A questão que atualmente se coloca sobre o café não é se vai ficar mais caro no bolso do consumidor, mas quando é que isso vai acontecer..No início deste ano, a perspetiva era um pouco mais otimista. A previsão de uma colheita de café “extraordinária” antevia uma estabilização dos preços, apesar de algumas incertezas relacionadas com o transporte da matéria-prima..Seis meses depois, o cenário é bastante distinto, com o preço do grão de café a atingir máximos que não se viam há, pelo menos, uma década (mais 8,9% em junho, face ao mês anterior, diz a Organização Mundial do Café). O impacto na carteira do consumidor em Portugal será, por isso, inevitável, como anteveem os vários intervenientes neste mercado..Ao DN, Jorge Marçal afirma que com a oferta mundial de café a cair e a procura a aumentar cerca de 2% ao ano, ao longo dos últimos anos, o aumento de café nos mercados internacionais seria uma consequência evidente..A este fator, o administrador da Portela Cafés, empresa com 37 anos de experiência na torrefação, junta “a especulação na Bolsa de Londres, onde se transacionam os cafés de variedade robusta, e na Bolsa de Nova Iorque, onde são transacionados os grãos de variedade arábica”. E, como se não bastasse, o responsável recorda igualmente o impacto das alterações climáticas e do aumento do custo dos transportes, nomeadamente pela alteração de rotas forçada pelos ataques dos Houthis no Mar Vermelho, desde há uns meses..No caso das alterações climáticas, o principal impacto materializa-se na redução da produção, mas também numa diminuição da qualidade dos grãos de café. .“O Vietname e a Indonésia, principais produtores da variedade robusta, muito importante para a produção de café expresso, baixaram as suas produções nos últimos anos e o Brasil, maior produtor mundial, com safras boas, mas menores do que esperado, não tem conseguido compensar esta quebra de produção mundial”, recorda Jorge Marçal..Por outro lado, lembra Nuno Mello, responsável de Vendas da corretora online XTB em Portugal, houve, nos últimos anos, uma alteração nos hábitos de consumo mundiais. O café da variedade arábica era, até há uns anos, o mais consumido no mundo e, por isso, comercializado a um preço mais elevado. Para contrariar esta tendência, “os principais mercados consumidores, entre os quais Portugal, e onde a variedade robusta é muito mais consumida que a arábica, começaram a comprar mais quantidade da variedade mais barata”, explica. Atualmente, acrescenta Nuno Mello, os preços são equivalentes, o que se traduz numa subida generalizada. .Margens esmagadas fazem subir preços.A subida de cerca de 200% em pouco mais de um ano está a tornar o negócio da torrefação e da distribuição de café muito mais desafiante. “Não temos forma de sustentar sozinhos e acomodar nas nossas margens uma subida de 200% no café robusto”, dizia em maio Rui Miguel Nabeiro..O CEO da Delta Cafés assumia, na altura, “a certeza” de que o consumidor acabará por pagar o café mais caro. Uma opinião partilhada por Jorge Marçal, que explica que os torrefatores, face à subida da sua principal matéria-prima, “terão de atualizar os preços e procurar fórmulas de fabrico alternativas para conseguir manter as suas margens, o que resultará num aumento generalizado de preços e alguma quebra de qualidade do produto final em toda a cadeia de distribuição”..A concorrência de países que habitualmente consumiam maior quantidade de café da variedade arábica e que, desde a pandemia, aumentaram as suas compras de robusta, é também um fator de preocupação para o setor em Portugal, como revela Cláudia Pimentel..Em paralelo, diz a secretária-geral da Associação Industrial e Comercial do Café (AICC), o aumento do consumo de café pelos países asiáticos faz pressão sobre a procura, com impacto nos preços. A este blend de preocupações, a responsável da associação junta ainda as alterações legislativas na Europa “que estão a impactar os stocks e os preços, não se antevendo uma redução no preço mesmo a médio prazo”. .A boa notícia, avança, é a expectativa da entrada de novos mercados produtores, entre os quais o Uganda, que tem aumentado a sua capacidade produtiva, ou Angola - chegou a ser o segundo maior produtor de café mundial -, que procura retomar uma atividade que tinha perdido peso na sua economia. .“Temos de conjugar vários fatores, não ser pessimistas, mas as peças do jogo mudaram e é preciso adaptar-nos”, conclui.