Sociedade
02 fevereiro 2023 às 07h00

Incerteza da realização de aulas provoca desespero nos pais

Mesmo após terem sido decretados serviços mínimos, os encarregados de educação continuam a viver numa instabilidade escolar e apelam ao regresso à "normalidade".

"Desde dezembro, os dias em que houve aulas contam-se pelos dedos". Assim soa o desabafo dos encarregados de educação dos alunos da Escola Básica Ary dos Santos, no Montijo, que às 8.50 aguardavam ansiosamente para saber como seria o dia escolar das crianças que esperam poder voltar à normalidade no primeiro dia de serviços mínimos nas escolas nacionais.

ontem, todas as manhãs dezenas de pais reuniam-se junto ao portão da escola, sempre sem certezas de qual seria o desfecho. E, mesmo com essa decisão, a instabilidade permanece, pois a aprendizagem já foi afetada pelos longos períodos em que o estabelecimento de ensino esteve fechado.

Rute Batista, de 44 anos, foi levar o filho, Miguel Oliveira, de 8 anos, a um dos seus poucos dias de aulas desde o início do ano - um dia que era considerado "uma exceção" pela mãe, que falava ao DN dos transtornos que a greve dos docentes tem causado.

Sem o apoio dos avós, que ajudam a cuidar das crianças quando não têm aulas, Rute admite que seria muito difícil continuar com a sua rotina profissional. "Tenho a sorte de ter algum apoio, senão teria de faltar ao trabalho", explicou.

Com três filhos, no 3.º, 5.º e 10.º, anos de escolaridade, Rute têm sentido na pele os efeitos do número reduzido de aulas, confessando que por vezes é "desesperante" não saber como terminará este ano letivo.

Quanto às aprendizagens dos mais novos, a mãe conta que tem sido necessário dar algum apoio em casa, para que consigam manter-se a par da matéria: "Tive de comprar livros para os conseguir ajudar a estudar em casa, mas para algumas crianças continuar a aprender pode ser muito complicado se não tiverem qualquer apoio nesse sentido."

Ainda que Miguel esteja a meio de aprendizagens fundamentais, como a leitura e a escrita, Rute considera que são mais graves os casos dos seus filhos mais velhos, especialmente Catarina Oliveira, de 15 anos, que já pensa na candidatura ao Ensino Superior.

Na Escola Secundária, a aluna "em vez de fazer dois testes a algumas disciplinas, como é programado, apenas fez a um", logo, "o resultado que vai sair no final do semestre será o reflexo apenas da nota de um teste e isto poderá ser prejudicial", sublinhou a mãe.

Nos arredores da escola estava também Hermelinda Reimão, de 83 anos, que acompanha diariamente o seu vizinho, Tiago Carrusca, de 10 anos, e verifica se existem aulas ou não. "Os pais têm de trabalhar e não me custa nada dar esta ajuda", disse.

De forma semelhante, também Leonel Cardoso Gomes, de 65 anos, vai todos os dias com os netos à escola e, depois de muito tempo, até que os portões se abrissem, garantia que esta rotina incerta é cada vez mais um incómodo para muitos pais.

"Isto já está tudo muito difícil em termos de dinheiro no país. E com a falta de aulas, há muitas pessoas a serem obrigadas a pagar mais para deixarem os filhos com cuidadores, quando deviam estar na escola. É inadmissível. Concordo com a greve dos professores, mas as coisas podiam estar a ser feitas de outra forma", desabafou.

Perante a falta de aulas, o descontentamento na cara dos encarregados de educação que ali se encontravam era evidente. "É mais do mesmo, estamos fartos", ouvia-se.

Mas a certeza que tinham era apenas uma: hoje não haverá aulas naquela escola, devido à greve por distrito, que tem lugar em Setúbal.

Os serviços mínimos que começaram ontem nas escolas garantem que nenhum estabelecimento de ensino esteja encerrado, independentemente da greve a que aderem professores e funcionários. Foi a ANDAEP quem avançou esta confirmação, após ter colocado várias questões ao ministério, tendo em conta que, neste momento, decorrem quatro greves convocadas por diferentes estruturas sindicais

Com estes serviços já em vigor, Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas, disse à Lusa que "ainda é um pouco cedo para fazer algum balanço" do seu impacto, porém, garante que "estão a ser cumpridos os serviços mínimos" necessários.

Sobre esta medida, o Presidente da República, disse ser "uma experiência nova, diferente e, portanto, vale a pena ver" quais serão os resultados. "Aparentemente os sindicatos, nomeadamente o sindicato mais envolvido na atividade que acabou por determinar o recurso a serviços mínimos, tomou uma posição compreensiva, aceitando a deliberação. Vamos ver o que se vai passar", frisou.

A sua expectativa é "que se caminhe no sentido de um entendimento, de uma convergência" e que o ano letivo não prossiga com "um número apreciável de escolas a não funcionarem de modo contínuo". Porém, Marcelo Rebelo de Sousa alertou que, face às greves, "há um momento em que a simpatia que de facto há na opinião pública em relação à causa dos professores pode virar-se contra eles".

Esta é a terceira vez que são decretados serviços mínimos para as escolas e, até 2013, a legislação não incluía a educação entre as "necessidades sociais impreteríveis".

Com Lusa

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