No dia 26 de maio de 2020, em plena pandemia de covid-19, Maria - vamos chamar-lhe assim, por nos ter pedido a proteção da sua identidade -, hoje com 69 anos, acompanhava a mãe ao Serviço de Urgência do Hospital São Francisco Xavier, em Lisboa, após ter sofrido um episódio de doença. Ao fim de algum tempo, já perto da meia-noite, Maria decidiu ir às casas de banho, na altura, improvisadas devido à covid, com lavatórios no exterior e com tubos por cima do passeio, para fazerem o escoamento das águas para o esgoto. “Saiu da casa de banho, lavou as mãos e, no escuro, não viu o tubo, caiu e partiu o pé. Deu logo entrada naquela urgência para ser tratada. Fez um RX e não foi possível ter a certeza se tinha fratura, mas depois uma TAC confirmou múltiplas fraturas no pé direito”, explica a advogada Rita Duarte, que há dois meses foi nomeada para o caso. .Em cinco anos, houve 3267 quedas de utentes ou de profissionais em hospitais. “É uma grande preocupação”.Segundo explica ao DN, e como é referido no documento da alta, o pé de Maria foi imobilizado com gesso e ela, depois de passar uma noite em observação, acabou, por vontade própria, por ser transferida no dia seguinte para o hospital da sua área de residência para ali continuar os tratamentos.A partir daqui, “nunca mais voltou a ter a sua vida normal”, conta Rita Duarte. Aliás, destaca, no processo a que teve acesso quando o assumiu a 4 de abril, e depois de o colega que tinha a ação pedir a sua substituição, está demonstrado que, ao fim destes cinco anos, “Maria continua em recuperação. Continua a tomar medicamentos para as dores”. Só que, neste entretanto, “teve de deixar a atividade que realizava e através da qual auferia rendimentos. Ela dava apoio a pessoas de mais idade”.Para exemplificar, a advogada recorda que num relatório clínico, quase um mês depois da queda, é referido que a utente mantinha tratamentos injetáveis para evitar coágulos, aplicação de pomadas e medicação para as dores. E, em agosto desse ano, o tratamento era o mesmo. “Esperava-se que fosse algo ligeiro, mas nunca mais recuperou. Na totalidade, a Maria já recebeu 690 injeções. Deixou de poder colocar o pé no chão, de andar normalmente e, quando voltou ao trabalho, deixou de poder fazer esforços, por causa das dores e abandonou a atividade”.Maria foi das utentes que se queixou e que procurou que o hospital onde caiu assumisse responsabilidades pela situação. Dias depois do acidente, a 1 de junho de 2020, enviou a primeira carta à administração do São Francisco Xavier a explicar a queda, que associa à colocação da tubagem do lavatório, e com fotografias tiradas por si. No final, pedia à unidade que assumisse responsabilidades pelas despesas que estava a ter.O hospital não lhe respondeu e ela volta a enviar nova carta no dia 22 de junho. A esta o hospital já respondeu dizendo que a tubagem colocada em cima do passeio servia para escoamento dos lavatórios provisórios e que estava sinalizada, tendo esta sido reforçada. Maria discorda e diz que não havia sinalização. O São Francisco Xavier afirma ainda lamentar o sucedido e que não podia atender ao solicitado. Um ano mais tarde e sem grandes melhoras, a 1 de outubro de 2021, Maria entrou com uma ação na Justiça, num tribunal cível, que não surtiu efeito. Mas a 16 de dezembro de 2022 mete nova ação, desta vez no Tribunal Administrativo, por se tratar de um hospital público, que é a que ainda decorre.Além da morosidade da Justiça neste processo, Rita Duarte destaca a atitude de “displicência” do hospital, que, numa das primeiras comunicações à utente, acaba por dizer que “não sabe da queda, quando esta teve de ficar registada, porque a Maria deu logo entrada na urgência para receber tratamento. Nem sequer teve o cuidado de confirmar a situação junto dos registos clínicos. Numa segunda comunicação, assinada pela enfermeira-chefe, é então que explica a colocação dos tubos, a sinalização e os motivos pelos quais não podem atender ao pedido de a ressarcir nas despesas”.No entendimento da jurista - que já ganhou em primeira instância o caso de Joana Reais contra a CP (perdeu uma perna por o comboio ter começado a andar com a porta aberta, provocando a sua queda), que foi obrigada a pagar-lhe um milhão de euros - “uma situação destas, seja numa instituição do Estado ou não, há responsabilidades. Colocar estruturas que não estão devidamente sinalizadas e iluminadas, e esperar que nada aconteça, é uma falta de responsabilidade”.Por isso mesmo, Rita Duarte, tendo em conta os danos que a sua constituinte teve na sua vida nestes cinco anos, vai solicitar uma indemnização entre 80 mil a 100 mil euros. “Vamos sublinhar as circunstâncias dos factos e os danos que estes provocaram na vida de Maria”, considerando ainda que “a utente poderia ter sido assistida de outra forma, se tivesse havido mais articulação entre os vários hospitais por onde passou. Por exemplo, não ter tido a necessidade de repetir exames, de fazer tantas colheitas de sangue e até de fazer tantas injeções”.Neste momento, conta Rita Duarte, o estado psicológico de Maria é de “exaustão” e de descrença, “não tem forças para acreditar que o caso terá um desfecho. Foram cinco anos muito difíceis, teve de deixar de trabalhar, teve de se reformar e ficou com menos rendimentos”. Mas, garante, “irei fazer tudo para que haja a assunção da responsabilidade e, consequentemente, que a vítima seja ressarcida de todas as despesas que teve e que terá ainda, pela perda de autonomia, pela dor, desconforto e pela diminuição da sua vida social”.Questionada pelo DN sobre se seria necessário um enquadramento jurídico diferente para este tipo de situação, quedas em hospitais, Rita Duarte considera que este já existe, quando são tratadas na Justiça. Mas, sublinha, “numa área como a da Saúde, em que este episódio ocorre e pode ser imediatamente verificado por outras pessoas, até pelo registo de tratamento, as próprias unidades deveriam ter soluções internas para as resolver”.Sobre o caso que tem agora em mãos, a jurista reconhece a coragem de Maria para o levar até à Justiça, pois considera que “a esmagadora maioria dos doentes que sofre um episódio destes não o faz, não se queixa porque, provavelmente, não quer passar este calvário”. Mas defende: “Numa sociedade cada vez mais informada, as pessoas têm de perder o medo daquilo que é o reverencial e empoderar-se de conhecimento.”O DN contactou o hospital em causa sobre a situação pedindo um comentário, mas a resposta que recebeu foi: “Estando um processo a decorrer na justiça, não se considera oportuno prestar comentários adicionais. A segurança dos doentes e acompanhantes é uma preocupação permanente da ULS Lisboa Ocidental, que tem procurado adotar as medidas adequadas nas suas diferentes unidades.”