Do sucesso da vacinação às novas variantes. O que se falou no Infarmed
O médico de saúde pública Pedro Pinto Leite realçou esta quinta-feira na reunião de peritos do Infarmed e decisores políticos que o "sucesso da vacinação" contra a covid-19 em Portugal antevê "provavelmente o fim de uma fase pandémica", mas alertou para a necessidade de continuar a vigilância epidemiológica.
Pedro Pinto Leite, responsável pelo tratamento de dados da pandemia da covid-19 na Direção-Geral da Saúde (DGS), falava na sessão de apresentação "Situação epidemiológica da covid-19 em Portugal", na sede do Infarmed - Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, em Lisboa.
Segundo o especialista, a "vacinação é um sucesso" que "provavelmente" antecipa o "fim de uma fase pandémica".
Justificando a importância da vacinação, Pedro Pinto Leite destacou que em cada cinco casos de covid-19 quatro não tinham vacinação completa e em cada 15 casos de internamento hospitalar, 14 não possuíam o esquema vacinal concluído.
O responsável da DGS realçou o decréscimo de vários indicadores epidemiológicos, como a incidência de contágios, a positividade (testes positivos ao novo coronavírus), internamentos hospitalares e mortalidade, que, neste último caso, está "abaixo do limiar" definido pelo Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças.
Para o futuro, Pedro Pinto Leite projetou três cenários, sendo que o menos grave pressupõe uma imunidade média de três anos e sem variante do coronavírus SARS-CoV-2 de preocupação e o mais grave que implica a circulação de uma estirpe de preocupação, uma imunidade média inferior e um "nível de resposta de mitigação".
O médico especialista em saúde pública alertou para a necessidade de se manter a monitorização e vigilância epidemiológicas, apontando que os próximos outono e inverno trazem novos desafios, atendendo à baixa de temperaturas e a circulação de outros vírus respiratórios.
As farmacêuticas poderão solicitar a autorização para uso das vacinas aprovadas contra a covid-19 em crianças com menos de 12 anos até ao final do ano, estando a decorrer vários estudos clínicos, anunciou a especialista Fátima Ventura.
"Ainda não foi submetida [ao regulador europeu] extensões de indicação abaixo dos 12 anos, mas prevê-se que, até final do ano, seja submetida uma extensão acima dos cinco anos", adiantou a Fátima Ventura, da Autoridade Nacional do Medicamento (Infarmed).
Na sessão sobre a "situação epidemiológica da covid-19 em Portugal", que junta especialistas e políticos na sede do Infarmed, Fátima Ventura adiantou que qualquer medicamento, para ser autorizado para crianças, precisa de submeter à Agência Europeia do Medicamento (EMA, na sigla em inglês) um plano para estudar a sua segurança e eficácia, que é analisado por um comité pediátrico.
Da consulta destes planos, verifica-se que, para a vacina da Comirnaty (Pfizer), "ainda estão planeados ensaios clínicos dos 0 aos 6 meses e dos 6 meses aos 12 anos. No caso das vacinas Spikevax (Moderna) e Vaxzevria (AstraZeneca), temos também planeados ensaios dos 0 aos 12 anos", referiu Fátima Ventura.
Além destas faixas etárias, todas as vacinas têm planeados ensaios clínicos para pessoas imunossuprimidas, referiu.
Segundo disse, a investigação das farmacêuticas nesta área está a decorrer e "continuam a ser desenvolvidas muitas vacinas, principalmente, a entrarem em ensaios clínicos".
"Neste momento, temos 30 vacinas ainda em fase três e oito delas em fase 4, o que significa que são vacinas que já foram aprovadas e a sua investigação continua", avançou a especialista de avaliação de medicamentos do Infarmed.
Relativamente às doses de reforço, para restaurar a proteção em pessoas que completaram a vacinação, a EMA começou a avaliar um pedido para a vacina Comirnaty.
"A indicação prevista será a de administração desta dose de reforço seis meses após a segunda dose e está indicado para maiores de 16 anos", adiantou Fátima Ventura.
Esta avaliação será feita com base num ensaio clínico que inclui 300 adultos com sistema imunitário saudável e espera-se a conclusão dentro de semanas, disse.
O microbiologista João Paulo Gomes disse esta quinta-feira que é esperado em Portugal o aparecimento de novas variantes do coronavírus SARS-CoV-2 face ao desequilíbrio da vacinação contra a covid-19 no mundo.
João Paulo Gomes, que trabalha no Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (Insa), falava na sessão de apresentação "Situação epidemiológica da covid-19 em Portugal", na sede do Infarmed - Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, em Lisboa.
Segundo o especialista, "enquanto houver grandes desequilíbrios" no mundo na vacinação contra a a covid-19 - com países com baixa taxa de imunização - "é mais do que normal que apareçam novas variantes" do SARS-CoV-2.
Como consequência desse desequíbrio na vacinação à escala global, "é esperado o aparecimento de novas variantes" mesmo em países como Portugal, onde existe "elevada taxa de vacinação" contra a covid-19, assinalou João Paulo Gomes.
O investigador do Insa explicou que nos países com baixa taxa vacinação há "mais vírus em circulação" que levam à "emergência de novas variantes".
Atualmente, a variante Delta do SARS-CoV-2, a mais contagiosa de todas e considerada de preocupação pela Organização Mundial da Saúde, domina à escala global, incluindo em Portugal.
O índice de transmissibilidade (R(t)) do vírus SARS-CoV-2 em Portugal está atualmente em 0,84, com o investigador Baltazar Nunes, do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA), a destacar a descida acentuada sem fortes medidas restritivas.
"Há uma redução do número de reprodução efetivo do R(t) muito acentuada, estando atualmente estimado em 0,84. É preciso considerar que nunca estivemos com valores tão baixos de R sem medidas de restrição muito acentuadas implementadas", afirmou o especialista na sua intervenção realizada na reunião do Infarmed, em Lisboa, que junta especialistas, membros do Governo e o Presidente da República.
De acordo com Baltazar Nunes, a incidência está também a descer e os especialistas estimam que "dentro de duas semanas a 30 dias" o país poderá atingir uma incidência acumulada de 60 casos por 100 mil habitantes a 14 dias. Porém, assumiu a exceção na previsão para o Algarve, uma vez que esta região "atingiu níveis de incidência mais elevados e vai demorar um pouco mais tempo a atingir os níveis de incidência abaixo dos 60 casos por 100 mil habitantes".
O perito do INSA associou o nível elevado de cobertura vacinal da população portuguesa à descida da incidência, mas também nos restantes países europeus que apresentam elevadas taxas de vacinação contra a covid-19. "Existe uma tendência clara de maior cobertura vacinal e menor transmissibilidade. [Vacinas] Reduzem a transmissão e essa é uma mensagem importante", frisou.
Durante a apresentação, Baltazar Nunes abordou também diferentes estudos sobre a efetividade da vacina ao longo do tempo, notando "coberturas vacinais muito elevadas na fase inicial, de 70% a 80%" e que após 14 semanas da toma da segunda dose, a efetividade contra hospitalização e óbito permanece "bastante elevada", mas regista-se "uma descida [da efetividade] em termos de infeção com pelo menos um sintoma".
Por outro lado, o especialista do INSA deixou um aviso para o próximo período outono-inverno, no qual se verifica uma confluência de fatores que exigem monitorização atenta, nomeadamente o aumento da mobilidade, com retorno ao trabalho presencial e festividades, potencial redução da efetividade da vacina, surgimento de novas variantes, temperaturas baixas e circulação de outros vírus respiratórios.
"As festividades podem coincidir com um período de menor efetividade da vacina", realçou, ao lembrar que grupos prioritários já "foram vacinados no início do ano" 2021. Nesse sentido, Baltazar Nunes explanou três cenários: no primeiro não se preveem grandes perturbações dos serviços de saúde e nos dois últimos podem surgir maiores dificuldades em dezembro/janeiro.
"O período de dezembro e janeiro é um período que temos de assinalar para preparação. Até lá estamos numa situação de grande controlo epidémico", observou, concluindo: "Se se vier a observar redução da efetividade da vacina, pelo tempo ou por nova variante, há a possibilidade de uma onda epidémica com intensidade e impacte que ultrapasse as atuais linhas vermelhas".
A perceção dos portugueses do risco da pandemia baixou dos 66,6% em setembro de 2020 para os atuais 48,7%, apesar de atualmente se verificar uma maior incidência de infeções, afirmou esta quinta-feira a diretora da Escola Nacional de Saúde Pública.
"Apesar de termos incidências mais altas agora do que tínhamos em setembro de 2020, temos uma perceção de risco mais baixa", adiantou Carla Nunes, que falava na sessão sobre a "situação epidemiológica da covid-19 em Portugal", que juntou especialistas e políticos na sede do Infarmed, em Lisboa.
Segundo disse, o barómetro social da pandemia aponta, assim, para uma perceção de risco "que vai mudando ao longo do tempo", devido à "habituação das pessoas" à pandemia de covid-19.
A diretora da Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa salientou ainda que se verifica uma clara distinção entre a utilização da máscara em espaços exteriores e interiores.
De acordo com o barómetro, a utilização da máscara em espaços fechados mantém-se elevada, com 70% dos participantes a referir que utiliza "sempre", enquanto, nos espaços exteriores, tem-se verificado uma tendência de descida na utilização, com 39% dos participantes a utilizar "sempre".
Verifica-se também uma redução da utilização de máscara quando os participantes estão com grupos de dez ou mais pessoas.
Relativamente às medidas implementadas pelo Governo no combate à covid-19, cerca de 74% dos participantes considera "adequadas" ou "muito adequadas", uma tendência inversa à verificada em igual período do ano passado.
Quanto às expectativas em relação ao futuro, 86,7% dos participantes admitem que as restrições impostas pela pandemia se mantenham até ao próximo ano ou mesmo para sempre e mais de 75% tencionam manter a utilização de máscara enquanto medida de proteção, refere ainda o barómetro.
Os testes de deteção do vírus SARS-CoV-2 devem ter uma utilização mais geral e continuam a ser fundamentais para monitorizar a pandemia de covid-19, defendeu ests quinta-feira o epidemiologista Henrique Barros, do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto.
Numa intervenção efetuada na reunião que voltou a juntar no Infarmed, em Lisboa, especialistas, membros do Governo e o Presidente da República para a análise da situação epidemiológica da covid-19 em Portugal, Henrique Barros destacou a importância dos testes no combate à pandemia, ao considerar que serviram, sobretudo, para "identificar pessoas infecciosas, não tanto para identificar infeções".
"Temos de usar os testes não só para as pessoas, mas para fazer vigilância mais geral. Nas águas residuais, por exemplo, que são um aspeto fundamental no conhecimento da dinâmica da infeção antes de ela se tornar evidente entre nós", explicou, sem deixar de notar que o recurso a esta ferramenta disparou "a partir de fevereiro e março com a possibilidade de acesso a testes rápidos" e vincou que "a sensibilidade anda à volta dos 80% e a especificidade é próxima de 100%", respetivamente.
Considerando que "os testes são uma excelente solução e livram-nos de mandar para casa pessoas que não precisam de estar isoladas", Henrique Barros elogiou os testes rápidos em relação aos testes PCR, ao observar que estes últimos "também têm falsos positivos" e que "a quantidade de falsos negativos é imensa". Por outro lado, enalteceu a eficácia na deteção da capacidade vírica nos infetados.
"São muito poucos os dias em que somos capazes de transmitir a infeção a outra pessoa. É tão baixa essa probabilidade que é duvidoso que isso tenha um efeito real na disseminação. Mesmo em assintomáticos, quando se fazia culturas do vírus, os testes rápidos eram capazes de identificar 100% das pessoas com potencial transmissível", referiu.
A investigadora Raquel Duarte, que lidera a equipa de peritos que aconselha o Governo na definição do processo de desconfinamento, defendeu a necessidade de preparar um plano para acautelar o possível reforço da vacinação contra a covid-19.
"[Deve-se] Continuar a apostar na vacinação e antecipar desde já a eventual necessidade de reforço massivo da vacinação, estabelecendo um plano que garanta que este processo não fique apenas a cargo dos cuidados de saúde primários, porque isso pode condicionar a capacidade global de resposta em termos de saúde, e manter as estratégias que se mostraram eficazes, como fácil acesso, envio de mensagens, equipas de proximidade, entre outras", disse.
Na intervenção realizada na reunião do Infarmed, em Lisboa, que volta a juntar especialistas, membros do Governo e o Presidente da República para a análise da evolução da pandemia em Portugal, Raquel Duarte assinalou ainda a importância de manter a testagem -- com a identificação de populações de maior risco e a promoção dos testes gratuitos -- e a monitorização de variantes.
Além da defesa da manutenção das medidas de prevenção gerais, como o arejamento de espaços interiores ou a promoção do distanciamento, a pneumologista salientou também que a "necessidade de controlo de fronteiras é evidente", em que o "certificado digital deve ser utilizado como garantia adicional de segurança" para a entrada de pessoas no país.
"Recomendamos a adoção forte das medidas em espaços fechados, onde não é possível o distanciamento. Em todos os setores, propomos que haja a implementação destas medidas gerais, exceto nas unidades residenciais para idosos e neste contexto propomos uma implementação de medidas protetoras mais apertadas", frisou, acrescentando que "os idosos devem ser um grupo prioritário para a terceira dose da vacina".
Ainda sobre os idosos, Raquel Duarte reiterou a necessidade de "garantir a segurança relativamente a quem chega do exterior", pelo que advogou que o uso do certificado digital para acesso aos espaços -- face à "cobertura vacinal muito alta" - deve ficar reservada a circunstâncias de maior risco, como os estabelecimentos residenciais para idosos.
Entre as principais mensagens da especialista da ARS Norte, do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto e do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar sobressaiu a ideia de uma "transição da obrigatoriedade das medidas para uma responsabilidade individual", assente numa promoção da capacidade de autoavaliação do risco e acompanhada por "comunicação permanente" que seja "clara e inequívoca" nesta matéria.
"Propomos adaptar a estratégia à circunstância atual. Não entramos numa fase de cancelamento das medidas, de todo. É fundamental que todos nós mantenhamos a vigilância e adotemos as medidas protetoras em função do risco", enfatizou, sem deixar de apontar o caso especial dos transportes públicos, em que os peritos recomendam "a utilização obrigatória de máscara de forma transitória" devido "à impossibilidade de controlo de exposição ao risco".