mulheres de esquerda são objeto das palavras do arguido. Palavras essas desprovidas de qualquer sentido de humor e com o intuito óbvio de humilhar.”.De resto, Mário Machado viu recusados todos os quatro pontos do seu recurso: erro de julgamento, preenchimento do tipo legal de crime, adequação da medida da pena e suspensão da execução da pena de prisão..Em relação à frase utilizada como exemplo atenuante pela defesa, escrevem as desembargadoras: “O arguido, surpreendentemente, melindra-se com uma mera frase deste teor quando escreve frases de maior gravidade. Resta saber, querendo efetivamente a assistente escarnecer de alguém, quem seria na verdade a pessoa visada com a referida frase. Fosse quem fosse, nada justificaria a conduta do arguido.”.Acesso da PJ a telemóvel permitiu validar prova.Fundamental neste processo para validar a autoria das mensagens de ódio divulgadas na rede social X foi o acesso ao telemóvel do militante neonazi pela PJ no âmbito de um processo anterior, sabe o DN. Além das testemunhas apresentadas por Renata Cambra, o acesso às comunicações de Mário Machado permitiu à investigação rastrear o utilizador da conta @MarioMachado777, onde surgiram as mensagens de ódio e que pouco depois foi suspensa pela rede social. Pesquisado o equipamento telefónico, foram localizadas várias evidências da propriedade e utilização da referida conta..No caso do outro arguido, Ricardo Pais, não foi feita qualquer perícia ao telemóvel ou outro equipamento, o que foi um dos pontos invocados pelo recurso da sua defesa. Mas a Relação, tal como já acontecera na 1ª instância, considerou não haver dúvidas de que lhe pertence a conta do X @ricardojp1143, com a qual interagiu com Mário Machado no referido incitamento ao ódio contra as mulheres de esquerda. Ricardo Pais foi condenado a um ano e oito meses de prisão suspensa por um período de dois anos e a um plano de reinserção social