É necessário um maior apoio aos alunos imigrantes e que estudam Português como Língua Não-Materna.
É necessário um maior apoio aos alunos imigrantes e que estudam Português como Língua Não-Materna.FREDERICK FLORIN / AFP

Alunos migrantes: falhas no ensino de Português atrasam conclusão de cursos

Não surgiram novidades no 'ranking' das escolas elaborado na sequência dos resultados dos exames nacionais: voltou a ser liderado por colégios privados, com o Efanor, em Matosinhos, à frente. Dados mostram que há uma baixa taxa de conclusão dos cursos do Secundário, no tempo esperado, por parte dos alunos migrantes.
Publicado a
Atualizado a

O ranking  de escolas conhecido ontem e elaborado com base nos dados disponibilizados pelo Ministério da Educação (ME) revela, além do domínio nas primeiras posições de colégios privados - com destaque para o Efanor, em Matosinhos, líder da lista - que a taxa de conclusão dos cursos, no tempo esperado, dos alunos migrantes é mais baixa do que a dos alunos nacionais. Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), não ficou surpreendido.

“Era expectável essa taxa ser baixa. É algo natural e isso cria responsabilidades às escolas para investir no Português Língua Não-Materna (PLNM). É a forma que os alunos estrangeiros têm para superar as dificuldades de quem não domina a língua portuguesa”, explica.

O responsável relembra que muitos desses alunos “chegam às escolas sem dominar, de forma alguma, a língua portuguesa”. “Faltam recursos para estes alunos e com a escassez de professores o problema agrava-se”, alerta.

Filinto Lima crê que as escolas, com os recursos de que dispõem, têm de “tentar mitigar o problema”.

“É preciso investir em recursos humanos e em PLNM. Este ME apresentou 15 medidas no sentido de combater o que poderá vir a ser uma pandemia da educação, também tendo em conta a situação dos alunos estrangeiros”, refere.

Contudo, no setor privado, a taxa de conclusão dos cursos não varia muito entre alunos estrangeiros e portugueses. Rodrigo Queiroz e Melo, diretor executivo da Associação dos Estabelecimentos do Ensino Particular e Cooperativo (AEEP), diz não se poderem comparar as realidades entre o público e o privado, pois os colégios dispõem de mais recursos e o perfil dos alunos e das suas famílias é diferente. “As generalidades dos alunos estrangeiros nas escolas públicas vem de contextos mais difíceis. Os alunos do privado são, normalmente, filhos de pais licenciados, filhos dos chamados nómadas digitais. No privado, têm resultados bastante bons e contam com um apoio acrescido, por razões óbvias”, conta.

Pelo terceiro ano consecutivo, o colégio Efanor ocupa o 1.º lugar do ranking, com uma média de 16,76 valores nos exames nacionais. João Trigo, diretor do estabelecimento de ensino, não fica à margem dos problemas enfrentados pelos alunos estrangeiros. Não querendo “comparar o incomparável”, admite não ter qualquer caso de retenção de alunos estrangeiros. “Se olhar para a minha realidade, não temos esse problema, mas é verdade que também não temos a mesma penetração de alunos estrangeiros das escolas públicas. Temos tido alunos migrantes e temos conseguido integrá-los. Temos capacidade de nos ajustarmos caso a caso. Não temos o mesmo nível de dificuldade das escolas públicas, com 6 ou 7 alunos estrangeiros numa turma”, justifica.

O diretor do colégio com melhores resultados nos exames, afirma que a instituição não está focada nos rankings. “Somos uma escola com perspetiva de formação global dos alunos e, também pela pertença a uma fundação [a Belmiro de Azevedo], focada em servir a comunidade e em abordar de uma forma global os problemas da Educação, com um papel de responsabilidade perante as questões sociais”, afirma.

João Trigo mostra-se preocupado com as dificuldades enfrentadas pelos alunos estrangeiros e adianta ao DN já ter discutido o tema com o ME. “Enquanto fundação, essa questão está na nossa agenda. As dificuldades da população migrante são um problema nacional que a todos diz respeito. Não há resposta do sistema e temos um olhar permanente sobre o Sistema Educativo, procurando perceber em que medida podemos desenvolver iniciativas com impacto nessa área”, sublinha.

O diretor o colégio Efanor acrescenta que a questão das migrações “é um tema central”. “Queremos desenvolver um projeto para intervenção nessa área. Enquanto sociedade, devemos olhar para este tema com preocupação. Nós, enquanto fundação, já discutimos esse assunto com o Governo”, afirma. Esse trabalho da Fundação Belmiro de Azevedo, conta, é “de alguma forma uma parceria entre público e privado”. “Temos um programa de bolsas e estamos abertos a dar resposta a esta realidade”, conclui.

O colégio Efanor conta com 130 alunos bolseiros, desde a Creche ao Ensino Secundário. Os que terminam o 12.º e prosseguem estudos, continuam com o apoio da fundação, totalizando assim 170 estudantes abrangidos por bolsas, em todos os ciclos de ensino, “da primeira infância ao Ensino Superior”.

“Os pais não escolhem as escolas pelo ranking”

Rodrigo Queiroz e Melo, diretor executivo da Associação dos Estabelecimentos do Ensino Particular e Cooperativo (AEEP), acredita que o ranking não está na base das escolhas dos pais. A grande decisão, explica, é a mudança do público para o privado.

“A decisão de ingressar numa escola privada representa um impacto financeiro relevante para as famílias. O ranking  pode ajudar na tomada de decisão, no que se refere a qual escola escolher para os filhos, mas já depois dessa primeira grande decisão. Os pais não escolhem as escolas pelo ranking. Muitas vezes, é a própria experiência dos pais ou de familiares como antigos alunos o elemento mais preponderante”, defende.

Questionado sobre a acusação da inflação de notas no setor privado, Rodrigo Queiroz e Melo diz não ter fundamento. “Prova disso é que os alunos com nota interna elevada mantêm os resultados nos exames nacionais”.

“Quando nos apontam o dedo sobre a inflação de notas, concentrada em escolas do norte do país, o que vemos são os resultados incríveis dos alunos do privado na avaliação externa, precisamente na zona norte do país. Todos os anos olhamos com estupefação para as críticas, mas não é razoável que esses alunos com notas elevadas nos exames também tenham excelentes desempenhos nas notas internas?”, questiona.

Para o diretor executivo da AEEP, os rankings não servem para “comparar o incomparável”, mas deviam servir para perceber “por que em muitas zonas do país, os alunos não estão a aprender”.

“Não sabemos de quem é a culpa, mas há muitos alunos que não respondem às questões das provas, que não aprendem. São alunos das escolas do fundo da tabela do ranking. Há um número excessivo de alunos que não estão a conseguir aprender e é preciso fazer algo”, alerta.

A solução para a equidade

Rodrigo Queiroz e Melo defende ser tempo de “dar ao [ensino] público condições mais parecidas com os privados e deixar que famílias com menos condições financeiras possam optar por ter os filhos em colégios”, contando com o apoio do Estado. A solução para que as oportunidades sejam equitativas passa, afirma, por “apoiar as famílias financeiramente e acabar com o concurso de professores”.

“A escolha do corpo docente é aleatória e apenas com base na antiguidade. Se fossem as escolas públicas a escolher os seus professores, como acontece no privado, aproximaria muito a qualidade do público ao privado”, explica.

Queiroz e Melo garante que todos sabem ser esse o caminho, “mas é impossível fazer-se porque o sistema está pensado para os adultos e não para as crianças”. As condições criadas no privado não deixam nenhuma criança para trás. No público, são feitas para não deixar nenhum adulto para trás e é por isso que o resultado dos exames é melhor nas escolas privadas”, sublinha. E com essas duas mudanças estruturais, garante, “as escolas públicas fariam concorrência ao privado obrigando os colégios a serem ainda melhores”.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt