Durante dois dias, no final da semana passada, o consumo de eletricidade em Portugal foi assegurado por fontes renováveis, sobretudo energia eólica e hídrica, devido às "condições favoráveis de vento e chuva". O anúncio da REN - Redes Energéticas Nacionais entusiasmou o Governo e a maioria dos agentes ligados ao ambiente..Num comunicado divulgado no sábado, dia 28, a REN dava conta de que o consumo de eletricidade estava a ser assegurado por fontes renováveis desde as 22.30 de sexta-feira. E prolongou-se até domingo. Desde essa hora até às 00.00 de sábado foram gerados 97,6 Gigawatts-hora (GWh) de energia eólica, 6,6GWh de energia solar e 68,3GWh de energia hídrica, que "asseguraram o consumo de 137,1GWh", adiantava a REN, anunciando que "os excedentes de produção têm sido exportados através da interligação com Espanha"..Segundo a empresa, desde as 09.00 horas do dia 24 de outubro, o consumo de eletricidade em Portugal foi assegurado por energias renováveis, apesar de "recorrer à importação de eletricidade de Espanha em alguns períodos"..De acordo com o comunicado, "a passagem à exportação plena decorreu na sexta-feira, dia 27 outubro, pelas 17.00 horas, em que Portugal passou a exportador de eletricidade em 100% do tempo"..Citada pela Agência Lusa, a REN sublinhava que, por questões de equilíbrio entre a geração e o consumo, entraram, no mesmo dia, em operação dois grupos em duas centrais térmicas de ciclo combinado a gás natural entre as 16.00 e as 22.30, "findas as quais o consumo de eletricidade em Portugal passou a ser abastecido com produção 100% renovável, e ainda com saldo exportador para Espanha"..Pedro Nunes, coordenador do grupo de Energia, Clima e Mobilidade da associação ambientalista Zero, acredita que os dois dias verificados nesta semana fazem parte de "uma boa notícia que antecipa já, de alguma maneira, aquela que será a realidade do sistema elétrico português em 2030". Isto quer dizer que, nessa altura, o país deverá ter "100 por cento de eletricidade renovável e que, para já, conseguimos ter o sistema a funcionar sem ir abaixo". Por ora, "isto só é possível em situações excecionais, mas a tendência será tornar-se a norma", afirma o dirigente daquela associação..Não é a primeira vez que a situação de pleno consumo renovável se verifica, embora só aconteça "quando temos um quadro excecional de vento e chuva abundante. Neste caso, até foi mais o vento: tivemos mais energia eólica do que hídrica a ser produzida", sustenta Pedro Nunes..A verdade é que, apesar de dias nublados, até a energia solar acabou por ter algum peso. E isso, em 2030, será uma constante. "Teremos uma grande bossa (é assim que ela aparece nos gráficos durante o dia, porque começa a produzir de manhã, tem ali um apogeu a meio do dia e depois, à noite, volta a deixar de ser produzida) de energia solar"..No grupo de Energia, Clima e Mobilidade da Zero, não há dúvidas de que "esta situação tenderá a repetir-se cada vez com mais frequência, até ser a norma"..O facto é que temos cada vez maior incorporação de energia renovável no sistema elétrico. De acordo com a revisão do PNEC (Plano Nacional de Energia e Clima), "temos 47GW previstos de energia renovável - o que é muita potência instalada - em 2030. E portanto isto será muito mais a norma do que a exceção"..O regozijo tomou conta também da Associação de Energias Renováveis (APREN), ao cabo de mais dois dias em que fizeram o pleno. "Estamos a desenhar todo um sistema elétrico para ter incorporação de renovável cada vez maior e que permita chegar ao maior número possível de consumidores", afirma ao DN Pedro Amaral Jorge, presidente da direção.."As renováveis vão suprir uma dimensão adicional que é a segurança energética. Quando nós temos dias em que o conjunto da eletricidade em Portugal é 100% suprido em fontes renováveis, isso é uma viagem ao futuro", sublinha Pedro Amaral Jorge. Também ele antevê que, nos próximos anos, teremos "esse comportamento na maior parte dos dias do ano e não apenas quando as condições concomitantes de eólica e hídrica o permitem".."Este é o desenho do mercado de eletricidade. Obviamente que ficamos muito contentes que tenhamos já dias em que isso acontece e que todo o sistema elétrico - os produtores de eletricidade, as redes, os consumidores - conseguem gerir toda esta incorporação de renovável sem haver falhas", conclui o presidente da APREN, que espera ver, em 2030, "cerca de 85 a 90% renovável o consumo de energia no país"..Mas o que à partida parece uma boa notícia reveste-se de outras preocupações para a Iris - Associação Nacional de Ambiente. O presidente, Paulo Pimenta de Castro, aponta, por exemplo, "a questão da biomassa, porque vai ter impacto na redução do arvoredo e consequentemente na biodiversidade"..Além disso, o ambientalista lembra que tanto os fotovoltaicos como os parques eólicos "são muitas vezes projetados para áreas de reserva ecológica ou da Rede Natural 2000, como está atualmente a acontecer em Sines".."Nós somos favoráveis a fontes de energia renovável, mas não à conta da destruição dos ecossistemas". "O que se passa em Portugal é que vamos cumprir metas, mas com custos ambientais elevados", considera Pimenta de Castro, para quem "não há, da parte do Governo, critérios definidos, apesar das metas de 2030"..paula.sofia.luz@ext.dn.pt