Se Maluda vivesse hoje talvez pintasse as janelas de Lisboa com a inclusão de um pormenor que, na altura em que seus quadros encantaram Portugal, ainda nem existia: os cabos para o carregamento de veículos elétricos. A cena tem-se espalhado pela cidade. Ao estacionar o carro na rua, num lugar comum, o condutor sai, vai ao interior do prédio, sobe à sua fração, larga o cabo pela janela, volta ao exterior para conectar a ferramenta e pronto, segue a vida descansado enquanto a carga ocorre..A situação tem-se multiplicado pelas ruas da capital, conforme testemunhou o DN. Na Rua do Triângulo Vermelho, na Penha de França, por exemplo, uma janela num segundo andar garante o acesso do cabo de um carro branco a uma tomada no interior da fração. Por ser num edifício baixinho, e a rua tendo um passeio mais estreito, o peão tem mesmo de ter atenção. Um passo para o lado e a cabeça vai contra o cabo..Na Rua do Triângulo Vermelho um peão pode bater no cabo do carro a carregar. Foto: direitos reservados..Já na Freguesia de Santa Clara, a calçada na Estrada da Ameixoeira é mais espaçosa. Um cabo cor de laranja de um carro estacionado sobe para o 1.º andar e entra primeiro pela varanda da fração, com o excedente do fio a ser enrolado nas grades. Enquanto o carro carrega, há alguém, que, tranquilamente, aproveita o dia de sol e tempo bom para estar ao portátil, numa mesinha na varanda. A concentração é grande, ou talvez esteja a usar auriculares, já que não reage à abordagem. “Senhor, pode-se carregar o carro assim?”, pergunta-se da rua, sem sinal de resposta..Da poupança à falta de postos.O facto é que, de acordo com a Associação de Utilizadores de Veículos Elétricos (UVE), “efetivamente é ilegal fazer ligações com extensões elétricas que ocupem a via pública, quer seja para carregar um veículo ou qualquer outra finalidade. As autoridades podem atuar nessas situações por ocupação de via pública”, explica um dos dirigentes, Telmo Azevedo, ao DN..Este tipo de solução é, num primeiro momento, motivado pela economia. Segundo um estudo da UVE, carregar um veículo elétrico com energia de casa custa entre 2 e 3 euros por quilowatt, enquanto num posto público a média ronda os 7 a 8 euros. “Os tarifários atualmente aplicados também não ajudam para carregamentos de longa duração, durante a noite, por exemplo, pois além da energia consumida é contabilizado o tempo de ligação ao posto”, acrescenta Telmo Azevedo..Outro motivo poderá ser a dificuldade de carregar o veículo de forma correta. “A oferta de serviços de carregamento na cidade de Lisboa é muito escassa face à atual procura, e alguns dos postos estão com problemas técnicos”, afirma o dirigente..A rede LEVE, gerida pela EMEL, tem hoje 56 postos, distribuídos entre nove parques de estacionamento e três ilhas de carregamento rápido, no Restelo, Parque das Nações e Campo Grande, informa a empresa ao DN, acrescentando que a oferta está a ser “progressivamente” expandida, com previsão de, “ao longo do próximo ano, instalar mais 26 postos de carregamento na via pública e aumentar para 16 o total de parques de estacionamento EMEL com pontos de carregamento”..Até ao aumento da rede oficial, as janelas de Lisboa devem continuar a ser utilizadas para viabilizar carregamentos mais baratos e práticos. Talvez a arte contemporânea faça registos destas cenas, já que nem a Polícia Municipal de Lisboa, nem a Polícia de Segurança Pública responderam ao DN até ao fecho desta edição sobre a fiscalização quanto aos cabos ao alto..caroline.ribeiro@dn.pt