"Bom dia mãe, bom dia pai", isto é uma burla

O conto do vigário está cada vez mais sofisticado e diversificado. Através do WhatsApp, os criminosos fazem-se passar por familiares e usam relação de confiança. Dizem que estão sem telemóvel e pedem para se fazer pagamentos.

Mensagens enviadas via WhatsApp estão a apelar aos pais para ajudarem o que têm de mais precioso: os filhos. Dirigem-se à mãe ou ao pai dizendo-lhes que têm problemas no telemóvel e pedem que façam um pagamento urgente. Criado o momento de aflição, os destinatários nem pensam em confirmar, não reparam na escrita deficiente nem questionam o comportamento invulgar do filho. E pagam. Percebem depois que foram vítimas de uma burla e que é impossível reaver esse dinheiro.

Estas burlas vão e vêm e ultimamente têm surgido com mais força. Os autores pedem montantes elevados e com métodos mais refinados, explica Carlos Cabreiro, o diretor da Unidade Nacional do Combate ao Cibercrime e à Criminalidade Tecnológica (UNC3T) da PJ. "Tivemos burlas idênticas, em que se tenta explorar o fator confiança e à volta da relação pai/mãe/filho/filha. Desta vez, estão mais sofisticadas, as mensagens são mais credíveis na abordagem. Chamamos a estas situações engenharia social, criam toda uma história para obter dados pessoais. Às vezes, fica-se com a sensação que, quem as escreve, tem conhecimento da pessoa, nomeadamente através das redes sociais."

Luísa Santos estava a trabalhar quando viu uma dessas mensagens no telemóvel, sem tempo para ligar a pormenores. "Bom dia mãe. Meu telemóvel avariou , tiver de deixar para arranjo, tou com este número [966187618] até às 18:00, qualquer coisa chama -me por aqui tabem". "Beijinhos". Não reparou nos erros, pensou nos enganos da escrita automática e não era a primeira vez que a filha tinha este tipo problemas. Além de que sabia que a rapariga estava a trabalhar, o que se prolongaria pela noite. Até gravou o novo número. Confirmou a receção e pediu para a filha ir dando notícias.

Minutos depois, nova mensagem com um emoji a perguntar se estava em casa. Respondeu que estava no trabalho e a conversa continua. "Conseguis um favor para mim?" (ver fotografia). Perante a afirmativa, o remetente diz que precisa de "pagar uma referência", mas não consegue porque a aplicação está no outro telemóvel. Conta a Luísa. "Foi a primeira vez que me pediu dinheiro, mas pensei que estava com problemas e pedi os dados para fazer o pagamento."

Vieram as indicações para pagar o serviço, com a entidade, a referência e o valor: 550 euros. Esta mãe pagou e tirou uma foto, que remeteu para o número em causa. Também enviou o comprovativo por email da filha, que perguntou: "O que é isto?". Percebeu que tinha caído numa armadilha. O criminoso preparava-se para fazer outros pedidos, continuando a enviar mensagens.

A entidade em causa é a HPAY-SAS, uma empresa que vende "soluções comerciais", onde qualquer pessoa se pode inscrever para receber pagamentos. Luísa Santos apresentou queixa à PJ e reclamou junto do banco, mas há pouca esperança de reaver o dinheiro: "À partida, não há reembolso, só se fosse uma clonagem de cartão".

Outra mulher recebeu o mesmo tipo de mensagens, através do 913255349, e só não caiu porque não as viu logo. Pediram-lhe para pagar uma conta de 1353 euros, a que respondeu horas depois. A mensagem foi apagada. O número não recebe chamadas e, segundo a PJ, pertence a cartões pré-pagos, que rapidamente se desativam.

A Deco é muitas vezes contactada por consumidores enganados. "Há uns anos era o phishing [mensagem ou email que é direcionada para um link com a intenção de roubar informação pessoal como dados de cartões e palavras-chave]. Nos últimos cinco anos, têm-se intensificado e os criminosos diversificam os esquemas para levar as pessoas a cair no conto do vigário. Não é a primeira vez que surge este tipo de mensagens no WhatsApp, que voltaram. Também há SMS escritas (smishing) e verbais (vishing), no fundo, a técnica é a mesma: pescar informação sigilosa", refere Luís Pisco, jurista da associação.

É criada uma história para obter dinheiro e, também, dados pessoais, nomeadamente de acesso a contas bancárias. "Pedem para se fazer transferências por mecanismos rápidos, como o MB Way, há situações em que vão mesmo para as contas bancárias utilizando as plataformas digitais. Exploram o imediatismo e a fragilidade da pessoa", sublinha Carlos Cabreiro.

A PJ tem feito detenções, "mas este crime está disseminado e envolve vários grupos. E estamos a falar de crimes informáticos que não têm fronteiras". "Temos vários casos em investigação para chegar aos autores e estamos mais preparados para lidar com estes novos meios de comunicação. Mas não posso dizer que estamos a obter grandes resultados", reconhece o diretor da (UNC3T).

Além das relações familiares, há fraudes mascaradas de CTT ou de EDP, por exemplo. A pessoa recebe mensagens a dizer que se esqueceu de pagar uma fatura, o que pode acontecer; outras que é preciso fazer um pagamento para receber uma encomenda e há muitas pessoas a fazer compras online. Burlas que aumentam nesta altura do ano, diz Luís Pisco.

ceuneves@dn.pt

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