Sociedade
21 janeiro 2022 às 18h28

Rui Moreira: "Fui condenado na praça pública, mas hoje fez-se justiça"

A presidente do coletivo de juízes disse que não ficou provado que o autarca tenha dado instruções ou agido com o propósito de beneficiar a Selminho. MP vai recorrer

DN

O presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, foi esta sexta-feira absolvido no processo Selminho, no qual estava acusado de prevaricação por favorecer a imobiliária da família, de que era sócio, em detrimento do município portuense.

Na leitura do acórdão, que decorreu no Tribunal de São João Novo, no Porto, a presidente do coletivo de juízes, Ângela Reguengo, disse que, em julgamento, não ficou provado que o autarca tenha dado instruções ou agido com o propósito de beneficiar a Selminho.

Segundo a juiza, também não ficaram provados os factos ilícitos que constam da acusação do Ministério Público (MP), que, nas alegações finais, tinha pedido a condenação do autarca a uma pena suspensa e à perda deste mandato.

O Ministério Público, que acusou Rui Moreira de ter tentado favorecer a Selminho, imobiliária da família, da qual era sócio, defendia a perda de mandato do autarca independente, depois de, em 18 de maio de 2021, o Tribunal de Instrução Criminal (TIC) do Porto ter decidido pronunciar (levar a julgamento) Rui Moreira, "nos exatos termos" da acusação do MP que imputa ao arguido o crime de prevaricação.

Após a leitura do acórdão, Rui Moreira disse não ter dúvidas de que a absolvição seria "o desfecho" do caso Selminho. "Não tinha dúvidas de que um dia este desfecho viria. Gostava que tivesse decorrido mais cedo, pelos vistos o Ministério Público ainda não se conforma, mas faremos uma declaração logo", observou o autarca, à margem da leitura do acórdão, no Tribunal de São João Novo.

"Fui condenado na praça pública, mas hoje fez-se justiça. Muito obrigado aos meus apoiantes", assumiu horas depois, em declarações à imprensa. "Não tenho nenhum receio em relação ao recurso", vincou, frisando que "o processo se transformou um caso político" e revelando que Marcelo Rebelo de Sousa o felicitou.

"Havia quem pudesse esclarecer este caso, [o advogado] Pedro Neves de Sousa, que foi nomeado por Rui Rio [para advogado externo para o município em 2009] e com o qual eu nunca tinha falado. O tribunal diz que isto vem desde 2005 e eu só pedi para ouvir uma testemunha. Essa pessoa devia ser ouvida. Foi uma decisão que o tribunal tomou e que eu lamento", acrescentou.

No centro da polémica estava um terreno na escarpa do Douro, vendido por um casal que o registou por usucapião, à imobiliária Selminho, em 2001, e que o tribunal considerou ser propriedade municipal, na sequência de uma outra ação movida pela autarquia em 2017.

O Ministério Público (MP) vai recorrer do acórdão que esta sexta-feira absolveu o presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, no processo Selminho, no qual estava acusado de favorecer a imobiliária da família, de que era sócio, em detrimento do município.

Após a leitura do acórdão, que decorreu na tarde desta sexta-feira no Tribunal de São João Novo, no Porto, o procurador Luís Carvalho pediu a palavra à juíza presidente, dizendo "não se conformar" com a decisão, razão pela qual anunciou que vai interpor recurso para o Tribunal da Relação do Porto.

O advogado do presidente da Câmara do Porto afirmou esta sexta-feira que a atuação do Ministério Público (MP) foi "uma vergonha" ao não ter "a hombridade" de ponderar na decisão e avançar com recurso, acusando o procurador de 'show off'.

"O que hoje assistimos aqui é uma vergonha. Pelo menos o Ministério Público poderia ter a hombridade de ponderar, ler, verificar (...) quis fazer um 'show off' de vos [aos jornalistas] comunicar que iria interpor recurso. Com todo o respeito, é uma vergonha que um procurador atue deste forma", afirmou o advogado de Rui Moreira, Tiago Rodrigues Bastos, após a leitura do acórdão, no Tribunal de São João Novo, no Porto.

Aos jornalistas, Tiago Rodrigues Bastos disse que a decisão deve "deixar toda a gente contente".

"Não podemos deixar de ficar contentes quando é o tribunal que diz que alguém que exerce funções tão importantes como Rui Moreira exerce não cometeu nenhuma infidelidade ao seu cargo, devia de nos deixar a todos contentes", acrescentou.

O vereador do PSD Vladimiro Feliz disse esta sexta-feira que, por estar "a trabalhar", não teve hipótese de acompanhar o processo Selminho, mas frisou que a sentença "deve ser olhada como mais uma fase do processo".

"Estou a trabalhar, como tal, sem oportunidades para acompanhar as últimas evoluções do processo. Quando estiver na posse de mais dados, poderei pronunciar-me sobre o tema com seriedade e rigor", afirmou Vladimiro Feliz, em resposta escrita à Lusa.

Ainda assim, o vereador do PSD vincou que a sentença conhecida esta sexta-feira "deve ser olhada como mais uma fase do processo" e lembrou que "ambas as partes podem recorrer".

O vereador do PS na Câmara do Porto Tiago Barbosa Ribeiro disse esta sexta-feira que "qualquer decisão deve ser respeitada" e que o partido se recusa a fazer do caso Selminho "um tema de arremesso".

Em declarações à agência Lusa, o socialista lembrou que "o PS, na campanha eleitoral [para as eleições autárquicas], e antes da campanha eleitoral, adotou uma posição neutra, de respeito pela separação de poderes entre o que é da justiça e o que é da vida política, e da vida político-partidária, da vida dos titulares de cargos públicos".

"Neste momento, mantemos essa posição, qualquer decisão deve ser respeitada pelo poder político, no âmbito e espírito da separação de poderes e é nesse sentido que respeitamos e registamos a decisão" do Tribunal, que absolveu Rui Moreira, prosseguiu.

Para Tiago Barbosa Ribeiro, "as decisões da justiça devem ser sempre rejeitadas" e, por isso, o partido rejeita "fazer deste tema um tema de arremesso e um tema de disputa política".

"Fazemos mesmo é política, gostamos de trabalhar na política e, portanto, vamos trabalhando politicamente e não na esfera judicial", insistiu.

A vereadora da Câmara do Porto da CDU, Ilda Figueiredo, destacou esta sexta-feira "os efeitos práticos" do caso Selminho, como "o retorno dos terrenos à autarquia" e disse que "confia no julgamento do Tribunal" que absolveu Rui Moreira.

"Era com toda a calma que esperávamos pelo resultado. Naturalmente, o resultado é este, confiamos nas decisões dos tribunais", disse, em declarações à agência Lusa, a vereadora.

O partido enviou, em 2016, o processo ao Ministério Público, porque, disse esta sexta-feira Ilda Figueiredo, havia, na altura, "dúvidas por parte de quem estava na autarquia, relativamente ao processo".

A questão foi remetida à justiça, "confiando, desde sempre, nos resultados do Ministério Público, que, por sua vez, enviou para o tribunal e que o tribunal julga desta forma".

"Pelo meio, obteve-se alguma coisa que era importante, por exemplo, o retorno dos terrenos à câmara", realçou a vereadora comunista, destacando que "os efeitos práticos se verificaram" e que "esse era um dos objetivos da CDU".

O líder da Iniciativa Liberal (IL) mostrou-se esta sexta-feira satisfeito por o presidente da Câmara Municipal do Porto, Rui Moreira, ter sido absolvido no processo Selminho, decisão que considerou demonstrar que estava certo quando apoiou a sua candidatura.

"Acabei de saber dessa notícia agora, não conheço o teor do acórdão, então tudo o que posso dizer é que fico satisfeito que se tenham confirmado as nossas perspetivas, quando manifestamos o nosso apoio político à candidatura do Rui Moreira, de que não tinha havido um comportamento ilícito da sua parte [Rui Moreira]", afirmou João Cotrim Figueiredo à saída de uma reunião com a Associação da Indústria da Península de Setúbal (AISET).

Cotrim Figueiredo reafirmou o seu contentamento pela decisão e assumiu que a IL mantém "grande empenho" em fazer do projeto de Rui Moreira no Porto um "grande sucesso".

O vereador do Bloco de Esquerda na Câmara do Porto, Sérgio Aires, realçou esta sexta-feira que, apesar de Rui Moreira ter sido absolvido, o seu "comportamento político" continua a merecer crítica por parte do partido.

"Uma pessoa acaba de ser absolvida. Foi absolvida, ponto final. Agora, o comportamento político, que é o que nos interessa, continuamos a criticar, a preocuparmo-nos com ele e a tentar que assim não seja", afirmou o bloquista.

Em declarações à Lusa, Sérgio Aires disse que, "para além da matéria judicial, há aqui matéria política que importa realçar, (...) da forma como algumas câmaras municipais se relacionam com o setor imobiliário".

"No caso concreto da Selminho, os serviços municipais atuaram como lhes competia, indeferiram o projeto da imobiliária de construir onde o PDM [Plano Diretor Municipal] não permitia e, portanto, protegeram o interesse municipal, mas, na nossa opinião, a atuação dos presidentes da câmara foi muito diferente, porque acolheram as pretensões edificatórias da Selminho através de um acordo que, se tivesse sido concretizado, se iria traduzir num encargo para o município superior a um milhão de euros", prosseguiu.

O vereador referiu ainda que "o Ministério Público irá recorrer, portanto, basicamente, o que está em cima da mesa é que o processo vai continuar", dando "uma continuidade deste problema que não traz paz para ninguém".

Em julho de 2016, o Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) do Porto dava conta da instauração de um inquérito, na sequência de uma denúncia anónima sobre a empresa Selminho, da família de Rui Moreira, que detinha, há vários anos, um conflito judicial com a Câmara do Porto, devido a terrenos da escarpa da Arrábida.

A Procuradoria-geral da República confirmou "a receção, através da plataforma de denúncias do Departamento Central de Investigação e Ação Penal, de uma denúncia anónima relacionada com a matéria", que foi "remetida ao departamento do Ministério Público competente - DIAP do Porto - onde, entretanto, foi instaurado um inquérito".

O Ministério Público acusou, em dezembro de 2020, o autarca do Porto de prevaricação por, alegadamente, favorecer a imobiliária da sua família durante o seu mandato, em 2013, em detrimento da autarquia.

Na ocasião, o autarca reagiu e deixou claro que não iria interromper o mandato, considerando a acusação "ultrajante" e "infame" e "uma peça de combate político-partidário", tendo requerido a abertura de instrução, fase facultativa que visa decidir por um juiz de instrução criminal (JIC) se o processo segue e em que moldes para julgamento.

No debate instrutório de 29 de abril de 2021, o MP reiterou que Rui Moreira, enquanto presidente do município, agiu em seu benefício e da família, em prejuízo do município, no negócio dos terrenos da Arrábida, cujo conflito judicial opunha há vários anos a câmara à imobiliária Selminho. A empresa da família de Moreira pretendia construir num terreno na escarpa da Arrábida, que o tribunal veio a decretar ser propriedade do município.

Para o procurador Nuno Serdoura, o autarca prevaricou ao assinar, em nome do município, uma procuração forense ao advogado Pedro Neves de Sousa, mandatário do município numa ação judicial que corria termos no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, em que a Selminho, "empresa da família do autarca e dele próprio, demandava a CMP", violando, assim, os deveres de legalidade e de imparcialidade.

"Pese embora não desconhecesse o litígio entre o município e a Selminho, em total desrespeito pelo Estatuto dos Eleitos Locais", a acusação diz que Rui Moreira assinou a procuração forense, em 28 de novembro de 2013, pouco mais de um mês após assumir a presidência da autarquia.

Segundo o MP, Rui Moreira ordenou ainda o advogado, que naquela ação representava a câmara, a celebração de compromisso arbitral e de transação judicial onde aquele se obrigava a alterar o Plano Diretor Municipal, de acordo com a pretensão da Selminho, no ano de 2016, ou a indemnizar a empresa, caso tal não se viesse a verificar, e que, "ao fazê-lo, retirava a causa da esfera do tribunal judicial administrativo para a entrega a um tribunal arbitral, sem qualquer fundamento para tal".

O MP acrescentava que a "atuação criminosa" do autarca não se limita à outorga da procuração forense, "mas continua com a intervenção do arguido num processo judicial em que beneficiou a empresa Selminho, e depois em toda a ocultação desta atuação".

Além disso, diz, Moreira "usurpou as competências administrativas da Assembleia Municipal, não só vinculando a edilidade a que presidia à alteração do PDM em termos que beneficiavam ilegalmente a Selminho", mas também dando ordens ao mandatário municipal.

No Requerimento de Abertura de Instrução (RAI), a defesa de Rui Moreira admitiu que o autarca teve uma atuação "menos avisada ou desatenta", quando emitiu a procuração forense ao advogado Pedro Neves de Sousa.

Durante a instrução, a defesa pediu que Moreira não fosse julgamento, alegando que o caso Selminho estava assente "num processo de intenções, teorias e fabulações" do Ministério Público (MP).

Para o advogado Tiago Rodrigues Bastos, os autos "são filhos de uma imaginação, de um preconceito e de uma intenção, que não é aceitável", em alusão ao procurador do MP Nuno Serdoura.

Em maio de 2021, o independente Rui Moreira afastou a hipótese de a decisão do tribunal de o levar a julgamento interferir numa recandidatura à presidência da Câmara do Porto, para a qual acabou por ser reeleito em 26 de setembro 2021, ainda que não tenha conseguido reeditar a maioria alcançada nas autárquicas de 2017.

Azeredo Lopes, antigo chefe de gabinete do presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, foi uma das duas dezenas de testemunhas arroladas pelo MP.

O ex-ministro da Defesa, que antes de integrar o Governo foi chefe de gabinete de Rui Moreira após este tomar posse como presidente do município portuense, em 23 de outubro de 2013, foi um dos 20 nomes do rol de testemunhas da acusação do MP.

Comete o crime de prevaricação o titular de cargo político quem, conscientemente, conduza ou decida contra direito um processo em que intervenha no exercício das suas funções, com a intenção de, por essa forma, prejudicar ou beneficiar alguém.

A moldura penal relativa ao crime pelo qual Rui Moreira está acusado e pronunciado vai dos dois aos oito anos de prisão.

Quando em 18 de maio foi conhecida a decisão do Tribunal de Instrução Criminal do Porto de levar Rui Moreira a julgamento, a coordenadora do Bloco de Esquerda, Catarina Martins, defendeu, numa publicação na rede social Twitter que o autarca não tinha condições para "continuar no cargo", acrescentando que "Rui Moreira preferiu o negócio à cidade".

No mesmo dia, o candidato do Partido Popular Monárquico (PPM) à Câmara do Porto afirmou que o caso Selminho é "mais um caso de indícios de corrupção entre políticos em Portugal", classificando como "vergonhoso" a "impunidade com que o poder se move na justiça".

Dois dias depois, o secretário-geral adjunto do PS, José Luís Carneiro, reagia, insurgindo-se contra "julgamentos na praça pública" e manifestando o "respeito absoluto" pela presunção da inocência e direito à defesa do presidente da Câmara do Porto.

Na mesma altura, o presidente do PSD, e ex-presidente da Câmara do Porto, Rui Rio, deixou claro que, se estivesse na situação de Rui Moreira, não se recandidataria à câmara, alertando para o "risco" que o autarca corre de ter de "sair pela porta de trás" da autarquia.

À data, o grupo municipal do movimento independente de Rui Moreira reiterou que o acordo feito no mandato do autarca com a Selminho não deu à imobiliária da sua família direitos que já não tivesse.