Sociedade
19 setembro 2021 às 22h14

Explicações. Fenómeno a crescer e o Estado a olhar para o lado

Mercado mundial dos centros de explicações e de aprendizagem já vale mais de 106 mil milhões de euros, estimando-se que ultrapasse, em 2026, os 172 mil milhões. Em Portugal não há dados concretos sobre a sua verdadeira dimensão e o Estado faz vista grossa ao ignorar o seu impacto e ao não criar regulamentação específica. Certo é que são um forte sistema paralelo de apoio às famílias e que muitas delas não se conseguiriam organizar sem ele. Se a escola desse resposta a todos os alunos, os centros de explicações seriam mesmo necessários?

Assim que arrancam as aulas e as famílias recebem os horários dos seus educandos, os telefones dos explicadores particulares, centros de explicações, centros de estudos, e afins, não param de tocar.

Conciliar a vida profissional dos pais, os horários das crianças e jovens, com as explicações e as atividades extracurriculares não é tarefa fácil. A azáfama é grande e muitos pais só relaxam quando conseguem ter garantido o suporte necessário para levar a bom porto o novo ano letivo que agora começa. Sendo Portugal um dos países em que ambos os progenitores trabalham fora e em que a velha rede, os avós, está cada vez mais indisponível pelo facto trabalharem até idade mais avançada, a gestão familiar não podia ser bem conseguida sem este sistema paralelo de apoio à educação.

Esta rede de suporte privada faz a ponte de ligação ao sistema formal de educação, pois como os horários de saída das escolas não são coincidentes com os horários de trabalho dos pais, muitas famílias encontram nos centros de estudos o local ideal para deixarem as suas crianças e jovens. Além de os irem buscar à escolas, também os ajudam nos TPC - tarefas que tantas vezes geram conflitos à hora do jantar -, nas matérias mais difíceis e providenciam explicadores, em grupo ou em aulas individuais. Há quem defenda que este mercado cresce à custa da "angústia" dos pais em conseguir conciliar as suas stressantes vidas profissionais, as ocupadas agendas dos filhos e o sucesso escolar que tanto ambicionam para os seus rebentos.

Para muitos pais, esta rede de apoio é indispensável, mas a verdade é que foge ao controlo do Estado. É uma atividade paralela ao sistema de ensino que, no fundo, apesar de ser paga pelos pais - libertando o Estado de orçamentar mais despesa em educação - ainda contribui de forma positiva para o sucesso escolar dos alunos portugueses como um todo, melhorando as estatísticas num país em que a escola pública é ainda uma boa opção (para muitos ainda a melhor). O Ministério da Educação revelou há dias que cada aluno custa ao erário público cerca de 6200 euros por ano, o que representa um aumento de 30% da despesa face aos valores registados em 2015. Integrar esta atividade de apoio no sistema público de ensino não é, de todo, viável no orçamentos nacional. Sobre este tema, Manuela Mendonça, presidente do Conselho Nacional da FENPROF (Federação Nacional dos Professores), afirma que "o setor das explicações vive à custa do desinvestimento na escola pública e que acentua as desigualdades entre alunos, já que aqueles que podem, pagam para melhorar uma décima que pode ser decisiva para o ingresso na Universidade".

Esta responsável acrescenta: "A FENPROF reafirma que os nossos impostos deviam garantir uma escola pública de qualidade para todos, mas os sucessivos Governos têm preferido uma escola pública barata, com poucos professores e poucos recursos, condenando muitos alunos a percursos de insucesso escolar e obrigando as famílias a um esforço financeiro inversamente proporcional ao esforço financeiro do Estado na educação". Sublinha que é significativo que a OCDE, através do estudo Education at a Glance, tenha chamado a atenção para o facto de Portugal estar a investir em educação menos do que a média dos países-membros da UE, o que terá consequências negativas no futuro do país.

Contudo, este não é apenas um fenómeno nacional. O mercado das explicações privadas - ou tutoria particular - está a crescer mundialmente, quer porque a população em idade escolar também aumenta e há cada vez mais escolas e universidades a lecionar, quer porque as ambições ao nível do sucesso escolar são cada vez mais altas. A educação superior é vista, um pouco por todo o mundo, como uma forma de ascensão social, e por esse motivo cada vez mais as famílias investem fortemente na instrução dos seus filhos. Na Coreia do Sul, por exemplo, um dos maiores mercados mundiais de explicações privadas - vale cerca de 12 mil milhões de euros -, esta atividade representa já 12% do orçamento familiar mensal. É um investimento importante no futuro dos estudantes sul-coreanos.

Segundo o relatório Private Tutoring - Global Market Trajectory & Analytics, realizado pela Global Industry Analytics, multinacional de estudos e estatísticas, o mercado mundial das explicações (incluindo centros de estudo, centros de aprendizagem, entre outros formatos) atingiu, em 2020, um volume de negócios de 124 mil milhões de dólares (cerca 106 mil milhões de euros) e deverá ascender a perto de 202 mil milhões de dólares (cerca de 172 mil milhões de euros) em 2026, um crescimento anual composto estimado de 8,4%. Em 2026, as estimativas desta organização apontam para que a China atinja os 56 mil milhões de dólares (48 mil milhões de euros), cerca de um quarto do valor mundial.

Segundo este estudo, a educação complementar está a crescer tanto nos países desenvolvidos, como nos países em desenvolvimento. Japão, Canadá e Alemanha são alguns dos países onde este tipo de atividade de tutoria está a aumentar a bom ritmo, com crescimentos entre os 5% e 8% ao ano.

Ainda que a pandemia tenha alterado um pouco as regras do jogo, este mercado não foi muito penalizado, até porque as soluções online passaram a ser prioritárias em fases de confinamento. Segundo este relatório, o segmento do digital ganhou peso e estima-se um crescimento médio anual de 11,5% nos próximos sete anos. Segundo um outro estudo, realizado pela Grand View Research, multinacional de consultoria sedeada na Califórnia, designado de Online Tutoring Services Market Size, Share & Trends Analysis Report, a fatia do mercado mundial relativa ao acompanhamento nas plataformas digitais representava, em 2020, cerca de 5,6 mil milhões de dólares (cerca de 4,7 mil milhões de euros) e estima-se que cresça a um ritmo médio de 15% ao ano até 2028. A crise pandémica acabou por acelerar a apetência da procura para este este tipo de formatos de aprendizagem remota.

Em Portugal não há estudos concretos e atualizados sobre o peso desta indústria na economia, nem tão pouco se sabe de que forma a pandemia afetou o negócio. Sandra Romão, diretora geral da rede Ginásios da Educação Da Vinci, um dos maiores franchisings nacionais do setor, com mais de 40 centros de explicações - e agora também uma plataforma online -, revela que, segundo um estudo interno da empresa, realizado em 2019, existirão em Portugal cerca de 12 mil explicadores e aproximadamente mil centros de estudos. Afirma ainda que, segundo as suas estimativas, 22% dos alunos nacionais recorrem a apoio escolar, 17% dos quais em regime de explicadores particulares, sendo que apenas 5% das crianças e jovens frequentam centros de explicações.

Traduzindo para números absolutos, serão qualquer coisa como 244 mil os alunos que usufruem destes serviços, a larga maioria (70%) com explicações particulares, realizadas na casa de explicadores, que não passam recibo.

"Esta fatia corresponderá a um volume de faturação na ordem dos 200 milhões de euros, valor que não resulta em imposto para o Estado", diz Sandra Romão. "Existem muitos anticorpos relativamente às explicações e até consigo compreender porque temos todo um mercado paralelo a florescer. Isto porque não existe uma entidade reguladora, com regulamentação aplicável ao exercício desta atividade. Não existe sequer uma associação que defenda este setor", explica. Cristina Batista, do centro de estudos Akademia, sedeado nos Olivais, em Lisboa, afirma que tentou em tempos, com o seu irmão e sócio, criar uma associação para esta atividade, para de alguma forma desenvolver e credibilizar o mercado, mas este foi um projeto que não chegou a sair do papel, por dificuldades várias.

Um dos poucos estudos realizados em Portugal sobre este tema foi feito por uma equipa da Universidade de Aveiro, através do projeto Xplica, conduzido pelo professor Jorge Adelino Costa, e do qual Andreia Gouveia fez parte. O estudo Xplica Internacional investigou este fenómeno a nível mundial, comparando cinco cidades em quatro continentes: Lisboa, Otava, Seul, Maputo e Brasília. "Este fenómeno na Ásia tem um desenvolvimento notável. Há centros de explicações cotados em Bolsa e que geram muitos milhões de euros anualmente. Os explicadores em Hong Kong são quase vedetas, com as suas fotos em outdoors, em autocarros, e os alunos procuram aquele explicador específico. Há todo um marketing associado a esse mercado", revela ao DN Andreia Gouveia, atualmente professora do departamento de Psicologia e Educação da Universidade Portucalense. Esta especialista realizou a sua tese de doutoramento sobre o complexo sistema de construção do sucesso escolar em Portugal, com a orientação do professor António Neto-Mendes, também envolvido no projeto Xplica.

"Percebemos que, em todos os países do mundo onde existem exames nacionais, as explicações têm um peso importante. Há uma correlação direta, sendo que o número de oferta e de procura ganha mais expressividade quanto mais se aproxima o fim da escolaridade", revela Andreia Gouveia. Afirma ainda que "o ensino secundário tem um duplo objetivo: por um lado certifica que os alunos terminam a escolaridade obrigatória e, por outro lado, os exames nacionais são usados para ingresso no ensino superior, o que aumenta a pressão para o sucesso". Já nos países do Norte da Europa, como a Finlândia, Suécia, Dinamarca, onde não existe este modelo de avaliação, a sua expressividade é muito residual, havendo mais centros de línguas e apoio a matérias específicas, mas não centros de explicações. Também devido à qualidade do ensino público nesses países, não há necessidade de se alimentar um sistema de educação paralelo.

Na sua tese, Andreia Gouveia escreve que, a nível mundial, este é um terceiro setor educativo, um negócio que já não está na sombra, que não se limita a acompanhar a escola formal, mas a ser uma alternativa à própria escola, com métodos de aprendizagem próprios, e que acaba por questionar a qualidade do próprio ensino.

Em Portugal, os centros de explicações abrem sem qualquer controlo, com as mesmas regras que se aplicam à abertura de lojas comerciais e apenas fiscalizados pela ASAE. Orquídea Campos, doutorada em Ciência da Educação, participou, com mais dois colegas do Instituto Piaget (Alcina Figueiroa e José Couto), num estudo sobre centros de explicações no município de Vila Nova de Gaia, em 2016.

"No dia a dia percebíamos que abriam constantemente centros de explicações e essa questão intrigou-nos e tentamos encontrar respostas", diz. A primeira dificuldade sentida foi caracterizar esta atividade, onde estavam, que tipo de publicidade faziam, e foi a apalpar terreno que conseguiram recolher alguns elementos. "No concelho de Gaia, em 2016, conseguimos encontrar 63 centros de estudos, mas este não será o número real, é apenas que o conseguimos identificar. Estes situam-se próximo das escolas, e nas zonas com maior densidade populacional", revela.

Outro aspeto que este estudo revelou é que, não havendo qualquer regulamentação, os centros abrem e fecham constantemente. "É uma terra de ninguém", afirma, alertando que, em outras atividades com crianças, como as IPSS, são muito regulados, mas neste caso não se sabe sequer a qualidade do espaço físico, do ensino nem o número de crianças por metro quadrado, por exemplo. "Muitos destes espaços também não têm condições para receber crianças portadoras de deficiência", acrescenta. Esta grande profusão de centros - tipicamente em lojas comerciais - teve maior desenvolvimento a partir de 2014, por diversos fatores: alterou-se a forma de colocação dos professores, aumentou-se a idade da reforma e isso fez com que muitos professores ficassem de fora do sistema de ensino formal. Uma das soluções imediatas foi a opção por explicações privadas e os centros de apoio pedagógico.

Possivelmente já todos ouvimos alguém mais velho dizer que "no meu tempo não havia necessidade de explicações, as aulas dos professores eram suficientes". De facto, ainda que o recurso a tutores e explicadores não seja uma criação moderna, este fenómeno é agora mais generalizado.

"As explicações fazem parte da nossa sociedade há muito tempo. Se são agora mais visíveis, isso prende-se sobretudo com o acesso ao ensino superior", explica Paula Figueiras Carqueja, presidente da Associação Nacional de Professores. Esta associação, fundada em 1985, tem sede em Braga e várias delegações regionais e representa todos os docentes nacionais, da educação pré-escolar ao ensino superior, seja ensino público ou privado. "Se deveria haver explicadores? Não deveria. Deveríamos sim ter capacidade para dar resposta a todos os alunos, e estou a falar também nas diferentes necessidades dos grandes centros urbanos e dos meios rurais", afirma. Por outro lado, refere que os centros de estudos e centros de explicações "são um palco de conforto para os pais, saber que os meninos saem da escola e estão com alguém que lhe dá a mesma confiança que lhe dá a escola e os seus professores, que estão protegidos e que têm quem os apoie nos trabalhos de casa".

As motivações que levam os pais a procurar estes espaços podem ser variadas, mas Andreia Gouveia enumera que há dois perfis principais de alunos que frequentam estes centros. "Temos aquele aluno que procura explicações porque teve negativa na disciplina e pretende passar, e temos o aluno excelente, com média igual ou superior a 17 e que tem objetivos muito concretos, como a entrada num determinado curso ou determinada faculdade", diz.

No sistema de educação formal, nem todos estão contra as explicações. Conforme escreve Andreia Gouveia na sua tese, há professores que as aceitam e reconhecem como importantes, há outros que discordam da sua existência e ainda há os que as ignoram. A verdade é que pais e explicadores entendem que dar aulas a turmas com muitos alunos é complicado para os docentes. Alguns deles, sobrecarregados, até com tarefas administrativas - sobretudo agora com as plataformas eletrónicas - acabam por aceitar o papel dos explicadores e vê-los como uma mais-valia, uma forma de avançar mais rápido nos conteúdos programáticos, que têm de ser lecionados integralmente.

Os explicadores e os centros de explicações afirmam que não pretendem substituir a escola. O que fazem é uma complementaridade do exercício pedagógico e reforçam a robustez dos conteúdos programáticos, como defende Sandra Romão. "Numa turma de 30 alunos o professor não para de dar a matéria porque o aluno está com dificuldades. Não será então importante criar robustez e consolidação nos conteúdos programáticos, já que os programas são extensos?", questiona.

A este respeito Paula Figueiras Carqueja diz que concorda que há um currículo com excesso de matéria que impele que os alunos necessitem de recorrer às explicações. "Existe um currículo que está desenhado não em função temporal de todos os alunos, mas em função da média dos alunos. Ou seja, nem todas as crianças estão no mesmo ritmo de aprendizagem, e a grande luta dos professores é que os currículos se adaptem a todos os alunos e a todo o espaço temporal. O que se passa sobretudo no secundário é que, em turmas de 30 alunos, o professor dá uma matéria, se houver uma dúvida por aluno, e se der um minuto para cada aluno, metade da aula já se perdeu. Se o professor dá tempo para dúvidas, os conteúdos que estavam sumariados para aquele dia já não são dados. Matemática, Físico-química, por exemplo, são as matérias que exigem maior compreensão no momento, se o aluno não perceber fecha-se à matéria", explica.

Quando Cristina Batista fundou o Akademia, em 2004, já tinha como objetivo fazer a diferença no percurso dos alunos, com ensino personalizado e de qualidade. "Quando procurei apoio paras minhas filhas senti que a oferta não me satisfazia. Decidi então criar um espaço que oferecesse o que eu também andara à procura. Inicialmente foi um projeto com uma visão mais romântica", relembra. Com uma pós-graduação em Ciências da Educação, esta profissional revela que este não é um negócio para ganhar dinheiro. "Esse não é o nosso objetivo prioritário. A nossa filosofia é dar ao cliente o que ele necessita, mas sempre com uma grande preocupação caso a caso. Temos alunos que são da mesma turma, mas que precisam de um apoio diferenciado", afirma. Atualmente já tem dois centros, o dos Olivais e outro em Alcochete, frequentados por 250 alunos, mas não pretendem crescer muito para assim manter a qualidade, formando os recém-licenciados que trabalham consigo - é já uma equipa de 14 elementos. Reforça que "ajudaria muito se os professores não vissem esta atividade como inimiga, mas sim como fornecedora de serviços complementares".

"Há uma diferença muito grande entre um explicador e um professor que dá aulas para uma turma com muitos alunos. As pessoas não são todas iguais e, por isso, trabalhamos de forma diferente quando estamos individualmente com um aluno", refere Rita Castro, explicadora da disciplina de Geometria Descritiva na zona de Sintra. Sobretudo numa disciplina como esta, lecionada a partir do 10.º ano, os alunos não estão todos ao mesmo nível e é preciso ter uma atenção especial com o ritmo de cada um. "A matéria é muito extensa e é preciso preparar os alunos para os exames nacionais. É fundamental criar laços de confiança para conseguir sucesso na aprendizagem", afirma.

Esta profissional, agora com 42 anos, começou a dar explicações ainda com 19, antes mesmo de iniciar a sua licenciatura, num centro de explicações. Atualmente optou por ser explicadora particular e acredita que a sua relação com os alunos, mais humana, é que motiva os bons resultados. "Adoro ensinar, mas também tenho a perfeita noção que há muita gente a fazê-lo que não tem qualquer vocação", diz.

"O Ministério da Educação está a pôr uma venda naquilo que existe em paralelo à nossa escola para dar resposta aos currículos que desenvolve. Deveria até questionar todos os centros de explicações sobre o que estão a trabalhar e quem são os explicadores", alerta Paula Figueiras Carqueja. Para esta especialista, que além de professora tem um doutoramento em Educação, o Ministério sabe que existem estes centros e por esse facto, então, deveria reunir localmente e ouvi-los para saber as dificuldades que os alunos levam para estes espaços. "Penso que era benéfico saber, não quanto ganham, mas o que motiva os alunos a procurá-los e assim poder adaptar os currículos através desta análise, numa ótica construtiva", remata. Contactado pelo DN, o Ministério da Educação apenas informa que os centros de explicações são uma atividade privada e que não estão sobre a sua alçada.

Para Paula Figueiras Carqueja, todo o modelo de ensino deveria ser repensado a bem das crianças e jovens. "Os nossos alunos vivem aprisionados diariamente. A partir do momento em que entram numa escola estão presos entre muros, são prisões de um modo geral. Eles passam demasiado tempo nas escolas, demasiado tempo nos centros de estudo, demasiado tempo nas atividades. Tínhamos de ter uma escola a pensar nos nossos jovens e nos tempos vazios, menos tempo de estudo e mais de lazer, e dar algum conforto aos pais, dar tempo para que os pais pudessem estar com os seus filhos", esclarece.

Esta sobrecarga de horas é também devida ao excesso de atividades com que os pais carregam as crianças, muitas vezes em nome do sucesso escolar e profissional. Cada vez mais cedo os pais, com maior ambição para os seus filhos, se preocupam em colocar crianças em locais de apoio ao estudo, alguns logo a partir dos seis anos de idade com o argumento de virem a desenvolver métodos de estudo futuros. Porém, Andreia Gouveia alerta que as explicações podem ter também alguma influência negativa em sala de aula. A frequência de espaços de apoio ao estudo podem conduzir a falta de atenção e de concentração, por exemplo no caso de alunos que deixam de acompanhar a matéria porque existe uma outra metodologia nos centros de aprendizagem, ou porque já estão a dar conteúdos em avanço, o que promove o desinteresse. Por outro lado, pode também gerar conflitos e comprometer a autoridade e respeito pelo professor. "Corremos o risco de a escola formal se tornar numa mera agência de legitimação e certificação de conhecimento", diz Andreia Gouveia.

Jorge Amorim, investigador na área das neurociências cognitivas e fundador da Hikari, empresa que se dedica a projetos de tutoria e mentoring escolar refere a propósito deste tema que foi sempre uma batalha sua "ser contra as explicações". "Não contra as explicações em si, mas pelo motivo de que tanto as explicações como as tutorias deveriam estar dentro das escolas. Sempre trabalhei em escolas públicas e defendo a escola pública. Durante vários anos fiz tutorias educacionais, nas quais não se explica a matéria, ensina-se a aprender", diz. O primeiro projeto de tutorias que realizou, no Bairro da Cova da Moura, na Amadora, surgiu com o objetivo de fazer jogos para estimular a memória, a atenção e aprender a brincar. O foco aqui é sempre a aprendizagem, mas a melhoria das notas resulta do sucesso da aprendizagem.

Para ele, os pais veem como um ativo forte ter um bom percurso escolar e dão mais valor às notas. As notas só por si não são o sucesso, porque há alguma subjetividade, mas criam as regras do jogo, e esse jogo não vai ser jogado por todos da mesma maneira nem com os mesmos recursos. "As escolas privadas podem escolher os alunos que recebem, com melhor desempenho e afastar os de menor desempenho, para estarem bem no ranking e serem atrativas, e uma escola pública vai estar mais abaixo no ranking, mas também tem alunos com médias e desempenhos ótimos", explica.

"Em Portugal há uma desvalorização do papel do professor", diz Paula Figueiras Carqueja, presidente da Associação Nacional de Professores. Esta desvalorização passa por muitos fatores, é certo, mas um dos que não pode ser ignorado é desvalorização da profissão em termos remuneratórios. Se os professores fossem bem pagos não recorriam à atividade paralela das explicações para compor o seu rendimento familiar, defendem alguns. Muitos professores são deslocados da sua zona de residência, andam de casa às costas ano após ano, e não têm qualquer apoio, não há subsídios nem ajudas de custo. Por isso acabam por ter de recorrer às explicações para manter, muitas vezes, duas casas ou suportar as viagens constantes.

Vejamos, segundo o estudo Education at a Glance 2020, realizado pela OCDE, as remunerações anuais dos professores em alguns países europeus:

Professores do primeiro ciclo
- Portugal: 30 mil euros anuais
- Finlândia: 44 mil euros anuais
- Holanda: 51 mil euros anuais
- Alemanha: 58 mil euros anuais

Professores do ensino secundário
- Portugal: 31 mil euros anuais
- Finlândia: 55 mil euros anuais
- Holanda: 61 mil euros anuais
- Alemanha: 69 mil euros anuais

Sandra Romão, diretora da rede Ginásios da Educação Da Vinci, alerta que há falta de vontade política no que diz respeito aos centros de estudo, basta ver a desigualdade entre centros de explicações e explicadores profissionais, já que estes centros têm de pagar IVA enquanto que os explicadores particulares são isentos. "Por esse motivo entregamos, em 2017, uma petição para a isenção do IVA, assinada por mais de seis mil subscritores e para trazer este assunto ao debate parlamentar", diz.

Nesta petição podia ler-se que é "uma realidade comum e transversal a todas as famílias o recurso a serviços de centros de explicações/estudo, por motivos de reforço de aprendizagem, recuperação de alunos, de melhoramento de resultados, ou quaisquer outros, onde se constata que os encargos suportados com explicações/lições e apoio escolar são indispensáveis para a maioria dos agregados familiares. Esforço financeiro com um peso relevante no orçamento anual das famílias, com resultados positivos na formação e educação das crianças e jovens do nosso País, e que não tem um tratamento fiscal à altura dos benefícios resultantes do esforço registado". Porém este pedido caiu em saco roto e não houve qualquer resposta quanto a esta solicitação.

Desde que começaram a ser publicados os rankings das escolas, em 2001, que a polémica se instalou. Muitos são os defensores da publicação desta lista em nome da transparência que facilite a opção dos pais, mas também muitos são os argumentos contra, nomeadamente que se estão a comparar dados incomparáveis. Basta ver que os primeiros lugares da lista são sempre ocupados por escolas particulares.

"Quando sou questionada sobre os rankings das escolas digo sempre o mesmo: vejam quantos alunos as escolas do topo levam a exame nacional, e quantos levam as escolas da base. As escolas do topo levam dezenas de alunos a exame, enquanto as escolas da base levam centenas. Por isso não posso estar a comparar o incomparável. Não posso comparar o colégio X que leva 10 alunos de topo a exame, com a escola X que leva dezenas de alunos a exame nacional, muitos com nota negativas. Por isso, a média vai ser seguramente diferente", esclarece Andreia Gouveia. Especialistas defendem que quem tem poder de compra, e pode pagar explicações, acaba por conseguir ter melhores desempenhos nos exames nacionais e logo ajudar as escolas a subir na lista dos melhores estabelecimentos de ensino.

Também Manuela Mendonça, presidente do Conselho Nacional da FENPROF, afirma que "o fenómeno das explicações influencia o desempenho das escolas, que são "avaliadas" pelo seu trabalho através de rankings, também eles convenientemente ao serviço da promoção do ensino privado".

dnot@dn.pt