Os dias que antecederam o mais importante fórum climático internacional, que decorre a partir de amanhã em Baku, Azerbaijão, foram “tristes”, dizem, numa declaração unânime. O motivo do “ambiente sombrio” é a eleição de um “negacionista das alterações climáticas” para a Presidência dos Estados Unidos. A votação expressiva em Trump recrudesceu na maioria destas jovens mulheres o “pessimismo”, ainda que “esperançoso”, com que olhavam para a COP29 - Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas 2024. .São cinco, com idades compreendidas entre os 23 e os 27 anos, e formam a cúpula da Último Recurso (UR), liderada por Mariana Gomes, a jovem jurista que, em dezembro de 2021, fundou a primeira ONG portuguesa a utilizar o Direito e a litigância para responsabilizar os principais infratores pela crise do clima. A associação, que se declara “independente, apartidária, não-confessional e promotora da intercooperação”, conta ainda com o apoio de mais de duas dezenas de voluntários, já colocou o Estado português em tribunal pelo incumprimento da Lei de Bases do Clima e promete uma segunda ação judicial para breve. .Nas vésperas da COP 29, em comunicado, a UR acusou o Governo de Luís Montenegro de “querer silenciar a voz dos jovens” na Conferência. “Apesar de múltiplas tentativas de colaboração e diálogo desde junho, incluindo duas reuniões, mais de 60 chamadas (90% das quais não-atendidas) e mais de 20 contactos informais para solicitar acreditação, (o Ministério do Ambiente e da Energia) decidiu indeferir o pedido” de inclusão da UR na comitiva, lê-se, denunciando, de seguida, o critério de escolha dos Governos nacionais: “No ano passado, na delegação de Portugal para a COP28, constavam dois representantes da Galp e dois da PRF Gas Solutions, empresas ligadas aos combustíveis fósseis”, desigualdade de tratamento que leva a associação a “ponderar” uma queixa ao Provedor de Justiça..Presentes, obviamente!.Apesar de excluída da Comitiva Portuguesa, a UR está presente na capital azeri. A delegação jovem será composta por Mariana Gomes, presidente e fundadora; Bárbara Costa, coordenadora de Comunicação; Débora Pereira, especialista em Formação e De- senvolvimento, e Mariana Fernandes, assistente de Políticas..Fernandes, nascida em Trancoso, é a mais jovem do grupo. Tem 20 anos e um currículo notável para a idade. Aluna emérita do Ensino Secundário, concluiu a licenciatura em Línguas e Relações Internacionais com 18 valores..Está a fazer mestrado em Direito Internacional. É escritora, palestrante e venceu em 2023 a competição de escrita Erasmus Generation in Action. Domina, além do inglês, o castelhano, o alemão e o francês..Não pertencendo à direção, assume, nas lutas da UR, onde está desde agosto deste ano, “ a existência de um profissionalismo crescente”. Porque é preciso, diz, “mobilizar a sociedade para a litigância ambiental.” Justifica a importância da presença de jovens portugueses nas COP: “Basta lembrar a ligação de Portugal aos países da CPLP para se perceber a urgência desta presença”..Adepta do uso de artigos em segunda mão - da roupa aos aparelhos eletrónicos -, decidida a melhorar “ainda mais” o consumo de água durante os banhos, a poliglota acrescenta um outro motivo para a presença da comitiva da UR: “Não há relatórios em português. É preciso que existam e, por isso, há que estar lá e participar.”.Quatro jovens mulheres em Baku, muitas mais na associação, onde a presença feminina é esmagadora. “A grande adesão feminina talvez se deva ao facto de as mulheres estarem habituadas a ter mais coisas a perder”, diz, logo acrescentando: “Os homens, quando consciencializados, são capazes de imenso empenho”. .Mariana Gomes, presidente da associação Último Recurso.Mariana Gomes é a líder. Tem 23 anos, nasceu no Porto. Hoje jurista, cresceu num meio pobre. É a primeira licenciada da família. “Por tudo isso, sempre gostei de ler sobre as desigualdades. Queria ser voluntária da UNICEF, fazer voluntariado em África, mudar o mundo”. Porém, a política nunca foi opção. “Nos ambientes de pobreza e ausência de privilégios, a política fica de fora. Na verdade, as comunidades mais pobres ficam à margem da política”. .Nunca se reviu nos escritórios tradicionais de advocacia. Ao longo da licenciatura, iniciou as pesquisas sobre direito e clima. Tinha histórico de ativismo, em coletivos informais. “Em 2019, organizei umas das primeiras greves de clima em Portugal”. A horas de viajar, um olhar realista: “Já estava nada otimista, tendo em conta que as conferências do clima têm falhado, pelo menos na celeridade a que a resolução dos problemas obrigaria. Mas temos agora na presidência de um país muito relevante nestas matérias, um negacionista, que age enquanto tal, retirando os EUA do acordo de Paris”. Um péssimo sinal para os próximos tempos. .Muito determinada, minuciosa, obcecada no estudo dos dossiers, a líder explica porque decidiram representar-se em Baku. “Representamos os jovens, mas também a sociedade civil. Se o lobby da indústria petrolífera marca presença, por que não nós?”.Da rua para a barra.A litigância climática é uma ferramenta do Estado de Direito, e é a arma da UR. Porém, estas dirigentes não lançam labéus sobre outras formas de luta. Nomeadamente o arremesso de tinta a responsáveis políticos e empresariais. .Bárbara Costa, 26 anos, é professora de Marketing e Comunicação no Instituto Politécnico de Leiria, a cidade onde nasceu. Cautelosa sobre os diferentes tipos de luta, faz um único comentário: “Na UR temos esta visão, a do Direito; mas nesta luta há lugar para todos”. .Bárbara Costa, coordenadora de comunicação.Também ela leva baixas expectativas à COP, desde logo por ser em Baku.”O país onde vai ser realizada é um péssimo sinal. Depois, há a reduzida representação jovem”. Não é nova nestas andanças. A experiência na Conferência de Bona, em junho de 2024, não foi a melhor. “Pude verificar que grande parte das negociações relacionadas com o financiamento do clima não teve o desenvolvimento pretendido”. De novo, a ‘questão americana’: “Agora, mais uma vez, a ausência dos EUA, um país tão forte e com grande impacto em todo o mundo”. .O interesse pela luta climática despertou quando era criança, “com uma professora incrível, que nos começou a falar da camada de ozono e das chuvas ácidas”. Matérias que já então lhe causavam “ansiedade”. Na pandemia, aproximou-se de organizações climáticas. Mestre em Marketing e Comunicação, descobriu então a UR. Hoje, não há posição pública da ONG que não passe pelo escrutínio de Bárbara, que merece da líder confiança total. .Nova ação e “acórdão histórico”.É Bárbara quem aconselha as restantes a dar poucas informações sobre o novo passo da UR: uma segunda ação judicial contra o Estado português. Adiantam apenas que em causa estão “a omissão climática e a violação dos direitos fundamentais relacionados com o clima”. A ação dará entrada nos tribunais até ao final de novembro. .“A Último Recurso mantém-se atenta a possíveis ilegalidades ou omissões climáticas do país e do governo, e trabalhamos para garantir que a lei é cumprida”, diz Mariana Gomes. “Enquanto a lei não for cumprida, não desistiremos”, remata, dois meses após uma primeira vitória “histórica”. .Em acórdão, o Supremo Tribunal de Justiça considera viável a primeira ação judicial interposta pela UR, no âmbito da litigância climática, devendo ser julgada. Ricardo Sá Fernandes, o advogado que patrocinou a ação, explica a relevância do acórdão.” Nestas ações populares, com pouca jurisprudência , uma das questões passa por esclarecer se os tribunais podem ou não avaliar as ações ou se estas devem ser excluídas do âmbito judicial. O Ministério Público, em representação do Estado, considerava que a ação não era viável, o STJ vem dizer que é. E essa decisão é histórica”..Recorde-se que na ação pedia-se que o Estado fosse condenado a cumprir e a produzir, num prazo fixo, a legislação plasmada na Lei de Bases do Clima. O processo regressou à primeira instância, com a citação do Estado Português. .As 50 medidas exigidas ao Estado.Na ação interposta, a Último Recurso, em conjunto com a Quercus e a Sciaena, pede a condenação do Estado português ao cumprimento da Lei de Bases do Clima, consubstanciada em 50 medidas, de forma a assegurar, em relação aos valores de 2005, uma redução de, pelo menos, 55% da emissão de gases com efeito de estufa até 2030. Do rol de medidas, as principais dizem respeito à transição energética, transportes e economia sustentável: • Gradual redução, até à eliminação total em 2030, das isenções do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos de origem fóssil, assegurando essa redução em 50% a partir do ano de 2026 e em 75% a partir do ano de 2028; • Eliminação das isenções do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos utilizados na navegação aérea a partir do ano de 2026; • Elaboração de um novo “Programa Vale Eficiência”, dirigido às famílias economicamente vulneráveis que habitem em edifícios em situação de pobreza energética, a substituição de frigoríficos, com mais de 10 anos de uso, e de lâmpadas incandescentes e halógenas, por lâmpadas LED; • Regulamentação das regras aplicáveis à poluição luminosa, e à climatização de espaços, em ordem à definição de limitações no uso de aquecimento e de ar condicionado em estabelecimentos públicos, empresariais, comerciais e administrativos; • Proibição imediata de voos de curta distância para viagens aéreas de menos de 500km, quando houver adequados meios de transporte coletivo, rodoviário ou ferroviário, aí se incluindo obrigatoriamente as viagens entre os aeroportos de Lisboa e Porto e de Lisboa e Faro; • Gradual limitação de partidas e chegadas de voos noturnos, entre as 23.00 e as 7.00 horas, em ordem a obter-se a proibição total dessas operações noturnas até 2030; • Criação imediata de um passe nacional multimodal, economicamente acessível, bem como os sistemas públicos de bicicletas partilhadas; • Concessão de novas licenças para táxis e TVDE exclusivamente para veículos elétricos ou híbridos a partir de 2026; proibição de táxis e TVDE que não sejam 100% elétricos a partir de 2030; • Alteração do Código da Estrada no sentido de reduzir em 10km/hora os limites de velocidade estabelecidos para a circulação dentro das localidades; • Elaboração de um programa de promoção e apoio à mobilidade ativa, incluindo a aquisição de bicicletas e a micrologística urbana para bicicletas, e equiparação das deslocações a pé e de bicicleta aos outros meios de circulação para efeitos de atribuição de Subsídio de Transporte; • Proibição do recurso a madeira de qualidade, biomassa de culturas energéticas e biomassa residual procedentes de territórios longínquos para a produção de energia a partir de biomassa; • Elaboração de um programa de promoção e apoio à descarbonização do setor da agricultura, designadamente através da substituição de fertilizantes químicos sintéticos por orgânicos; • Regulamentação das regras aplicáveis a um sistema de monitorização dos grandes consumos de água; • Elaboração de um programa de promoção de apoio à dieta mediterrânica; • Antecipação, para 31 de dezembro de 2025, da apresentação do Plano Nacional de Restauro dos ecossistemas terrestres, dos ecossistemas marinhos; • Elaboração de um programa de iniciativas de promoção do reconhecimento pela ONU do clima estável como património comum da Humanidade.