“Chamo-me Taís Oliveira. Sou cidadã brasileira, nasci no ano de 2005 (12/03/2005). Resido legalmente em Portugal desde 2017 com a minha família, conclui o Ensino Básico e Secundário no país. Nunca estive ilegal. Fiz exames nacionais, ingressei no Ensino Superior com uma das melhores notas do meu curso. Tentei registar-me para obter o cheque-livro e qual a minha surpresa ao descobrir que a plataforma é discriminatória, pois impede o registo dos jovens estrangeiros sem Cartão Cidadão.” Este é um trecho da carta enviada pela jovem brasileira aos responsáveis pelo programa Cheque-Livro..Taís é uma dos milhares de jovens que reúnem os requisitos do Governo para receber o cheque-livro, com apenas uma exceção: não é cidadã portuguesa. O programa, lançado em novembro, tem “o objetivo de fomentar hábitos de leitura e incentivar a frequência de livrarias” para “todos os jovens residentes em Portugal, que nasceram em 2005 e 2006”..Ao DN, a imigrante de 19 anos conta que soube da iniciativa através do Instagram de uma amiga brasileira, que dizia: “Aproveitem, já que eu não posso.” Taís pensou que a amiga enfrentava alguma questão técnica que a impedia de aceder ao programa. “Nunca me passou pela cabeça que ela não tivesse acesso simplesmente por ser estrangeira - e que eu também seria excluída pela mesma razão”, explica Taís, estudante do Instituto Politécnico de Leiria..Segundo a jovem, a reação foi de “surpresa e indignação” ao mesmo tempo. “Surpresa porque, entre todas as medidas promovidas pelo Governo, esta foi a única que excluiu jovens estrangeiros. Todos os outros benefícios - como os cheques para nutricionista, dentista ou psicólogo - são acessíveis, de acordo com os devidos requisitos, independentemente da nacionalidade. Eu própria já utilizei esses recursos. A indignação veio da perceção de que o único benefício negado a nós, jovens imigrantes, está diretamente relacionado ao conhecimento e à cultura”, argumenta. “É como se tivéssemos permissão para estar saudáveis e produtivos, mas não para enriquecer intelectualmente”, complementa a brasileira..A resposta da carta que enviou foi rápida, mas desanimadora para a estudante. “Enviaram-me o regulamento oficial, que especifica que o benefício é destinado apenas a jovens residentes nascidos em 2005 e 2006 que possuam Cartão de Cidadão, excluindo automaticamente os jovens estrangeiros, mesmo aqueles com residência legal no país”, diz..Taís afirma querer acreditar que foi “um erro, um descuido”, ter deixado os imigrantes sem acesso ao cheque-livro. “É um reflexo claro de uma visão limitada e centralizada, que não considera a diversidade real da sociedade portuguesa”, argumenta..Ao DN, Bruno Duarte Eiras, subdiretor-geral da Direção-Geral do Livro, dos Arquivo e das Bibliotecas, afirma que “foi necessário definir requisitos técnicos e operacionais associados à sua concretização e ao funcionamento da plataforma que assegurassem o cumprimento das regras definidas, nomeadamente a validação da elegibilidade dos jovens”. Por isso, “concluiu-se que a única forma de efetuar este procedimento de forma automática, segura e centralizada seria através da utilização do Cartão de Cidadão/chave móvel digital”..De acordo com Eiras, os brasileiros podem ter acesso através do Tratado de Porto Seguro, mas não leva em conta a demora para obter o documento de igualdade. .Taís acrescenta que outros jovens que não são brasileiros ficam excluídos. “A nossa exclusão de um benefício criado para incentivar a leitura e promover a literacia dos jovens, reforça a ideia de que somos invisíveis nas decisões políticas nesta matéria, apesar de contribuirmos para o país. Se há um ministério dedicado à cultura, seria de se esperar maior sensibilidade e inclusão em programas como este”, finaliza..Criado em novembro, o programa teve 30 mil cheques emitidos no primeiro mês. O Governo considera que o número demonstra uma “forte adesão”..amanda.lima@dn.pt