Nos primeiros seis meses do ano, o número de utentes em lista de espera para uma primeira consulta nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde (SNS) aumentou, tal como o número dos que aguardavam fora do tempo regulamentar. Nas áreas da oncologia e da cardiologia, também houve mais consultas programadas, mas também mais tempo de espera. O mesmo aconteceu nas áreas cirúrgicas. Esta realidade está traçada na monitorização feita pela Entidade Reguladora da Saúde (ERS) aos tempos de espera nos hospitais do SNS já em 2025, e leva o presidente da Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares (APAH) a esclarecer que “esta pode fazer com que se pense que o SNS teve um mau desempenho. Não é isso, porque, e como diz a ERS, a atividade dos hospitais, quer em termos de consultas e de cirurgias, tem vindo aumentar, muitas vezes até na ordem dos dois dígitos. O que acontece é que a procura de cuidados é cada vez maior e o SNS não está a ser capaz de acompanhar esta procura”.De acordo com a monitorização da ERS, até final de junho foram realizadas 681.162 primeiras consultas, o que corresponde a um aumento de 2,5% na atividade face ao período homólogo de 2024. A este número há ainda a juntar 19.014 primeiras consultas, com suspeita ou confirmação de doença oncológica, o que também representa um aumento de 6,8% em relação ao ano passado. No que toca às consultas na área da cardiologia, o relatório indica que foram realizadas 23.063 primeiras consultas, o que representa o maior aumento de consultas nesta área nos hospitais do SNS, 75,8% face ao mesmo período de 2024. Só que, e como reforça Xavier Barreto, “não são suficientes e não serão, porque Portugal tem cada vez mais uma população envelhecida e a procura de cuidados irá continuar a aumentar".A questão é que o mesmo documento destaca que a 30 de junho de 2025, havia quase um milhão de utentes à espera de uma primeira consulta (974.770), mais 25,6% do que em 2024, sendo que 56,6% destes já aguardavam fora do Tempo Máximo Regulamentar Garantido (TMRG), embora esta seja uma percentagem idêntica à do mesmo período de 2024.No entanto, para o presidente da APAH esta realidade “deveria era levar os nossos governantes e decisores da Saúde a repensar a forma como o sistema de acompanhamento de doentes está organizado. É um sistema que não serve e precisa de reformas profundas”. .Mais de 1500 doentes oncológicos aguardavam cirurgia em julho fora do tempo recomendado. Xavier Barreto sublinha até que as conclusões agora tiradas sobre a atividade do SNS no primeiro semestre de 2025 “não são novas, há anos que é assim. Temos é de encontrar novas formas de acompanhamento dos doentes crónicos, quer seja através do recurso a enfermeiros, a fisioterapeutas, a farmacêuticos ou até à tecnologia, nalguns casos a telemonitorização poderia funcionar, para se poder reservar o tempo dos médicos para as primeiras consultas”. E exemplifica: “Não nos podemos esquecer que só 25% das consultas realizadas é que são primeiras consultas, as restantes 75% são consultas de acompanhamento”. Ora, continua, “um médico, pela sua formação e competências, é o profissional que por excelência deveria estar dedicado às primeiras consultas, para fazer diagnósticos e definir planos terapêuticos. Depois de o doente ser diagnosticado e de estar estabilizado, o acompanhamento da sua doença crónica poderia ser feita por profissionais também preparados para o resto do seu percurso”. Segundo o administrador esta solução foi apresentada à tutela pela APAH aquando da discussão do Plano de Emergência e Transformação da Saúde (PETS), mas, até agora, “nada foi feito para que se revertesse a situação dos doentes que esperam por uma primeira consulta”, argumentando: “É claro que esta proposta poderia suscitar discussão e resistência, mas algo tem de ser feito. Senão, quando houver nova avaliação da ERS a realidade continuará a ser a mesma, mais doentes à espera de consultas e mais doentes fora do tempo regulamentar.” Mais consultas em oncologia e cardiologia, mas mais doentes fora do tempo de esperaNa avaliação por áreas, a espera por especialidades é maior, já que o relatório da ERS revela que, em relação às primeiras consultas com suspeita ou confirmação de doença oncológica, havia em espera 4933 utentes, 71,1% já fora do TMRG. Em relação às primeiras consultas de cardiologia, foram realizadas 23.063, um aumento de 75,8% face ao primeiro semestre de 2024, sendo que 87,4% destas consultas já tinham ultrapassado o TMRG, aumento de 1,9 p.p. face a 2024. O mais grave é que neste período, havia também 24 626 utentes a aguardar por uma primeira consulta de cardiologia (aumento de 140,9% na lista de espera), 83,7% com espera superior aos TMRG.Paralelamente, o relatório da ERS indica também que a atividade dos hospitais dos setores privados e sociais com protocolos com o SNS também está a diminuir. Nos primeiros seis meses do ano, foram realizadas 43.062 primeiras consultas de especialidade hospitalar, o que significa uma diminuição de 0,4% em relação a 2024. A 30 de junho, havia 32. 675 utentes em espera para primeira consulta nestas unidades (aumento de 13,4%), 34,7% dos quais com espera superior aos TMRG. Nestes hospitais, a 30 de junho tinham sido realizadas apenas 15 primeiras consultas de oncologia, tendo os TMRG sido ultrapassados em 53,3%. Na área da cardiologia, foram também realizadas 15 primeiras consultas, uma redução de 83,7% na atividade, sendo que o TMRG foi ultrapassado em 66,7% das situações. Hospitais públicos realizaram 305 mil cirurgias nos primeiros seis meses Em relação à atividade cirúrgica, o relatório da ERS revela que até final de junho foram realizadas 305.717 cirurgias programadas nos hospitais públicos, o que corresponde a um aumento de atividade de 4,3% face ao primeiro semestre de 2024, mas 13,2% dos utentes foram sujeitos a tempos de espera superiores aos TMRG, uma diminuição de 0,3 p.p.. No mesmo período, havia 192.209 utentes inscritos em lista de espera, o que também representa uma diminuição de 2,5% no número de utentes em espera, embora 13,8% dos quais com uma espera superior à do TMRG.Na área da oncologia, foram realizadas 36 .976 cirurgias programadas nos hospitais do SNS, um aumento de 7,4% em relação a 2024, mas a 30 de junho, ainda havia 7468 doentes oncológicos que aguardavam uma cirurgia programada (um aumento de 4,8%), 16,3% dos quais com espera superior aos TMRG. Nas doenças cardíacas, foram realizadas 4904 cirurgias programadas no SNS, um aumento de 0,3% face ao mesmo período de 2024. Do total de utentes submetidos a estas cirurgias, 32,7% foram atendidos fora do TMRG (embora tal revele uma descida de 0,5 p.p. face a 2024). Há a registar que na mesma altura havia 2437 utentes a aguardar por cirurgia cardíaca (uma diminuição de 2,6% na lista de espera), 56,9% dos quais em espera por tempo superior aos TMRG. .Novo sistema de listas de espera quer triagem a doentes prioritários entre dois a sete dias e cirurgias em 30 dias. Relativamente às cirurgias em hospitais privados e sociais com protocolos com o SNS, o documento demonstra que foram realizadas 15 .823 cirurgias programadas, o que corresponde a aumento de atividade de 1,2% face ao primeiro semestre de 2024. A 30 de junho, havia 3593 utentes em espera para cirurgia em prestadores protocolados (uma diminuição de 22,6%), com taxa de incumprimento dos TMRG de 2,7%. Na área da oncologia, as entidades protocoladas fizeram 90 cirurgias programadas, uma redução de 28,6% face ao primeiro semestre de 2024, o incumprimento dos TMRG nestas cirurgias foi de 15,6% (diminuição de 14,6 p.p.). Na área de cardiologia, não foram realizadas cirurgias programadas em prestadores protocolados, nem havia utentes em espera para cirurgia de cardiologia nestes prestadores.O número de cirurgias realizadas nos chamados “hospitais de destino” - ou seja, as unidades do SNS para onde são enviados utentes com nota de transferência ou vale cirurgia - foram realizadas 12.799 cirurgias programadas, uma redução de 8,4% em relação a 2024. O incumprimento dos TMRG nestas cirurgias foi em 19,7% das situações, uma diminuição de 6,7 p.p. No final de junho, havia 4505 utentes em espera para cirurgia em hospitais de destino (aumento de 4,3%), com taxas de incumprimento dos TMRG de 13,7%. Nos hospitais de destino foram ainda realizadas 129 cirurgias programadas de oncologia, também uma redução de 43,4% face ao primeiro semestre de 2024. O incumprimento dos TMRG nas cirurgias realizadas foi de 52,7%, menos 7,4 p.p..No relatório, a ERS destaca que a monitorização da atividade dos Cuidados de Saúde Primários não foi realizada devido à dificuldade de obtenção de dados que permitam a aferição do incumprimento dos TMRG para os cuidados de saúde analisados, para todas as Unidades Locais de Saúde.“Esperamos que o SINACC venha simplificar a gestão dos doentes em listas de espera”A análise que a ERS agora divulga não diverge muito das de outros anos, mas a coordenadora do grupo de trabalho que criou o novo Sistema Nacional de Acesso a Consulta e Cirurgia (SINACC), que vem substituir o Sistema Integrado de Gestão de Inscritos para Cirurgia (SIGIC), acredita que esta mudança ajudará a melhorar esta realidade. Ao DN, Joana Mourão explica que um dos princípios que está na base do SINACC, cujo regulamento foi aprovado em conselho de ministros na semana passada - e que já está a ser experimentado em três unidades, IPO de Lisboa e Unidades Locais de Saúde de Coimbra e do Vale do Ave, devendo chegar às restantes no próximo ano - foi mesmo “o de simplificar o processo de gestão de doentes. Começámos por falar com quem estava no terreno para perceber as dificuldades que tinham na gestão de doentes em lista de espera, a nível de consultas e de cirurgia, e depois definimos conceitos para que todo o processo se tornasse mais eficaz”. Por isto, “esperamos que o SINACC venha simplificar e facilitar o processo de gestão em listas de espera”. A médica, que foi chamada pela ministra Ana Paula Martins em março deste ano, para desenhar o SINACC, começa por dizer também que o cenário traçado pela ERS não é de todo negativo Pelo contrário, “quando é referido que há mais doentes operados fora do tempo regulamentar ou mais doentes consultados isto quer dizer que estamos, efetivamente, a equilibrar as listas de espera e a ir buscar os doentes que poderiam estar inscritos há mais tempo, e, de alguma forma, esquecidos no sistema”. É claro que há ainda trabalho a fazer para se melhorar a resposta, mas é por isso que Joana Mourão acredita que o SINACC pode fazer a diferença. E. desde logo, porque tem “sistemas de alerta quase diários para os doentes inscritos há mais tempo e em risco de ultrapassar os prazos adequados”, depois porque “não permite que haja duplicação de pedidos de consulta pelos médicos assistentes aos hospitais, o que acontece criando, aumentando assim o número de doentes em espera”. Aliás, para resolver esta situação, a médica diz que o SINACC definiu “uma consulta de orientação do doente”, que pode ser pedida pelo médico de família a um colega do serviço hospitalar da sua ULS, que tem um período de cinco dias para responder. O SINACC implica que todos os profissionais tenham formação para o utilizar e só deve estar a funcionar em pleno no SNS no próximo ano.