Sociedade
05 dezembro 2023 às 00h14

População sem-abrigo aumenta 25%. Há trabalhadores a viver na rua

São, sobretudo, empregados da hotelaria e moram em tendas ou abrigam-se em locais discretos. Vão a balneários e trabalham, mas não têm dinheiro para pagar uma renda de casa.

Em apenas um ano a população sem-abrigo aumentou 25% na região metropolitana de Lisboa. Quem o afirma é Renata Alves, diretora-geral da Comunidade Vida e Paz, que se dedica a apoiar estas pessoas. "Este aumento verificou-se em relação ao ano passado. Nessa altura, estávamos a ir ao encontro de 400 pessoas, em 100 pontos de Lisboa e alguns na Amadora. Neste momento, estamos a apoiar 510 pessoas, nas ruas."

O perfil da pessoa sem-abrigo mudou. Apesar de continuar a haver muitos indivíduos com problemas de toxicodependência, alcoolismo e doenças mentais, há atualmente pessoas que têm emprego, mas não conseguem pagar a renda de uma casa para morar. E, se o turismo é uma das alavancas da economia portuguesa, são sobretudo trabalhadores deste setor a viver nas ruas. "Temos muitas situações que decorrem desta crise que estamos a atravessar, em consequência da pandemia e da guerra. São pessoas que têm trabalho, mas já não têm habitação, porque a habitação, em Lisboa, não está acessível", explica a líder da Comunidade Vida e Paz. "Muitas famílias estão a passar por grandes dificuldades no que diz respeito ao orçamento familiar. Muitas vezes, sem recursos para fazer face a todas as despesas familiares, acabam como sem-abrigo."

Pelas ruas da cidade, há trabalhadores "a viver em tendas ou em locais mais abrigados que têm dificuldades, por exemplo, em fazer a sua higiene. Para isso procuram locais como os balneários, nos Anjos. Trata-se, também, de uma questão de dignidade das pessoas, que está posta em causa. Além disso, com as dificuldades em fazer a sua higiene têm, também, problemas acrescidos em manter os empregos", acrescenta Renata Alves.

A diretora-geral da Comunidade Vida e Paz deixa mesmo um alerta: "Há trabalhadores, sobretudo da hotelaria, que se não estão em situação de sem-abrigo estão na iminência de o ficar. Se não forem tomadas medidas, acreditamos que o número de sem-abrigo não vai parar de aumentar".

A Comunidade Vida e Paz sai, todas as noites, em busca de pessoas sem-abrigo. São quatro rotas que abrangem toda a cidade de Lisboa e algumas zonas da Amadora. E se há uns anos a população sem-abrigo se concentrava sobretudo no centro da capital - em Arroios e em Santa Apolónia -, atualmente há sem-abrigo também na zona do Oriente, no Parque das Nações, e a Ocidente, na Avenida de Ceuta.
Nesta área movimentam-se muitos indivíduos embrenhados no consumo de drogas e álcool. "É importante referir que há um aumento de pessoas a consumir substâncias psicoativas", realça Renata Alves. "Muitas vezes, as pessoas, por não encontrarem soluções para a sua vida, encontram no consumo de drogas e álcool uma solução falhada. Na Avenida de Ceuta isso verifica-se muito: é uma zona terrivelmente afetada, onde há muita gente a consumir e em situação de sem-abrigo." A dirigente da Comunidade Vida e Paz dá ainda conta do aumento de sem-abrigo a "morar" na Gare do Oriente.

"Constata-se que o perfil da pessoa sem-abrigo mudou. Hoje em dia encontramos pessoas de todas as idades: jovens, idosos e casais. Encontramos as tais pessoas com problemas do foro aditivo, nomeadamente de álcool e drogas, pessoas com problemas mentais, mas também bastantes migrantes. E muitos estão na Gare do Oriente."

A população sem-abrigo movimenta-se e nem sempre fica nos mesmos sítios. "Uma pessoa pode estar hoje num local e amanhã não o encontramos no mesmo sítio. A população sem-abrigo vai-se movimentando muito à medida que vai encontrando espaços onde se sinta mais protegida e onde tenha mais recursos para fazer face às suas necessidades", explica, ainda, Renata Alves.
O objetivo da Comunidade Vida e Paz, através das equipas de rua, é, "além de oferecer uma ceia e roupas às pessoas, dar-lhes algum conforto humano e ajudá-los a encontrar uma solução fora da rua, para as suas vidas".

isabel.laranjo@dn.pt