"Estive dois anos e 9 meses a cumprir pena por crimes que não cometi"
O ex-ministro Armando Vara saiu esta segunda-feira em liberdade da cadeia de Évora, onde cumpriu pena de prisão no âmbito do processo Face Oculta, devido à aplicação das medidas excecionais relacionadas com a pandemia de covid-19.
Armando Vara, que esteve em "gozo de precária" durante o fim de semana, chegou ao Estabelecimento Prisional de Évora, por volta das 14:15, para "tratar do procedimento" relacionado com a sua libertação, indicou o próprio, em declarações aos jornalistas. O ex-ministro saiu em liberdade cerca de 15 minutos, ou seja, por volta das 14:30.
Armando Vara foi libertado depois de cumprir dois anos e nove meses de uma pena total de cinco anos, no âmbito do processo Face Oculta.
"Estive dois anos e nove meses a cumprir pena por crimes que não cometi e impossibilitado de sair, o que é também um exagero para o tipo de criminalidade de que fui considerado culpado", disse à saída do Estabelecimento Prisional de Évora, acrescentando que a sua condenação teve uma componente política: "Deveria ter sido condenado a pena suspensa e não a prisão efetiva."
Ainda segundo Vara, o Tribunal sempre rejeitou os pedidos de liberdade condicional e precárias porque "ninguém compreenderia que uma condenação por crimes no exercício de funções públicas viesse a não cumprir uma pena agravada", algo que considerou ser "mentira". "Finalmente, a Justiça cumpriu simplesmente a lei", referiu ainda.
O ex-ministro estava preso desde 16 de janeiro de 2019, dia em que se apresentou voluntariamente no Estabelecimento Prisional de Évora, sendo que foi libertado esta segunda-feira após um perdão parcial da pena.
Está em causa o regime excecional criado no âmbito da pandemia de covid.-19, que se aplica a quem já tenha cumprido pelo menos metade da pena.
Em comunicado do Tribunal Judicial da Comarca de Évora refere-se que o TEP informa que "Armando António Martins Vara, condenado na pena única de cinco anos de prisão pela prática de três crimes de tráfico de influência", no âmbito do processo Face Oculta, "foi hoje libertado ao abrigo da Lei n.º 9/2020, de 10 de abril (Regime Excecional de flexibilização da execução das penas e das medidas de graça, no âmbito da pandemia da doença Covid-19), a qual permanece em vigor"
"O Tribunal entendeu que Armando Vara já cumpriu metade da pena, não faltando mais de dois anos para o termo desta, preenchendo-se, assim, o requisito previsto" para a aplicação do regime excecional, lê-se no comunicado.
Na nota enviada às redações, o tribunal refere estar "também preenchido o requisito de não ter sido condenado por qualquer crime que a Assembleia da República tenha fixado como 'imperdoável', sendo certo que o perdão incide sobre a pena única e não sobre as penas parcelares fixadas em relação a cada um dos crimes".
Indica ainda o tribunal que "o crime de tráfico de influência não se encontra contemplado na exceção geral prevista no n.º 2 do artigo 1.º da Lei de Perdão de Penas, nem nas exceções das diversas alíneas do n.º 6 do artigo 2.º do mesmo diploma".
Refere-se também que o Tribunal de Execução de Penas "entendeu, designadamente, que os crimes de tráfico de influência pelos quais Armando Vara foi condenado não se incluem no contemplado na alínea m) do n.º 6 do artigo 2.º da Lei de Perdão de Penas, dado que entre 2006 e 2009, quando os crimes foram cometidos, Armando Vara não era titular de cargo político, nem resulta do acórdão condenatório que os crimes por si cometidos o tenham sido no exercício de funções de alto cargo público ou por causa delas, antes resultando que a concreta influência movida assentou em ligações pessoais e partidárias."
De referir que Armando Vara foi condenado em setembro de 2014 pelo Tribunal de Aveiro a cinco anos de prisão efetiva, por três crimes de tráfico de influência, no âmbito do processo Face Oculta.
O coletivo de juízes deu como provado que o antigo ministro e ex-vice-presidente do BCP recebeu 25 mil euros do sucateiro Manuel Godinho, o principal arguido no caso, como compensação pelas diligências empreendidas em favor das suas empresas.
Já em julho deste ano Armando Vara foi condenado a dois anos de prisão efetiva, no âmbito de um processo separado da Operação Marquês, em que estava acusado de um crime de branqueamento de capitais.
O advogado de defesa de Armando Vara disse à Lusa, a propósito da libertação do ex-ministro, que esta decisão é "uma solução menos injusta" para o caso.
"É uma decisão que, cumprindo a lei no caso concreto, acaba por permitir uma solução menos injusta", notou o advogado Tiago Rodrigues Bastos.
"Fico muito contente, muito satisfeito porque já era tempo de ele ser devolvido à liberdade", frisou, adiantando que Armando Vara está, "acima de tudo, aliviado".
"A pena que lhe foi aplicada não era justa e, em qualquer caso, ele já tinha cumprido tempo suficiente", assinalou o advogado, do escritório RBMS - Rodrigues Bastos, Magalhães e Silva & Associados.
A libertação de Armando Vara "protege o Estado de Direito", destacou Tiago Rodrigues Bastos, defendendo a necessidade de se refletir sobre "a desproporcionalidade da aplicação da justiça (e não da lei) em relação aos crimes económicos".
Isto porque, alertou, "a justiça está a perverter aquilo que a própria lei prevê" para este tipo de crimes.
Notícia atualizada às 12:18