Cerca de 2,5 milhões de euros em coimas por falta de limpeza dos terrenos desde 2020
Miguel Pereira da Silva / GLOBAL IMAGENS

Cerca de 2,5 milhões de euros em coimas por falta de limpeza dos terrenos desde 2020

As coimas previstas pela falta de limpeza de terrenos florestais e agrícolas, que todos os anos deve ser realizada até 30 de abril, podem atingir os 5.000 euros para pessoas singulares e 25.000 para pessoa coletiva. A federação de associações de proprietários florestais pede alargamento do prazo.
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A falta de limpeza de terrenos agrícolas e florestais, para prevenir fogos rurais, já rendeu "à volta" de 2,5 milhões de euros em contraordenações, desde 2020, avançou à Lusa fonte oficial da Guarda Nacional Republicana (GNR).

"Desde 2020, eu posso dizer que o valor que já entrou, assim de uma forma muito por alto, anda à volta de 2 milhões e meio [de euros]", afirmou o tenente-coronel Ricardo Vaz Alves, da direção do Serviço de Proteção da Natureza e Ambiente (Sepna) da GNR.

Para se compreender o que gerou os 2,5 milhões de euros arrecadados, o oficial explicou que se está "a falar de 140 euros para pessoas singulares e 800 euros para pessoas coletivas", pelo mínimo da contraordenação, permitindo ter "uma ideia do número de processos" que tiveram "como decisão final o pagamento de uma coima, porque nem sempre essa é a decisão".

"Às vezes há a decisão de admoestação, que também é legalmente admissível, decisão de arquivamento por falta de prova e a decisão também de pagamento pela metade do montante, em função também da gravidade, do processo ou até da resolução do próprio processo, da boa-fé, neste caso, da resolução", acrescentou.

As coimas previstas pela falta de limpeza de terrenos florestais e agrícolas, que todos os anos deve ser realizada até 30 de abril, podem atingir os 5.000 euros para pessoas singulares e 25.000 para pessoa coletiva, valores que variam segundo a respetiva câmara municipal.

De acordo com dados enviados à Lusa, entre 2018 e 2023, a GNR registou maior incumprimento da limpeza de terrenos, por ordem decrescente, nos distritos de Santarém (4.131 contraordenações), Castelo Branco (2.816), Braga (2.660), Coimbra (2.061) e Aveiro (1.802).

Os distritos com menor registo de incumprimentos da gestão de combustível, no mesmo período, foram Évora (215 coimas), Bragança (295), Portalegre (375), Viana do Castelo (468) e Beja (756).

A GNR totalizou, de 2018 a 2023, por falta de limpeza de terrenos florestais 26.140 contraordenações e, desde 2019 até ao ano passado, registou 3.419 por queimas e 1.359 por queimadas.

Este ano, a fiscalização da limpeza de terrenos só arranca em 01 de maio.

Levando em conta o número de sinalizações de falta de limpeza, entre 2019 e 2023, numa primeira verificação, sem coimas, os militares da GNR registaram o maior número nos distritos de Leiria (23.557), Santarém (11.786), Viseu (9.922), Castelo Branco (7.150) e Coimbra (7.701), e menor incumprimento em Évora (675), Porto (1.329), Portalegre (1.419), Beja (1.564) e Bragança (1.751).

Afirmando que, após identificação das causas dos incêndios, "o uso do fogo é a maior preocupação" e que "só as queimas e queimadas contribuem com mais de 35% das ocorrências de incêndio nos últimos anos", a GNR apela a "um esforço [de todos] para que a redução do combustível se possa realizar com recurso a outros métodos alternativos", como "a incorporação no solo e a produção de biomassa, reduzindo-se assim o risco de gerar ocorrências".

De acordo com Ricardo Vaz Alves, precisamente o que continua a criar maior pressão de todas as causas de incêndio é "o recurso às queimas e queimadas" e "continua a haver uma grande dificuldade em identificar métodos alternativos" à gestão dos resíduos florestais.

"Nesse sentido, nós estamos atualmente com uma comunicação bastante intensiva, não digo [para] abolição, porque o fogo vai existir sempre, mas pelo menos para adequar os comportamentos e o tratamento de resíduos florestais por outras vias, que não seja a queima e a queimada, seja através de incorporação nos solos, seja através da venda depois para centrais de biomassa ou para centrais de transformação em 'pellets'", frisou.

O oficial do Sepna salientou que nas sinalizações, numa primeira passagem pelos terrenos, ainda não há lugar a infração, e só na segunda passagem para verificação dessas primeiras situações, a partir de 01 de maio, será registada a contraordenação.

O militar da GNR reconheceu que não será possível fazer a verificação em todos os locais logo em 01 de maio, mas que a ação será realizada em função dos efetivos e da perigosidade do período de incêndios, mas que uma eventual alteração do prazo compete às entidades legislativas.

"O nosso foco nunca é o auto em si, o nosso foco é sempre a salvaguarda da segurança e a preservação daquilo que são as condições mínimas de distância face ao edificado", vincou Ricardo Vaz Alves.

O dirigente do Sepna revelou que a GNR já realizou este ano "mais de 10.000 sinalizações" e acredita que, até ao final do mês, podem "chegar às 12.000 sinalizações", em "linha eventualmente com 2023 e 2021".

Federação pede mais tempo

Os proprietários têm de limpar terrenos agrícolas e florestais até 30 de abril, para prevenir fogos rurais, mas meteorologia adversa e falta de mão-de-obra levam a federação de associações de proprietários florestais a pedir o alargamento do prazo.

"A sensação é sempre a mesma, é que para este período não pode haver sempre uma data, porque quem manda é a natureza. Este ano como choveu muito, até tarde, [...] os terrenos ainda estão todos a atascar. Se a erva for cortada agora, os materiais finos, que são esses que propagam os incêndios, ainda vão rebentar todos", afirmou o presidente da direção da Federação Nacional de Associações de Proprietários Florestais (FNAPF).

Luís Damas notou que o limite do dia 30 deste mês para concluir a gestão de combustíveis "não é exequível" e, por isso, defendeu "o adiamento para até ao fim do mês de maio ou até 15 de junho", já que, além de ter chovido muito, "não há mão-de-obra".

"Corremos o risco de estarmos a fazer sem ter depois utilidade nenhuma. [Há] ervas ao nascer e depois quando vier o calor de julho e agosto vai secar tudo, e vai ficar muito material combustível para alimentar os incêndios", frisou.

A federação irá, por isso, tentar junto dos ministérios da Administração Interna e da Agricultura, que voltou a tutelar as Florestas, que tenham "algum bom senso" e vejam que "a data é impraticável este ano", tal como aconteceu durante a pandemia de covid-19.

Seja como for, admitiu que, também pela pressão das autoridades, está provado que "essas faixas reduziram a intensidade e até mudaram às vezes o rumo do incêndio".

"É um grande custo todos os anos e não há, às vezes, mão-de-obra para o fazer, mas muita gente já interiorizou isso porque, na volta da GNR, as pessoas também levam coimas e que não são assim tão pequenas", vincou Luís Damas.

Para o presidente da direção da ANEFA -- Associação Nacional de Empresas Florestais, Agrícolas e do Ambiente, Pedro Serra Ramos, a gestão de faixas de combustíveis "é exequível", até por lhe parecer que "há uma menor procura de serviços para limpar este ano".

"Acho que as pessoas começam a não ter capacidade financeira para realizar as limpezas todos os anos", notou.

O engenheiro florestal reconheceu que o proprietário com possibilidades financeiras e que "sabe que vai ter que limpar se preocupa com isso e contrata para fazer muito cedo".

Com a chuva recente, referiu, há "áreas com alguma vegetação que pode levantar preocupações", mas, ainda assim, "se a limpeza tiver ficado bem feita, não haverá muito esse risco".

Por seu lado, Luís Damas salientou que várias associações de produtores florestais têm "equipas de sapadores que fazem este trabalho" e a cada ano sentem que há "um ritual das pessoas" de recorrerem aos serviços, "tanto dos sapadores como empresas especializadas na limpeza" destes terrenos, após as trágicas mortes nos incêndios de 2017.

Além da limpeza de 100 metros à volta dos aglomerados e de 50 metros em redor de habitações, o dirigente da FNAPF destacou que se está a "mudar a ocupação do solo, a tirar pinhal e eucaliptal e pôr outras culturas, que não sejam tão combustíveis, principalmente de uso agrícola, tanto vinhas como olivais, medronheiros".

"Portanto, também criar ali à volta das aldeias um cinturão de segurança, com ocupação diferente, que obriga também as pessoas todos os anos a terem a vinha, o olival tratado e também faz ali uma segurança às aldeias", apontou, assegurando que "é um caminho que se está a fazer".

Para já, Luís Damas, além do programa Condomínio de Aldeia - que apoia ações de alteração do uso e ocupação do solo e a gestão de combustíveis em redor dos aglomerados, financiado pelo Fundo Ambiental -, destacou a criação das áreas integradas de gestão da paisagem (AIGP), articulando o ordenamento e gestão da paisagem com o aumento de área florestal gerida a uma escala que promova a resiliência aos incêndios e a economia rural.

"Devido ao abandono, a área florestal neste território tem que ser diminuída e tem que ser intercalada com as tais cabras, os tais olivais, outros usos do solo, para que não tenha manchas continuas", advogou o dirigente da FNAPF, que congrega 41 organizações de proprietários e produtores florestais do continente.

Em resposta à Lusa, a AGIF - Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais explicou que a informação de âmbito regional (por concelhos e freguesias) sobre a evolução da gestão de combustível será feita pelos municípios e privados, a partir deste ano, via Plataforma Interoperável (Plis), pelo que só a partir de 2025 existirão estes dados "compilados e agregados".

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