Foi no verão que o encerramento do Armazém dos Linhos, na Rua de Passos Manuel, chegou ao conhecimento público, mas foi já em 2020 que as irmãs Filipa e Leonor Pinto Basto, que desde 2011 gerem a centenária loja, foram notificadas pelo senhorio da não-renovação do contrato de arrendamento. Desde então tentaram de tudo e consideraram mesmo a opção de exercerem o direito de preferência na compra do edifício, algo que nunca lhes foi permitido, mas que, admitem, também não seria viável..“Além dos problemas legais que tudo isso acarretaria, seriam anos e anos em tribunal...optámos por sair e encontrar alternativa”, explica Leonor. E a única que surgiu, em tão pouco tempo, veio por via de uma cliente de longa data. “Vamos abrir, em dezembro, não sabemos ainda em que data, uma loja temporária na Rua de Aviz. É um espaço que não se enquadra com as nossas necessidades, principalmente pela estantaria que temos, mas vamos fazer a experiência e ver como corre, enquanto procuramos outro mais definitivo”, sustenta..A data de encerramento é conhecida, será a 30 de novembro, mas já hoje, dia 23, clientes e amigos estão convidados para um “lanchinho de despedida” na loja que abriu portas em 1905. Leonor diz que o anúncio do fecho gerou “choque e tristeza”, mas também uma “onda de solidariedade gigantesca”..Menos sorte têm os funcionários da Livraria Latina, situada no cimo da Rua de Santa Catarina, a chegar à Praça da Batalha, que já sabem que a loja encerra definitivamente a 4 de janeiro. Depois, é tempo de tratar das devoluções a fornecedores e de desocupar o espaço, e seguir para o Fundo de Desemprego. .Fundada em 1942, por Henrique Perdigão, a Livraria Latina manteve-se independente durante quase 70 anos. Desde finais de 2011, e após uma breve passagem pela Coimbra Editora, a Latina passou a integrar o Grupo Leya e foi pela voz do diretor-geral de edições do grupo, e presidente da Associação Portuguesa de Editores e Livreiros, Pedro Sobral, que chegou a notícia, em outubro, do encerramento das livrarias detidas no Porto, em Aveiro e em Viseu, devido ao preço das rendas..“As três fecham porque nas três seria preciso, basicamente, fazer um novo contrato de arrendamento e as condições que estavam a ser colocadas em cima da mesa não eram as mais favoráveis para o negócio do livro, ainda mais - e esta segunda parte é muito importante -, quando isso não é o negócio principal da Leya”, afirmou então em declarações à Lusa. .Na loja, é já visível muito espaço livre nas prateleiras, tal como a tristeza no rostos dos funcionários, quando abordados sobre o encerramento. Mas recusam-se a falar, remetendo quaisquer perguntas para o grupo Leya..Com eles fecha aquela que será muito provavelmente a última grande livraria de rua do Porto, depois do encerramento, recente, da Fnac na mesma rua. E não falta quem lamente a falta de mediatismo da Latina. Talvez se o tivesse, apontam, as redes sociais tivessem reagido com mais fúria à notícia do fecho. .Ao contrário do Armazém dos Linhos, a Livraria Latina não fazia parte do programa Porto de Tradição, de proteção às lojas históricas. Leonor Pinto Basto acredita que essa distinção foi uma enorme ajuda no processo da loja de tecidos. “Estamos mais protegidos [com este reconhecimento] e os senhorios não podem alterar as rendas nem despejar os inquilinos com a facilidade com que o fazem a quem não faz parte do programa”, diz. A autarquia “ajudou, sem dúvida que ajudou, mas há um limite. Estamos a falar de investidores particulares e a câmara não ia pagar quatro milhões de euros para salvar uma loja. Fizeram o que puderam e nós ganhámos dois ou três anos com isso”, reconhece..Programa criado em 2017.O Porto de Tradição é um programa criado pela Câmara Municipal do Porto, em 2017, com vista a “salvaguardar e promover a sustentabilidade do comércio, em particular de lojas e entidades de interesse histórico, cultural e social local”. .Desde então, recebeu 188 pedidos de reconhecimento, dos quais 112 foram aprovados. Mas houve também encerramentos. Diz a autarquia que, “até ao momento”, registou 16 encerramentos de estabelecimentos comerciais reconhecidos ao abrigo do programa. Não são contabilizados, nestes números, estabelecimentos que mudaram de instalações..Em 2024, o município refere ter sido informado do encerramento definitivo de um estabelecimento apenas. Reconhecidos como lojas históricas foram dois casos, refere fonte da autarquia: a Cafetaria Sical, na Praça D. Filipa de Lencastre, e o Mundo dos Tecidos, na Rua de Fernandes Tomás. Houve um processo arquivado por “não reunir os critérios obrigatórios” e há ainda cinco em análise..“Nem sempre temos conhecimento dos motivos de encerramento, pois, não raras vezes, somos informados desse facto através da comunicação social. No entanto, das situações de que tivemos conhecimento formal, poderemos indicar que se relacionam com rescisões de contratos de arrendamento, falta de sucessão familiar e dificuldades financeiras”, refere a autarquia..Quais as vantagens de fazer parte deste núcleo de estabelecimentos comerciais e entidades de interesse histórico, cultural ou social local? São várias, a começar pelas previstas, em matéria de urbanismo e arrendamento, na Lei n.º 42/2017, criada pelo primeiro Governo socialista de António Costa, para proteger os arrendatários de imóveis reconhecidos pelos respetivos municípios como estabelecimento ou entidade de interesse histórico e cultural ou social local do Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), que veio estabelecer um regime especial de atualização das rendas antigas..Até 31 de dezembro de 2027 estes espaços não podem sofrer essas atualizações, “salvo se acordarem essa transição com os respetivos senhorios”. Têm ainda direito de preferência no caso de venda dos imóveis, direito esse que pode também ser exercido pelo município..Além disso, beneficiam de isenção de taxas de publicidade e ocupação do domínio público, de formação e consultoria em domínios específicos e direcionados à atividade comercial, bem como de ações de divulgação em revistas nacionais e publicidade em revistas vocacionadas para turistas internacionais. Têm isenção do IMI e incentivos fiscais para a requalificação urbana..Podem ainda, lembra a autarquia, candidatar-se ao Fundo Municipal de Apoio Porto de Tradição, “que consiste num apoio económico com o valor máximo de 25 mil euros, destinado à realização de obras de reabilitação da fachada e interior, restauro e preservação do espólio e acervo, aquisição de mobiliário e equipamentos, digitalização dos negócios e atividades e formação certificada”..A Câmara Municipal do Porto faz um balanço “sem dúvida positivo” do programa. “Ao longo dos anos o programa foi-se transformando: no início foi visto pelos comerciantes como uma tábua de salvação para a iminência dos despejos, fruto da pressão imobiliária, porém, o programa foi evoluindo, demonstrando que, para além desta proteção no arrendamento, existem outros benefícios, tangíveis e intangíveis”..E acrescenta: “O balanço é de crescimento, não só em número de estabelecimentos abrangidos pelo programa, como de investimento financeiro, mas também, e sobretudo, de reforço da relação entre o município e os estabelecimentos e entre pares.”