A Carris garantiu ontem que cumpriu todas as regras e os prazos das manutenções e reparações periódicas – diárias, mensais e plurianuais – ao Elevador da Glória, que na passada quarta-feira descarrilou, num acidente que resultou na morte de 16 pessoas e em ferimentos graves noutras dez. O tema das manutenções em dia, levantado numa conferência de imprensa em que o presidente da empresa, Pedro Bogas, explicou pormenores técnicos e financeiros dos contratos, podem ajudar a explicar o acidente, mas também têm uma importância crucial nas eventual responsabilidade civil da empresa. Questionado sobre se os vários ascensores ao serviço da Carris têm o mesmo tipo de seguro que os elétricos e os autocarros, Pedro Bogas respondeu afirmativamente. Eacrescentou que “a Fidelidade, a seguradora da Carris, já está a tomar conta do processo”. ODN teve acesso ao contrato de seguro que a Carris celebrou com a Fidelidade, em novembro de 2023, que prevê o pagamento de 11,7 milhões de euros em prémios de seguro de responsabilidade civil automóvel, acidentes de trabalho, multirriscos e responsabilidade civil de exploração, com a validade de três anos. Será ao abrigo deste contrato que as vítimas diretas e indiretas deverão pedir e ser indemnizadas pelos danos causados pelo acidente com o Elevador da Glória. Se o capital da apólice não for suficiente para compensar os danos em causa, o remanescente da fatura passa para a Carris, que é uma empresa municipal. Em última análise, a responsabilidade passa para a autarquia dirigida por Carlos Moedas.“Independentemente da existência ou não de culpa imputável à Carris ou à empresa externa que assegura a manutenção, existe a obrigatoriedade de indemnizar as vítimas e suas famílias”, disse ao DN Rui Amorim Mesquita, advogado especialista em seguros e Responsabilidade Civil e sócio da Antas da Cunha Écija.Apesar de considerar que “o processo de apuramento poderá demorar seis meses ou mais”, o jurista defende que os familiares das vítimas devem reclamar os seus danos o mais rapidamente possível junto da seguradora Fidelidade – que é a companhia responsável pela responsabilidade civil da Carris _ mas também junto dos das suas próprias seguradoras. Se a maioria dos passageiros do funicular acidentado eram turistas de nacionalidade estrangeira, “que poderão ter seguros de viagem”, também havia quem estivesse no percurso entre o trabalho e a casa ou em pleno exercício de funções laborais, como o caso do guarda-freio do veículo ou das duas funcionárias da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Nesse caso, “os familiares devem acionar o seguro de acidente de trabalho, independentemente de procedimentos posteriores”, recomenda aquele especialista.Em causa, com este acidente, pode estar um valor de vários milhões de euros em indemnizações. O montante das compensações por morte em Portugal têm variado ao longo do tempo. Se por ocasião do acidente da queda da ponte de Entre-os-Rios, o valor de indemnização rondou os 50 mil euros, nos incêndios de Pedrógão, em 2017, esse valor chegou aos 80 mil euros. Mas, em função do juízo dos tribunais, pode ser mesmo superior a 100 mil euros, contextualizou Rui Amorim Mesquita, em declarações ao DN.Tomando apenas aqueles valores como referência e só compensando exclusivamente as 16 mortes, estaríamos a falar de um valor superior a dois milhões de euros. Mas, como lembra Rui Mesquita, há toda uma série de rubricas que vão dos danos morais aos danos morais de herdeiros, à perda de rendimentos de familiares, bem como às despesas com pensões vitalícias, e de incapacidade, despesas de funerais, cirurgias, tratamentos, que encarecem sobremaneira o valor global das indemnizações.“Se o capital da apólice não for suficiente para acautelar todas essas despesas, a responsabilidade nesse caso passa para a Carris e, sucessivamente para a Câmara Municipal de Lisboa e, em último caso, para o Estado”, explica o especialista em seguros e responsabilidade civil.Quanto ao inquérito aberto para apuramento de responsabilidades, a expectativa é que demore vários anos, lamenta Rui Mesquita.ODN contactou igualmente a Fidelidade, para perceber até que montante em responsabilidades civis o seguro contratado cobre, mas a seguradora escusou-se a dar pormenores, pelo menos até à conclusão do relatório pericial.