O humorista falou ao DN sobre a onda de solidariedade que está a varrer o país devido aos incêndios que, durante este mês de agosto, destruíram milhares de hectares
O humorista falou ao DN sobre a onda de solidariedade que está a varrer o país devido aos incêndios que, durante este mês de agosto, destruíram milhares de hectaresPaulo Spranger

António Raminhos: "Esta compaixão e empatia são de partir o coração”

O humorista usou as redes sociais para ajudar as populações e os bombeiros. Com Jessica Athayde e Nuno Markl, inspirou a criação de duas plataformas cívicas de apoio. O retorno é enorme.
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Complementa o papel do Estado, por vezes substitui o Estado, juntando empatia e voluntariado espontâneo ao trabalho dos responsáveis pela proteção civil. Chamam-lhe esforço coletivo, convocado em grande medida por apelos nas redes sociais, assumidos por figuras publicas com milhares de fãs.

Os incêndios são particularmente mobilizadores. “Trata-se de uma castástrofe em que o desespero é enorme. O fogo leva tudo, e muito depressa”, diz ao DN António Raminhos. 

Sexta-feira, 15 de agosto. Tomado pelas notícias da chegada de chamas a pessoas, animais e casas, o humorista disponibilizou-se para  colocar a visibilidade de que goza ao serviço de empresas que ajudem na reconstrução de vidas, depois dos incêndios, juntando a sua disponibilidade à demonstrada, pouco antes, pela atriz Jessica Athayde. “Sinto que o que estou a fazer é muito pouco perante o trabalho dos bombeiros e o sofrimento das pessoas. Olhando aquelas imagens, é o mínimo”, diz . “Impressionante", lembra, "é a disponibilidade dos portugueses para ajudar, dando o que têm e o que sabem fazer”.  

Ainda no mesmo dia, Nuno Markl respondia à tragédia de Luís. Aos oitenta anos, Luís perdeu quanto tinha no incêndio de Fornos de Algodres.  26 mil likes depois, ou seja em poucas horas, o radialista conseguia angariar 75,583 euros para o antigo guarda florestal.

“Obrigado por alinharem nesta operação. Isto é a verdadeira utilidade desta rede e a razão pela qual, apesar de todo o ódio, de toda a toxicidade que o define, o Instagram ainda vale a pena. Basta retorcê-lo na direcção do Bem”, escreveu numa publicação que mereceu mais de 60 mil aprovações.   

“Este feedback é o melhor que podemos ter”, diz Raminhos ao DN. “Recebemos centenas de mensagens, desde clínicas a disponibilizar psicólogos, ou empresas a oferecer cimento, a uma senhora de idade que ligou para o meu agente a perguntar para onde podia enviar 100 euros”.  Acrescenta, sensibilizado: “Esta compaixão e empatia partem  o coração”.  

Incêndios estão a ser combatidos por meios aéreos e terrestres
Incêndios estão a ser combatidos por meios aéreos e terrestresPEDRO SARMENTO COSTA / Lusa

Olhando aquelas imagens, é o mínimo

António Raminhos

O humorista falou ao DN sobre a onda de solidariedade que está a varrer o país devido aos incêndios que, durante este mês de agosto, destruíram milhares de hectares
Incêndios de Arganil e Lousã. Um retrato do dia em que “parece que o Diabo andou por ali”

Anos sobre anos e a repetição do mesmo “horror”. “Mesmo que mudem os nomes e os partidos à frente do leme”, comenta o comediante. “Porque são todos iguais”, diz, para concluir: “Nós não podemos ser iguais. Procurem também nas vossas redes locais, vejam o que os bombeiros precisam, basta ligar para a corporação local. Junto das zonas afetadas, procurem saber o que se precisa”, pede.  

Nos últimas 48 horas, o gesto de Athayde, Markl e Raminhos, cada um com cerca de um milhão de seguidores no Instagram, inspirou a criação de  duas plataformas cívicas de apoio aos bombeiros e à população afetada pelos incêndios deste ano. A “Portugal Sem Chamas” e  a “SOS incêndios 25”.  

Muita vergonha e necessidade de serem ouvidos  

"Portugal Sem Chamas" é uma plataforma digital criada pela Not Agency em colaboração com influenciadores digitais. Tem por objetivo ligar pessoas afetadas pelos incêndios em Portugal com aqueles que as desejam ajudar. A plataforma visa facilitar o apoio às vítimas, reunindo ofertas de apoio e necessidades de forma organizada.  

Fomos ver: no site constam apenas quatro pedidos de ajuda para muitas disponibilidades manifestadas, cerca de 200. Ricardo Paiágua, o autor do projeto, conta a verdade: “as pessoas têm  muita vergonha. Posso dizer que em quarenta e oito horas recebemos cerca de 410 pedidos”.  

Com a experiência de quem já ergueu plataformas semelhantes - “Cama Solidária”, “Computador Solidário” ou  “Acolhe um Ucraniano”-, o informático de 43 anos sabe que há um risco. “Não podemos garantir que um ou outro pedido não seja fraudulento”, diz. No entanto, quando ouve os homens e as mulheres que estão a pedir ajuda “envergonhados e com lágrimas na voz” ganha uma certeza: são pessoas a viver uma tragédia. 

Pessoas de idade, muitas delas, “com pouca literacia digital, a quem tentamos ensinar a criar mecanismos que lhes permitam recolher  doações”, diz. Pessoas que se sentem perdidas e de uma franqueza “extrema”. “Falam, falam, falam. Pedindo anonimato, é certo, porém contam tudo o que lhes vai na alma”.  

Agradece a cada pessoa que doa, partilha, que divulga, que não deixa os pedidos cair no esquecimento. "Porque sabemos como é: hoje todos falam, mas daqui a uma semana muitos esquecem. Só que as famílias continuam a sofrer". Tem tomado nota. Muitos não tinham seguro para recuperar o que perderam. Há idosos, sozinhos, sem força para recomeçar. Homens e mulheres sem resposta para a pergunta dos filhos. “E agora, para onde vamos?”

Quando os fogos atacaram, Ricardo estava a” curtir” o sol. “Não fossem os posts da Jessica e do Raminhos e eu continuaria alheado, enquanto outros sofriam. Não podemos ser assim".

Houve quem ficasse apenas com a roupa que tinha no corpo, para fugir aos incêndios que destruíram milhares de hectares. Agosto 2025
Houve quem ficasse apenas com a roupa que tinha no corpo, para fugir aos incêndios que destruíram milhares de hectares. Agosto 2025Leonardo Negrão

Com o propósito de reunir numa única plataforma o apoio de empresas, cidadãos e influenciadores, o ‘Portugal Sem Chamas’ já conta com duas centenas de voluntários a oferecer ajuda. Alimentos e água; roupa e bens essenciais; apoio financeiro/donativos são os três tipos de ajuda com maior contribuição.    

“O projeto nasceu há cerca de 48 horas e regista já uma enorme adesão, entre eles, médicos, advogados, arquitetos, empresários e pessoas de várias áreas a oferecer ajuda. No mesmo espaço, qualquer pessoa pode partilhar o seu pedido de ajuda, juntar links de crowdfunding, redes sociais ou outras informações que mostrem a sua realidade”, explica.  

A plataforma foi pensada em apenas duas horas. De forma simples e clara, tem cinco pontos: Preciso de Ajuda - pessoas  afetadas pelos incêndios podem descrever a sua situação e necessidades: Quero Ajudar - marcas, influenciadores e cidadãos podem registar ofertas de apoio, como bens, alojamento, transporte, doações ou divulgação; Match - a plataforma facilita o encontro entre quem precisa e quem pode ajudar; Influenciadores Solidários - lista de figuras públicas que mobilizam suas comunidades para apoiar as vítimas e, por último, Estado dos Fogos - informações atualizadas sobre a situação dos incêndios, com dados obtidos dos meios de comunicação portugueses. 

“SOS Incêndios 25”- o esforço de três beirãs 

 Três amigas, com ligações familiares a Trancoso, revoltadas com uma tragédia que conhecem de cor, abatida, verão a verão, sobre familiares e amigos, resolveram agir. Daniela, enfermeira, Beatriz, fotógrafa, e Joana, música, guionista e realizadora, criaram em poucas horas a SOS Incêndios 25. Três dias depois, contam com a colaboração de 17 voluntários.  ⁠E obra feita.  “Estamos muita cansadas, mas muito ativas”.  

Em três dias, foram várias as campanhas de recolha promovidas. Com entregas efetuadas nos Bombeiros Voluntários de Coimbra, Bombeiros Voluntários de Castelo Branco, ⁠Bombeiros Voluntários de Pampilhosa da Serra, ⁠Bombeiros Voluntários de Góis, Bombeiros Voluntários de Guarda,  parcerias várias garantidas e a colaboração de várias personalidades – Nuno Markl, Miguel Raposo, Bia Maria, entre outros, assegurada. As recolhas em curso estão a decorrer no Palácio Baldaya, em Benfica, Lisboa.  

“É aterrador que não exista um sistema de redistribuição regional, distrital, para suprir as necessidades básicas dos quartéis de BV, isto não pode ser”. Joana Barra Vaz, cujo pai, em Trancoso, viu o fogo à porta de casa, lembra óbvio: ”é o cada cada um por si e o cada um por si não leva a lado nenhum”.  Continua, de rajada: “Os bombeiros e as populações estão a fazer frente ao fogo, têm rendições longas e estão exaustos. O espírito deles é espantoso, de louvar. Estão sempre prontos. Agradecem-nos, dizem-nos para dar o que podermos, mas nós é que temos muito a agradecer-lhes". Conta, recompensada, que Castelo Branco “referiu que nunca tinha recebido uma doação assim e portanto está a apoiar o Fundão com as doações”. A articulação com a Guarda está igualmente conseguida.  

A plataforma prevê enviar uma segunda doação de bens Kit  essencial e mais comida para  Pampilhosa da Serra, onde voluntários, homens e mulheres, cozinham 500 refeições por dia. Repor algum stock em Castelo Branco e Coimbra. Ativar parcerias locais na Guarda, para suprir stock e redistribuição 

“Estamos cansados mas continuamos mobilizados, é o mínimo que podemos fazer para apoiar os bombeiros e a população que conseguirmos. Esperamos que se ativem mecanismos o quanto antes, sabemos que não sabemos fazer isto. E estamos a dar o nosso melhor”. 

A intenção é não parar. “Para depois do rescaldo, a ideia é  seguir para apoio às populações afetadas, ajudar na reflorestação, sempre num esquema comunitário de colaboração e de parcerias”. Centradas nas redes, estas três jovens, apoiadas por vários colaboradores, querem espalhar a mensagem, mobilizar e criar um movimento comunitário que faça frente “a isto”. Para que a tragédia não se repita, sem um plano prévio de apoio a bombeiros e população.  

Há dois dias, depois de falar com os quartéis que estavam a enfrentar o fogo na Pampilhosa, Joana perdeu as palavras. "Não tenho palavras, mas quando as tiver conto tudo, tudo, tudo. Apoiem os bombeiros e populações da maneira que puderem (...) Agora vou chorar. Até amanhã” escreveu nas redes.  

Os incêndios levaram tudo a muitos que já poucos tinham. Lousã, agosto 2025
Os incêndios levaram tudo a muitos que já poucos tinham. Lousã, agosto 2025Leonardo Negrão
O humorista falou ao DN sobre a onda de solidariedade que está a varrer o país devido aos incêndios que, durante este mês de agosto, destruíram milhares de hectares
Advogados vão prestar apoio jurídico gratuito às vítimas dos incêndios rurais

Bolsa de advogados disponível e Cruz Vermelha no terreno 

No âmbito da respetiva Ordem, um grupo de advogados voluntários está disponível para prestar aconselhamento e apoio jurídico gratuito a cidadãos e empresas afetados pelos incêndios rurais que têm devastado várias regiões do país. 

Face à “dimensão humana, social e económica desta tragédia”, a Ordem considera que o apoio jurídico é “um instrumento essencial” para ajudar as populações em situação de extrema vulnerabilidade, lê-se em comunicado. 

Esta bolsa de voluntários pretende assegurar acompanhamento personalizado em diversas situações, nomeadamente processos de indemnização, relações com seguradoras e entidades públicas, bem como orientação para o acesso a apoios governamentais. 

Segundo a instituição, o apoio abrangerá ainda aconselhamento sobre direitos e obrigações decorrentes dos danos provocados pelos incêndios e assistência na tramitação de processos administrativos. 

A Ordem dos Advogados sublinha ainda estar disponível para colaborar com as entidades públicas competentes na coordenação da medida, garantindo que “nenhum cidadão ou empresa permaneça privado de assistência jurídica qualificada”. 

Também a Cruz Vermelha Portuguesa (CVP) tem tido um papel. Reforçou o apoio às operações de resposta aos incêndios, tendo mobilizado nos últimos dois dias mais quatro unidades de REST SPACE. No momento, estão ativas duas destas Estruturas, em Meãs (Pampilhosa da Serra) e Fundão. Este último tem capacidade para 250 operacionais em permanência e inclui um Posto Médico Móvel. Nos dias 17 e 18 de agosto,  foram ativadas outras duas unidades, em Arganil e Ponte das Três Entradas (Oliveira do Hospital), entretanto desmobilizadas. 

São infraestruturas destinadas aos operacionais, pensadas na sua recuperação entre turnos. Um local que funciona como uma zona de retaguarda nos teatros de operações e que tem como finalidade garantir condições dignas de descanso, higiene, alimentação, apoio psicossocial e recuperação física daqueles que estão diretamente envolvidos no combate aos incêndios.  

Segundo dados da Cruz Vermelha, ao longo dos últimos dias, a organização já integrou 25 teatros de operações, com a mobilização de 423 operacionais, entre os quais socorristas, elementos de logística e oficiais de ligação.

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