Sociedade
06 junho 2023 às 09h05

Acesso aos cuidados de saúde piorou em 2022, sobretudo para os mais desfavorecidos

Estudo da Nova SBE, da autoria dos investigadores Pedro Pita Barros e Eduardo Costa, em parceira com a Fundação "la Caixa" e BPI, no âmbito da Iniciativa para a Equidade Social, divulgado esta manhã, revela que 2022 foi um ano com mais episódios de doença, em que os portugueses usaram mais a Linha SNS24, mas em que houve menos acesso aos cuidados.

Ana Mafalda Inácio

O acesso dos cidadãos aos cuidados de saúde está a decrescer. Isto mesmo está demonstrado nos dados que integram o relatório "Acesso a cuidados de saúde, 2022 -- As escolhas dos cidadãos no pós-pandemia", apresentado esta manhã, no auditório BPI All in One, no Saldanha, em Lisboa. E está a decrescer sobretudo para a população menos favorecida economicamente. Aliás, no documento, a que o DN teve acesso, é mesmo referido que os dados obtidos permitem aferir que a pandemia da Covid-19 veio acentuar ainda mais a associação entre a condição socioeconómica do agregado familiar e a ocorrência de episódios de doença.

O relatório, da autoria dos investigadores da Nova SBE Pedro Pita Barros e Eduardo Costa, teve como foco a caracterização das decisões dos cidadãos no primeiro contacto com o sistema de saúde, análise da incidência de episódios de doença, a decisão de aceder a cuidados de saúde, as barreiras de acesso (financeiras e não financeiras) e a prestação de cuidados de saúde nos setores público e privado, e concluiu que "as pessoas de grupos socioeconómicos de maior rendimento reportaram menos situações de doença (provavelmente devido à redução de contactos sociais resultantes da maior permanência em casa) e que o grupo socioeconómico com maior dificuldade financeira, embora revele também um decréscimo no registo de ocorrências (provavelmente devido ao receio de contágio), em 2022, reporta um acréscimo grande (de, pelo menos, um episódio de doença)".

Os investigadores destacam que, "nos anos da pandemia (2020 e 2021), apenas 27% e 30% dos inquiridos, respetivamente, reportaram terem-se sentido doentes, pelo menos uma vez, mostrando que o período pandémico foi marcado por valores anormalmente baixos neste indicador". Por outro lado, foi detetado que "fatores como rendimento mais baixo (47,6%) e idade mais avançada (57,6%) se encontram associados a uma maior probabilidade de a pessoa se ter sentido doente pelo menos uma vez".

Mas, em 2022, já se verificou "uma subida expressiva, com 40% dos inquiridos a revelar terem-se sentido doentes pelo menos uma vez no ano".

Fazendo o comparativo com outros anos, os autores do estudo verificaram que "o aumento registado na população que disse ter estado doente se situa nos grupos etários mais novos, abaixo dos 45 anos, o que é compatível com os padrões de evolução da pandemia".

Ou seja, "o início de 2022 foi marcado por grandes impactos da variante Ómicron da Covid-19", impacto esse que se manteve durante todo o ano devido ao facto de ter sido em 2022 que se reduziu "o uso generalizado das medidas de proteção individual o que contribui para um aumento de circulação dos vírus" e mais episódios de doença.

O estudo, que se insere numa iniciativa sobre Equidade Social, em parceria entre Nova SBE, "la Caixa" e BPI, revela ainda que, em 2022, cerca de 14% da população optou por não recorrer ao sistema de saúde, na sequência de um episódio de doença, o que "pode sinalizar a perceção por parte dos cidadãos de uma maior dificuldade de aceder a cuidados de saúde, levando a que alguns optem por não os procurar". Mas os autores do estudo salientam que tal poderá estar "ligado a um conjunto de fatores, e não apenas a uma única justificação".

Por exemplo, no documento lê-se que, em alternativa ao recurso ao sistema de saúde "as pessoas procuraram outras soluções como a automedicação (43%), o que pode ser explicado pela acumulação de medicamentos mais comuns por parte das famílias, ou que optaram por esperar que a sua doença melhorasse (57%)". Por outro lado, "o aumento dos que não contactaram o sistema de saúde pode ser explicado pelo aumento de infeções de Covid-19 no final de 2021 e início de 2022, a par das recomendações das autoridades de saúde para não recorrer ao sistema de saúde em caso de doença ligeira".

Segundo os investigadores, "o padrão verificado em 2022 inverte o histórico verificado desde 2013, quer no período da pandemia (2020 - 2021), quer no período pré-pandemia (2013 - 2019). Na larga maioria dos casos (quer naqueles que se automedicaram, quer nos que decidiram esperar) a baixa gravidade da doença foi eleita como a principal razão para não contactar o sistema de saúde (82,2% e 88,9%, respetivamente, em 2022), embora registando um maior número de pessoas que (doentes) não recorreram ao sistema de saúde, os dados revelam que a probabilidade de as pessoas se deslocarem aos serviços de saúde em caso de doença ainda permanece muito elevada (80%), sendo "o aparecimento de um problema inesperado" a principal razão que motiva a procura (70%)".

Neste estudo, as barreiras de acesso a cuidados de saúde foram também avaliadas tendo os investigadores concluído que, em 2022, "existiram dificuldades em fazer face às despesas habituais do agregado familiar na classe com menores rendimentos, sobretudo na aquisição de medicamentos (50%)".

Nesta área, verificou-se ainda que a proporção de famílias que pede a substituição de um fármaco de marca pelo respetivo genérico aumentou com o acréscimo das dificuldades económicas (passando de 33%, em 2019 para 56% em 2022). Ainda assim, e "apesar do aumento da preferência pelos medicamentos genéricos, a despesa com medicamentos representa a maior fatia da despesa associada a idas aos cuidados de saúde primários ou a urgências hospitalares".

No que diz respeito ao acesso a consultas ou urgências este relatório evidencia que a proporção de pessoas que reporta não ter conseguido aceder a uma consulta ou urgência por dificuldades financeiras é muito baixa, o que pode ser explicado pelo facto de "nos cuidados de saúde primários, as consultas com os médicos de família não estão sujeitas ao pagamento de taxas moderadoras. Nos cuidados de saúde hospitalares, essas taxas existem, por exemplo, no acesso ao serviço de urgência. Contudo, estão previstas diversas isenções".

Em relação às barreiras não financeiras, e apesar do aumento das infeções de COVID-19 associadas à variante Ómicron, o receio de contágio nos cuidados de saúde e os cancelamentos de consultas e exames continuaram em queda.

A prestação de cuidados de saúde nos setores público e privado foi igualmente alvo de análise, verificando-se um aumento no recurso ao setor público, recuperando parcialmente a queda verificada entre 2019 e 2020, motivado em grande maioria pela utilização da linha de atendimento SNS 24 (de 3%, em 2019, para 28%, em 2022). Apesar da ligeira subida face aos níveis de 2020 e 2021, a proporção de pessoas que procura os serviços de urgência permanece abaixo do pré-pandemia (41,1% em 2019 e 35,5% em 2022).

Em relação, aos Recursos Humanos, os investigadores avaliaram e caracterizaram as várias dimensões que têm afetado a atração e retenção de profissionais de saúde em Portugal, perspetivando potenciais caminhos de futuro, tendo concluído que "o melhor aproveitamento das competências dos profissionais de saúde, a reorganização do trabalho com recurso a novos modelos pautados por um maior trabalho de equipa entre os diferentes grupos profissionais e a utilização de mecanismos de partilha, aproveitando as potencialidades das novas tecnologias, podem traduzir-se em ganhos económicos e de eficiência global para o Serviço Nacional de Saúde".