Caso das Gémeas. Nuno Rebelo de Sousa rejeita crimes e diz que não pediu favores a Lacerda Sales
Arguido no processo das gémeas luso-brasileiras tratadas em Portugal com um medicamento de milhões de euros, o filho do Presidente da República rejeita os crimes que lhe são imputados - prevaricação e abuso de poderes -, e diz que não pediu favores ao ex-secretário de Estado e Adjunto da Saúde, António Lacerda Sales, também constituído arguido neste processo.
Numa exposição ao Ministério Público (MP), a que a revista Sábado teve acesso, Nuno Rebelo de Sousa detalha o encontro que teve com o antigo governante, já depois de ter sido interrogado no Brasil, onde reside, na sequência de uma carta rogatória enviada pelo Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa, a 26 de abril.
Nos esclarecimentos adicionais enviados ao MP, a defesa do filho de Marcelo Rebelo de Sousa indica, segundo a publicação, que os contactos que manteve com "o Presidente da República, com a respetiva Casa Civil e com membros do Governo de Portugal" no caso que investiga um alegado favorecimento das gémeas luso-brasileiras com atrofia muscular espinal (AME) no acesso ao medicamento Zolgensma, foram feitos "na qualidade de Presidente da Câmara Portuguesa de Comércio de São Paulo e da Federação das Câmaras de Comércio Portuguesas".
Acrescenta a revista que, ao contrário dos factos constantes da carta rogatória, Nuno Rebelo de Sousa refere que "tais contactos nunca foram levados a cabo em razão ou por força da sua qualidade de filho do Presidente da República Portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa, nem tendo em vista qualquer influência deste junto do Governo de Portugal ou dos hospitais públicos portugueses".
Na exposição enviada ao DIAP de Lisboa, Nuno Rebelo de Sousa refere que "não conhece pessoalmente" nem os pais das gémeas, nem as crianças. Conta que tomou conhecimento do caso quando a mãe das gémeas enviou informação "por WhatsApp, através de uma conhecida em comum que sabia que exercia funções na Câmara Portuguesa de Comércio de São Paulo, juntamente com os documentos médicos das crianças e um pedido de informação sobre o médico especialista em AME em Portugal".
Nuno Rebelo de Sousa diz, por isso, que os pais das gémeas não lhe pediram ajuda "para que o fármaco fosse administrado às suas filhas em Portugal", referindo que o que recebeu foi um pedido de ajuda para contactar um médico especialista, escreve a Sábado.
Sobre o contacto com o Presidente da República, o advogado de Nuno Rebelo de Sousa assegura que o filho do Presidente "não solicitou a Marcelo Rebelo de Sousa, seu pai, para que intercedesse junto de qualquer elemento do Governo responsável pela área da saúde para o que quer que fosse, nem o fez, certamente, para que fossem marcadas consultas com a Dra. Teresa Moreno nem para que o fármaco Zolgensma fosse administrado a Lorena e Maitê".
Já sobre o encontro com Lacerda Sales, a 7 de novembro de 2019, refere que "essa reunião não foi agendada para discutir o assunto das crianças luso-brasileiras, nem nela solicitou" ao governante "que diligenciasse no sentido indiciado na carta rogatória". A reunião, diz a defesa do filho do Presidente, foi no âmbito da Web Summit, e contou com a presença de dois empresários brasileiros, acionistas de um dos maiores hospitais privados de Brasília, tendo sido anexado à exposição fotografias do encontro.
António Lacerda Sales, recorde-se, é também arguido neste processo que investiga um alegado favorecimento das gémeas com atrofia muscular espinal no acesso ao medicamento Zolgensma que tem um custo de dois milhões de euros por pessoa.
O filho do Presidente da República, prossegue a publicação, admite que falou do caso das gémeas a 10 de novembro ao ex-governante, quando enviou uma mensagem de agradecimento a Lacerda Sales pela reunião. "Talvez o gabinete do Secretário de Estado da Saúde pudesse ajudar relativamente à obtenção da informação que procurou obter junto da Presidência da República", considerou, na altura. Enviou então a Lacerda Sales "a informação e os documentos que Daniela Martins [mãe das gémeas] lhe havia remetido e que por si já havia sido reencaminhada para a Presidência da República, pedindo o contacto dos médicos especialistas em AME que os pais já tinham tentado contactar e perguntando sobre quais os tratamentos disponíveis em Portugal".
Nuno Rebelo de Sousa garante que "não solicitou a António Lacerda Sales que exercesse qualquer pressão junto da direção clínica e do departamento de pediatria do Hospital de Santa Maria para que fosse marcada a consulta das crianças nem para que fosse dado um andamento célere e favorável à administração do Zolgensma", segundo a exposição enviada ao MP, indica a Sábado, dando ainda conta de que a defesa de Nuno Rebelo de Sousa acrescenta que na sequência desse contacto, Lacerda Sales disse que "iria levantar a informação pedida".
O filho de Marcelo Rebelo de Sousa, recorde-se, fez saber à comissão parlamentar de inquérito sobre o caso das gémeas que recusa prestar esclarecimentos, admitindo estar presente em audição "em momentos futuros", segundo um documento ao qual a Lusa teve acesso.
O Chega, que preside à comissão parlamentar de inquérito, já fez saber que poderá avançar com uma queixa crime por desobediência contra o filho do Presidente da República.