Com a linha vermelha a semanas de distância, travão deverá ser local
Com o número de contágios a inverter a tendência de queda e a dar agora sinais de aumento, o desconfinamento poderá vir a prosseguir a diferentes ritmos consoante a evolução dos contágios em cada concelho, à semelhança do que foi feito o ano passado. Em vésperas da declaração de mais um estado de emergência, peritos e responsáveis políticos voltaram ontem às reuniões do Infarmed, com os primeiros a estimarem que no prazo de duas semanas a um mês o país vai atingir os 120 casos por 100 mil habitantes - sendo que há regiões, caso o Algarve, já acima desta fasquia. Os especialistas apontaram uma "inversão da tendência" de decréscimo de contágios, que passou para um cenário de "crescimento dos novos casos por dia". Mas ressalvando que o país se mantém num nível moderado.
No período de perguntas, António Costa pôs o acento precisamente no plano local e na forma como poderão ser precisados os dados sobre contágios locais, de forma a evitar a sobrevalorização de surtos, quando são casos localizados que não estão disseminados nas comunidades. Uma questão dirigida a Óscar Felgueiras, que antes tinha defendido a criação de um novo indicador, de "incidência vizinha", para assinalar o risco de proximidade de zonas "vermelhas".
Também a ministra da Saúde, nas declarações após a reunião, sublinhou que a "avaliação local e regional tem sido sempre feita" e que há, aliás, um "histórico em relação a essa abordagem". Pelo PS, José Luís Carneiro, secretário-geral do partido, defendeu que o desconfinamento deve prosseguir, com uma intervenção local se for necessária: "Perante circunstâncias localizadas, é possível atual de forma localizado e de modo muito preciso".
O PSD concorda com o princípio, mas quer um travão já. Após uma audiência com o Presidente da República, o líder do partido, Rui Rio, defendeu que o desconfinamento generalizado "não deve continuar"."O que deve ser feito é não continuar o desconfinamento global do país. Não o fazer naqueles concelhos que estão com os indicadores de risco mais elevados" - nem nos que lhe façam fronteira.
Fora da equação do Executivo, ao que apurou o DN, está uma travagem no calendário de reabertura das escolas - o secundário e o ensino superior reabrem na próxima segunda-feira. A reunião de ontem deixou, aliás, o sinal de que as escolas não constituem um foco de transmissão de covid. Muito embora os peritos tenham apontado um aumento da incidência na faixa etária entre os zero e os nove anos (que regressou à escola a 15 de março), Henrique Barros, do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, sublinhou que se está perante números baixos, pelo que "o ruído acaba por ser maior do que o sinal dado". Henrique Barros defendeu que as escolas devem ser vistas como "estruturas "sentinela" na vigilância epidemiológica" e sublinhou que a variação de risco identificada entre turmas com um contexto escolar "semelhante" aponta para contágios que acontecem fora da comunidade escolar.
Da reunião de ontem saiu também a indicação de que a Direção-Geral de Saúde vai dar novas orientações quanto à saída dos idosos dos lares, que continuam condicionados mesmo quando as pessoas já estão vacinadas. Em resposta a uma questão de Maria do Rosário Gama, presidente da APRE (Associação de Aposentados, Pensionistas e Reformados), Graça Freitas adiantou que a indicação irá no sentido de que os idosos possam sair sem obrigação de quarentena, quando a ausência seja por menos de 24 horas. Quando for superior, devem apresentar um teste negativo.
Marcelo de Sousa enviou ontem para a Assembleia da República o decreto que renova o estado de emergência a partir de 16 e até 30 de abril, um documento em tudo idêntico ao anterior - nomeadamente quanto à possibilidade de regulação dos níveis de ruído, o que o Governo nunca fez.
Com a votação agendada para a tarde desta quarta-feira, Marcelo Rebelo de Sousa esteve ontem a ouvir os partidos com assento parlamentar. Pelo BE, Catarina Martins guardou a posição dos bloquistas para momento posterior ao decreto presidencial , mas deixou um aviso: "Desconfinamento não precisa de estado de emergência, mas, se continuarmos a precisar de medidas, então podemos precisar. Se é para desconfinar, o estado de emergência não deve continuar". Certa é a repetição do voto contra do PCP, com Jerónimo de Sousa a insistir que o estado de emergência apenas tem servido para impor restrições à mobilidade dos portugueses" ou à atividade de "micro, pequenas e médias empresas". Um voto contra que será também repetido pelo PEV. E pela Iniciativa Liberal e o Chega, que se manifestaram contrários a uma travagem no desconfinamento. João Cotrim Figueiredo, da IL, disse ontem que questionou Marcelo sobre se este será o último estado de emergência, mas o chefe de Estado não se comprometeu com uma resposta.
Além de PS e PSD, o CDS também vota a favor do decreto, mas esperando que o estado de emergência não se eternize. Outro voto favorável virá do PAN.
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