Batida da noite volta às discotecas. Mas algumas vão "morrer na praia"
Corridos 18 meses desde o encerramento obrigatório de bares e discotecas, as luzes voltam a acender-se e a música volta a tocar. Porém, avisa associação do sector, haverá baixas.
Ao longo das décadas, espaços icónicos da movida lisboeta foram desaparecendo do circuito da noite da capital, permanecendo apenas na memória de quem, nos anos 80, 90 e inícios de 2000, por lá dançou. Contudo, com os bares e as discotecas a poderem reabrir portas já a partir da meia-noite, depois de uma longa espera de 18 meses, muitos podem mesmo não voltar a ligar as luzes. Em Lisboa e um pouco por todo o país. "Só no dia 1 de outubro é que vamos ver realmente quem vai, ou não, abrir portas. Houve muitas falências envergonhadas e pessoas que simplesmente não acusaram que estavam nessa situação, como é normal", explica José Gouveia.
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O dirigente da Associação Nacional de Discotecas (AND) revela, contudo, que existem casos conhecidos de espaços que tiveram o último suspiro durante a pandemia. "O antigo Kings & Queens entregou as chaves à Administração do Porto de Lisboa (APL), não sobreviveu. Esse é um caso que nos choca a todos porque era muito conhecido e funcionava em pleno, mas há outros que acabaram por desistir", lamenta. Contactados pelo DN, os sócios do espaço, entretanto renomeado como Bolero Lisboa, não quiseram prestar declarações, mas confirmam o encerramento da discoteca. Por outro lado, e apesar de reforçar que apenas a partir de amanhã se descobrirá que negócios não regressam à noite, José Gouveia sublinha ainda que "outros espaços vão morrer na praia" e não terão condições para "aguentar" de portas abertas. Em causa, diz, está o esforço financeiro acumulado ao longo dos 18 meses de encerramento.
Vale a pena recordar que, em março de 2020, no período do primeiro confinamento nacional, praticamente todas as atividades económicas não essenciais foram obrigadas a encerrar para travar a propagação do novo coronavírus. Desde 16 de março, a sociedade foi, a passo e passo, reabrindo diferentes sectores de atividade, mas os bares e as discotecas mantiveram-se de portas fechadas. "Mesmo fechados, estes negócios são muito pesados e têm custos associados muito elevados. Um exemplo que tenho dado frequentemente é o do valor mensal de um contador de eletricidade, que será de cerca de 300 euros. Ao fim destes quase 18 meses, estamos a falar de quase seis mil euros", realça José Gouveia. No pote das despesas, juntam-se ainda custos com seguros, funcionários e todas as contribuições à Segurança Social que, diz o responsável da AND, foram exigidas aos empresários durante este período.
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Porém, a pandemia de covid-19 e a suspensão da atividade que se seguiu foi apenas mais um trambolhão para as contas de muitos negócios da noite, já que o primeiro trimestre do ano é, tradicionalmente, o "mais parado". A recuperação, aponta José Gouveia, tem lugar precisamente a partir de março, o que não aconteceu em 2020. "Ao fim de um mês, já tinha recebido telefonemas de vários empresários a dizer que já não tinham dinheiro para pagar salários", revela. A AND estima que "esteja falido cerca de 60% do tecido empresarial desta área", mas Fernando Neto Pereira, sócio dos clubes Jamaica e Tokyo, não é tão pessimista. "Pode ter acontecido que um ou outro espaço tenham apresentado falência para não estarem a ter custos, mas, entretanto, montou-se outra empresa e abrem novamente. Não acredito que os espaços tenham desaparecido", diz.
Olhos postos no futuro
Nomes como o Jamaica, Tokyo ou Europa fazem parte do imaginário de todos os frequentadores da noite lisboeta das últimas décadas. Mantiveram-se naquela que é conhecida como "a rua Cor de Rosa", no Cais do Sodré, enquanto puderam, mas a vontade do senhorio em recuperar o imóvel e dar-lhe outro destino acabou por empurrá-los para outra zona da cidade. Apesar do acordo firmado com o proprietário prever a saída das discotecas apenas quando tivessem a nova casa pronta, os empresários decidiram antecipar a mudança em consequência da pandemia. "O Tokyo e o Jamaica não fizeram, durante anos, distribuição de lucros exatamente porque sabíamos que vinha aí um investimento muito grande", conta ao DN Fernando Neto Pereira. O sócio e arquiteto do novo Cais do Gás, junto ao Porto de Lisboa, para onde se vão mudar os três ícones da noite lisboeta, explica que as obras estão a decorrer com atraso e que a abertura dos novos espaços dos três deverá acontecer no primeiro trimestre de 2022.
O que lá vem é, garante, um futuro melhor. Neste complexo de edifícios a que chamaram Cais do Gás, haverá mais área disponível para dançar durante toda a noite, melhores condições de trabalho para artistas e funcionários, mas, sobretudo, melhor serviço para os clientes. "O Tokyo e o Jamaica vão ficar com o logradouro, que é praticamente da mesma área dos espaços antigos, e onde haverá eventos ao final da tarde, zona de petiscos a meio da noite e uma área para fumar", adianta. Acabou-se o "aperto característico do Jamaica" e deu-se um novo palco para os concertos do Tokyo, assegura. É um novo capítulo que fará perdurar a história daquelas que estão entre as discotecas mais conhecidas da capital.
De volta à pista de dança
"Finalmente, não estamos a ser vistos como marginais, mas como algo de que, de facto, a sociedade necessita", afirma José Gouveia, referindo-se aos episódios de violência e acumulação de pessoas na zona de Santos. Para o dirigente da AND, este é um sinal de que as pessoas precisam de voltar a ter espaços como bares e discotecas, sujeitos a regras, onde possam encontrar-se com amigos e relaxar em segurança. O regresso tem, desde a semana passada, data marcada para 1 de outubro.
Muitos negócios planeiam voltar à pista de dança logo a partir da meia-noite, com festas que assinalam a reabertura sem limite de clientes, de horário e, mais importante, com o fim da utilização obrigatória de máscara no interior. Para entrar, será preciso apresentar certificado digital ou teste negativo à covid. "Não estávamos à espera de tanto nesta terceira fase do desconfinamento", admite.
Na lista de regressos contam-se, por exemplo, o Village Underground, em Alcântara, o MusicBox Lisboa, no Cais do Sodré, ou a mítica discoteca Lux Frágil, em Santa Apolónia. No Village, a festa arranca às 00h01 com música pela noite dentro assegurada por Gustavo Rodrigues e que só deverá terminar às 06h00. Para o fim de semana, a agenda está cheia para celebrar o "fim das danças sentadas", lê-se na página oficial do espaço. Escondido no famoso túnel da rua Cor de Rosa (o seu nome verdadeiro é Rua Nova do Carvalho), no Cais do Sodré, o MusicBox Lisboa volta também a fazer estremecer as paredes com um DJ set agendado para a madrugada de sexta-feira, com o ator Nuno Lopes a assumir as rédeas na mesa de mistura.
Já o Lux Frágil, que se transformou em cafetaria nos últimos meses, regressou às redes sociais para anunciar a reabertura de portas para voltar a fazer o que melhor sabe: servir imperiais e pôr toda a gente a dançar. "Somos muito bons a tornar o deboche num assunto sério e a dança numa função vital", lê-se no comunicado publicado na sua página oficial.
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