APAV: 66 crianças e jovens por semana vítimas de violência

Em 2024, a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) registou 31242 crimes, 0,9% de aumento em relação a 2023 (30 950) e uma subida, comparando com o ano anterior, de 2,7 por cento no número de vítimas apoiadas, para um total de 16 630 em 2024. Destas destacam-se as crianças e os jovens: 3424 mil, numa média de 66 por semana e nove por dia. Comparando com 2023 (3066, 59 casos por semana), o aumento é significativo. Idade média das vítimas: dez anos. Mais de metade (58,9%) são do sexo feminino. Em 64,5% dos casos, o agressor é do sexo masculino. Maioritariamente o pai, a mãe e só depois, com 8,4%, o padrasto/madrastaUma parte substancial dessas 3424 crianças e jovens são vítimas de crime sexual, que passaram de 5,7% para 6,4% do total de crimes registados pela APAV. O Porto lidera a lista de distritos com maior número dessas ocorrências, seguido de Santarém, Aveiro e Coimbra. “Os pedidos de apoio chegam-nos em grande parte de familiares ou figuras muito próximas das crianças e da família. Muitos deles através da APAV Care, cuja equipa especializada elucida sobre as obrigações legais e inicia um trabalho de recuperação da criança, sob um olhar integrado”, diz Carla Ferreira, assessora técnica da direção da APAV.O cibercrime é igualmente responsável pelo aumento verificado no número de vítimas e de crimes. “Chegam-nos cada vez mais pedidos de jovens menores de idade - 12, 14, 15 anos - através da Linha Internet Segura. São jovens com muito receio de contar à família e de sofrer recriminação”. No entanto, “o envolvimento familiar é fundamental, e é isso que tentámos promover”. Desmontando medos. Com 105 747 atendimentos em 2024, a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) registou um aumento de 13, 4% em relação a 2023, período em que haviam sido feitos 93 254 atendimentos. Valor expressivo, que tem vindo a ser consolidado, numa série exponencial: recuando a 2020, o aumento verificado é de 59,2%.Estes indicadores fazem parte das estatísticas relativas a 2024, apresentadas pela Associação Portuguesa de Apoio à Vítima esta semana, em vésperas de se assinalar o Dia Europeu da Vítima de Crime, criado em 1990 pela Victim Support Europe com o objetivo de sensibilizar para a proteção e salvaguarda dos direitos das vítimas de crimes e dar a conhecer mecanismos de recurso, trate-se de vítimas ou testemunhas. Violência doméstica:76% dos crimes registados No gráfico, o crime de violência doméstica continua a representar a grande fatia, constituindo 76% dos crimes registados pela APAV. Seguem-se os crimes sexuais contra crianças e jovens, acima referidos, com 6,4 por cento do total registado e, em terceiro lugar, com 2,7 %, as ofensas à integridade física (836 casos). Destaque para a ligeira subida - duas décimas percentuais - dos crimes sexuais contra pessoas adultas, valores sempre enviesados pelas chamadas cifras negras (fora das estatísticas oficiais). Relativamente aos crimes de ódio, verificaram-se mais 214, dando lugar pela primeira vez a um número redondo - de 0,6% para 1%. A grande maioria das vítimas contacta a associação por iniciativa própria, ainda que a referenciação para a APAV seja igualmente feita pelos tribunais e forças policiais. Em regra, os contactos são estabelecidos por telefone (51,5 por cento). Seguem-se o e-mail (22,4%), o presencial (17,7%) e outro tipo de contacto (4,5%). Vítimas: 16 630 em 2024, 320 por semana, 45 por diaNo traçado do perfil geral da vítima, a percentagem é elucidativa: em 2024, tal como em 2023 - os valores são idênticos -, 76,3 por cento são do sexo feminino. Ainda no perfil geral, a idade média é de 37 anos e o agressor é cônjuge (14,8%), pai ou mãe (12, 7%) ou companheiro/a (9,5%). Das 16 630 vítimas, a grande fatia é preenchida por mulheres adultas, com uma média de idade de 45 anos. Em 2024, os pedidos de ajuda chegaram à APAV a uma média de 25 por dia, perfazendo um total de 9194. 76,4% dos agressores destas mulheres são do sexo masculino - cônjuges, ex-companheiros ou companheiros. O mesmo para as pessoas idosas vítimas - 1730, em 2024: 76,2 por cento são do sexo feminino, têm em média 76 anos e os agressores são maioritariamente o filho, ou filha, ou o cônjuge. Homens adultos vítimas foram 1888 em 2024 - cinco casos por dia. Têm 45 anos de idade, em média, e o agressor é, em 40,1 por cento dos casos, do sexo feminino: cônjuge, filha ou a ex-companheira/o. Por ordem decrescente.A burla românticaCom idades a rondar os 60 anos, maioritariamente do sexo feminino, estão as vítimas de burla. Sobretudo a burla romântica. Em 2024, representaram 1,2 por cento dos crimes registados na APAV, sendo que a abordagem destas vítimas pelos técnicos não é fácil. Trata-se de pessoas que sofrem de solidão, com pouco conhecimento dos mecanismos da internet e emocionalmente disponíveis para acreditar “numa bela história”: “Temos casos que ascendem a centenas de milhares de euros entregues a burlões”, diz Frederico Marques, jurista da APAV.Mas para lá do dano patrimonial está o “emocional, que é enorme”, acrescenta. E a vergonha. As vítimas resistem a aceitar o fim da relação, o logro. Algumas, apesar de já terem percebido o engano, continuam a enviar dinheiro ao burlão. Em 2024, a linha Internet Segura registou 681 processos de atendimento e apoio relativos a casos de cibercrime. Apesar do maior número de pedidos de ajuda, de atendimentos e, em geral, de mais participações à justiça, Carla Ferreira enuncia a suspeita com décadas: “Há melhorias, vemos um pouco mais, mas continuamos na ponta do iceberg. Há ainda muito crime escondido pelo silêncio, desconhecimento e medo”. Sobretudo no que aos crimes sexuais diz respeito. Acompanhamentos a diligências: caso de C.C., mulher, tem nacionalidade brasileira, 34 anos e vive em Portugal há oito. O agressor é português. Há pouco mais de um ano, C. conseguiu libertar-se. “Depois de uma primeira tentativa falhada. Na polícia, a prestar depoimento, fiquei paralisada, assustada e desisti”. C. pertence ao cada vez maior grupo de vítimas de ascendência brasileira acompanhadas pela APAV - 7,6 por cento do total de vítimas em 2024. São, de entre a população migrante, o grupo mais representativo (Angola, 1%, Ucrânia, 0,5% e os restantes dispersos). Entrou na APAV pela mão de uma amiga, também brasileira, igualmente vítima de violência doméstica. “Foi um abrir de olhos. Percebi que podia perder algum do terror e do medo que tinha, porque é muito o terror e o medo que nos assalta quando estamos sozinhas a prestar depoimento”. Ainda mais “sendo imigrante”. C. vai dando conta do preconceito: “sobretudo quando fui levada por ele a fazer um aborto, um aborto de que me arrependi e que me ia custando a vida”. Mas, diz, “essa é outra história”, vivia mal tinha acabado de perder o pai. A que agora conta é “mais feliz”. Finalmente conseguiu “dar o passo”. Fez queixa e já prestou declarações no Ministério Público. Acompanhada de uma técnica da APAV. “Sozinha, não iria”. O acompanhamento de C. foi um dos 2537 solicitados em 2024, muitos deles pelos tribunais. Uma solicitação que se está a mostrar decisiva, sobretudo nos crimes de violência doméstica,” diz Frederico Marques. Em cima da mesa do Parlamento está, entre vários acrescentos à lei, a possibilidade de a vítima de violência doméstica passar a ter acesso imediato a um defensor que a acompanhe ao longo do processo. “Trata-se aí de uma representação legal, mas não é esse o nosso papel”, explica Frederico Marques. “Muitas vezes, o acompanhante é psicólogo, porque é essa intervenção que sobretudo nos interessa, independentemente de também termos um papel no esclarecimento dos passos e procedimentos jurídicos”, diz o jurista e dirigente da APAV. Apoiar emocionalmente, informar, proteger e tentar resolver, junto de oficiais de justiça, eventuais constrangimentos da vítima - evitando que se cruze com o agressor, por exemplo -, são alguns dos objetivos do acompanhante. É sobretudo em contexto de declarações para memória futura que o acompanhamento se torna mais necessário. “Há, desde logo, um interesse pragmático devido à noção empírica de que a disponibilidade das vítimas para prestar depoimentos é maior quanto mais próxima está da queixa.” Se há uns anos era a APAV que pedia para estar presente, “hoje são os tribunais que pedem a presença da APAV”.Ainda mais agora, que se coloca a possibilidade de ser retirado às vítimas o direito a não prestar declarações, desde que já o tenham feito na fase de instrução do processo. Uma medida que penalizará sobretudo as vítimas de violência doméstica. Sabendo-se que muitas vezes, em fase adiantada do processo, optam por não prestar declarações.A APAV conta com 24 gabinetes de apoio à vítima - quatro deles nos DIAP de Braga, Faro, Setúbal e, recentemente, Porto -, cinco equipas móveis, 35 polos de atendimento e a linha 116006.

APAV: 66 crianças e jovens por semana vítimas de violência

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