A notícia de que os médicos tarefeiros do Serviço Nacional de Saúde poderiam fazer parar as urgências do país assustou o Governo, que, segundo apurou o DN, poderia tentar alegar que se tratava de uma ação ilegal promovida por empresas que detêm uma posição de domínio nos serviços médicos prestados aos hospitais públicos. A situação testa os limites da legislação laboral e, se por um lado os médicos tarefeiros procuraram entretanto reduzir a tensão, garantindo que nunca esteve em causa uma paralisação das urgências, por outro o Governo teria muita dificuldade em obrigar essas empresas a cumprir uma espécie de serviços mínimos, disse ao DN o constitucionalista Rui Lanceiro..Médicos tarefeiros dizem que paralisação das urgências não esteve em causa e que já pediram reunião à ministra para negociar.“A lei da mobilização civil, para a prestação de serviços mínimos, foi mais pensada para as relações laborais ‘à antiga’, com base nos contratos de trabalho, e não propriamente para prestadores de serviços”. E, nesta perspetiva, “não estou a ver como é que o Estado poderia ou conseguiria obrigar uma empresa a prestar-lhe serviços”, refere Rui Lanceiro, acrescentando: “A não ser que se tratasse de uma situação de estado de catástrofe, de estado de emergência, como foi o caso da Covid-19, por exemplo”. A questão que se coloca é se estes médicos, que na sua esmagadora maioria são contratados por empresas de prestação de serviços, e eles próprios sem qualquer vínculo a estas, têm direito ou não a protestar. Aqui, a resposta é clara quando se fala de greve: “Não”, porque esta tem de ser decretada por estruturas sindicais, o que não é o caso. Conforme foi noticiado, este Movimento de Médicos Prestadores de Serviços (MMPS) foi criado em pouco tempo através do WhatsApp para discutir a situação da nova legislação que o Governo pretende colocar em prática como forma de regular a sua atividade. Portanto, nunca poderiam avançar para “uma greve constitucionalmente prevista”. Mas, explica o constitucionalista, “dentro do direito fundamental à livre iniciativa económica - que é o caso deles, já que exercerem a sua atividade económica, prestam serviços, está incluído o direito de não prestar serviços”. Ou seja, “como a Constituição prevê o poder de dar o direito a prestar serviços, inclui também o lado negativo da situação, que é o poder de alguém se recusar a prestar serviços a certas entidades”. Portanto, nesta perspetiva, os médicos recusarem-se a prestar serviços - ou simplesmente, como tinha sido noticiado, que apenas não iriam indicar a sua disponibilidade para trabalhar - é um direito constitucional que está protegido”. Na verdade, argumenta Rui Lanceiro, “o nosso direito do trabalho ainda está no século passado, e já estamos no século XXI, numa sociedade de prestadores de serviços, que podem dizer que não querem prestar serviços para uma entidade. É uma nova forma de protesto, mas parece que ainda ninguém pensou nisto constitucionalmente, porque o nosso quadro mental ainda está focado nas relações laborais à antiga”. Questionado sobre se os médicos tarefeiros levassem mesmo à paragem das urgência pela sua recusa de trabalho e se isto poderia ser um ‘lockout’ dos serviços, proibido por lei, o constitucionalista explica que não lhe parece que “caiba neste conceito”, destacando: “A Constituição assume a diferença entre trabalhadores e empregadores, e, por isso, permite a greve, a greve, que é um direito fundamental, mas proíbe expressamente o lockout”. Mas, “numa situação de uma empresa que tem prestadores de serviço, ou mesmo que fossem os prestadores de serviço a dizer que não estão disponíveis, isto não poderia ser considerado lockout”, porque, no limite, o que pode acontecer era “a empresa não ter disponibilidade para ser contratada, já que estamos no âmbito da prestação de serviços”. A não ser que “fossem empresas monopolistas ou com grande poder de mercado”. .Diploma sobre médicos tarefeiros estava previsto ir, de novo, a Conselho de Ministros, mas afinal não foi