A notícia avançada na manhã desta quarta-feira, dia 5, de que há um grupo de médicos tarefeiros dispostos a fazerem parar as urgências do país como protesto contra a aprovação do diploma que regula a sua atividade sem qualquer negociação surpreendeu alguns. O anúncio foi feito através do jornal Público, na sua edição deste mesmo dia, onde era também explicado que a decisão desta forma luta tinha sido tomada por um grupo de médicos tarefeiros, criado recentemente através do WhatsApp, que já reúne mais de mil profissionais, por se sentirem "ostracizados" e "excluídos das decisões". Um protesto que, a acontecer, será inédito e à semelhança do que aconteceu há dois anos, com o a criação do Movimento dos Médicos em Luta, que apelou aos colegas para "não realizarem nem mais uma hora extra, além das legais", e que teve forte impacto também nas urgências. É que aos médicos tarefeiros, como não têm qualquer vínculo às unidades do Serviço Nacional de Saúde (SNS) que os contratam - muito deles até são contratados através de empresas de prestação de serviços para a área da Saúde -, basta-lhes dizer que não estão disponíveis para trabalhar. Quem está no terreno sabe que se estes médicos avançarem com tal protesto, “a maioria das urgências do país pode parar", já que, hoje em dia, e segundo dados oficiais, estes médicos já são mais de quatro mil e asseguram sobretudo as escalas nos serviços de urgência, embora também já haja especialistas a fazer consultas e até cirurgias. Por isso mesmo, e em declarações ao DN, o bastonário dos médicos, Carlos Cortes, pede a quem está disposto a avançar para um protesto desta natureza que não perca “a noção do compromisso médico, que é salvar vidas”, embora entenda “a razão do protesto”.E esta reside na aprovação do diploma que pretende regular a atividade de prestação de serviços médicos, ou seja, dos médicos tarefeiros, que foi aprovado na reunião de Conselho de Ministros (CM), do dia 22 de outubro. Um diploma que, segundo estes médicos, foi aprovado sem ser discutido com quem está a desempenhar tais funções no terreno e até sem o dar a conhecer aos próprios sindicatos na "íntegra". Como já tinha confirmado anteriormente ao DN a presidente da Federação Nacional dos Médicos (Fnam), Joana Bordalo e Sá: "Só tivemos acesso a excertos do diploma". E 15 dias depois da sua aprovação, embora não se saiba ainda quando entrará em vigor, este grupo de médicos vem dizer que está preparado para defender, “sem receios nem hesitações”, a valorização dos tarefeiros. “Os sucessivos ministérios da Saúde têm-nos tratado como médicos de segunda classe, ignorando o valor, o sacrifício e a dedicação de quem assegura a linha da frente das urgências hospitalares”, contestam.Embora não se conheça o teor do diploma, na altura da sua aprovação foi referido que algumas das regras, como tabelas de remuneração, iriam ser alteradas, diferenciando médicos tarefeiros especialistas dos médicos sem especialidade, acautelando também que estas não ultrapassem a remuneração dos médicos dos quadros do SNS. E definindo também que quem sai do serviço de público não se pode tornar depois um médico tarefeiro, como já acontecia até aqui. Ao DN, o bastonário dos médicos sublinha que “o contributo que os médicos tarefeiros têm tido no funcionamento do SNS não pode estar em causa”. "Penso que disto ninguém tem dúvidas e tem de ficar claro”, mas concorda que existem "situações que têm de ser esclarecidas e reguladas, nomeadamente a grande diferença que existe na forma do SNS lidar com os tarefeiros e como lida com os seus médicos dos quadros”. Carlos Cortes diz ainda perceber a razão que está na origem da insatisfação dos médicos tarefeiros. No entanto, e como bastonário, diz ter de alertar os seus pares para "a dimensão e consequências que pode ter um protesto nas urgências, caso este venha a acontecer", relembrando: “O nosso compromisso como médicos é a defesa do doente e salvar vidas". Um princípio que integra também a "principal missão da Ordem", que "é defender os doentes, os cuidados de saúde e o SNS”.Mais. Para Carlos Cortes, “este é o princípio que nunca podemos esquecer", porque integra também "uma questão ético-ideológica". Portanto, se existir um protesto desta natureza, “é um protesto do qual a Ordem dos Médicos tem, de alguma maneira, de se distanciar. Os serviços de urgência são de enorme sensibilidade”.No entanto, reforça igualmente, que em todo este processo "há algo que me incomoda substancialmente, que é o o diploma ter sido preparado sem diálogo nenhum, porque durante os últimos anos os médicos tarefeiros foram absolutamente necessários para assegurar o SNS. E agora? Já não servem? Não pode ser assim”. O bastonário sublinha que "em matérias laborais a Ordem não interfere, mas tem de reconhecer que esta negociação não foi bem conduzida”. Durante a tarde desta quarta-feira, o ministro da presidência, Leitão Amaro, durante o briefing do Conselho de Ministros, reconheceu que o Governo percebia que houvesse pessoas que não aceitassem as regras que constavam do diploma sobre a regulação da atividade da prestação de serviços, mas apelava aos médicos que estão dispostos a avançar com um protesto nas urgências para que “mantenham o espírito de serviço aos utentes”.O DN tentou durante o dia entrar em contacto com alguns dos médicos que integram este grupo, mas não foi possível até ao momento.