Nas urgências haverá um alívio até março, devido às escalas completadas com horas extraordinárias dos médicos.
Nas urgências haverá um alívio até março, devido às escalas completadas com horas extraordinárias dos médicos.Paulo Spranger/Global Imagens

Alívio nas urgências até às eleições à custa das horas extra dos médicos

Com o início do ano o contador das horas extraordinárias dos médicos voltou a zero. As escalas vão ser preenchidas sem constrangimentos mas só até as 150 horas extra se acabarem.
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Em nota divulgada ontem à Imprensa a Direção Executiva do Serviço Nacional de Saúde (DE-SNS) garante que vão estar a funcionar 43 serviços de urgência de ginecologia e obstetrícia durante o primeiro trimestre do ano, dos quais 28 “em funcionamento ininterrupto”. Ao mesmo tempo, a DE-SNS avança que, no Norte do país, estarão a funcionar as urgências de Bragança, Vila Real, Viana do Castelo, Braga, Guimarães, Póvoa de Varzim, Matosinhos, Penafiel, Porto (S. João e Santo António), Vila Nova de Gaia, Santa Maria da Feira e Famalicão, também sem interrupções. E sem surpresas. Afinal de contas, com a entrada em 2024, a contagem de horas extraordinárias dos médicos voltou a zero. “O grande problema que há nos serviços de urgência, em geral, é que são assegurados à custa de horas extraordinárias dos médicos, tanto especialistas como internos”, explica ao DN Joana Bordalo e Sá, presidente da Federação Nacional dos Médicos (FNAM). “Com o início do ano, basicamente o limite de horas extraordinárias voltou à estaca zero. Pode haver um balão de oxigénio nos serviços mas é só nos primeiros três meses”, avisa a médica. Ou seja, sensivelmente até à data das eleições legislativas, 10 de março. “As escalas são feitas à custa das horas extraordinárias. Temos médicos a fazer, às vezes, por semana,  doze horas extraordinárias além das suas 40 horas semanais de trabalho. Só assim é que se conseguem assegurar as escalas. Por isso, em pouco tempo, essas horas ficarão esgotadas. É expectável que lá para março grande parte dos médicos já tenham cumprido o limite das 150 horas extraordinárias impostas por lei. E o que é expectável é que continuem a cumprir a lei”.

Neste caso, com os médicos a não fazerem mais horas extraordinárias do que o que a lei exige, Joana Bordalo e Sá promete: “Vamos apoiar todos os colegas que assim o fizerem, quer do ponto de vista sindical, quer do ponto de vista jurídico”. Em consequência, após três meses de acalmia, com a situação a normalizar-se nas urgências, voltará o caos. E a oncologista dá o exemplo do Centro Hospitalar Universitário de Santo António, no Porto. “Apesar deste balão de oxigénio, agora, a partir de janeiro, às vezes só há um médico interno a assegurar, com outros médicos generalistas e outros internos, as pessoas que se dirigem às urgências. E esse mesmo médico, sozinho, fica a assegurar 140 doentes internados. Isto é um modus operandi que já vem de trás e se perpetua”, clarifica Joana Bordalo e Sá. “Em alguns hospitais é possível que haja algum alívio mas será sempre transitório, nos primeiros três meses do ano”. A presidente da FNAM dá, também, o exemplo do hospital de Leiria. “Recebi há pouco informação interna, e ainda só estamos nos primeiros dias do ano, de que está um especialista e dois médicos internos com 109 doentes para ver. Ou seja, no hospital de Leiria continua a viver-se uma situação de catástrofe”.


Jorge Roque da Cunha, presidente do Sindicato Independente dos Médicos (SIM), concorda com a colega da FNAM. “Os médicos são obrigados a fazer 150 horas de trabalho extraordinário, naquilo que são as suas obrigações. Naturalmente, nestes primeiros meses haverá algum alívio na constituição das escalas. Mas a verdade é que se em 2022 houve mais de cinco milhões de horas extraordinárias efetuadas e se até agosto de 2023 - são os últimos dados que temos - já existiam seis milhões de horas, naturalmente que a situação necessita de uma profunda restruturação. Mais cedo do que tarde, lá para abril, a situação vai manter-se e agravar-se, em relação ao que aconteceu no ano passado”.


Os cuidados de saúde primários também foram contemplados com a entrada em 2024 e um maior número de Unidades de Saúde Familiar (USF) modelo B. Nestes casos, médicos, enfermeiros e secretários clínicos têm incentivos financeiros por produtividade e desempenho. Joana Bordalo e Sá avança que, com este sistema, “está estimado que haja mais 300 mil utentes com médico de família”. Mas nem tudo são boas notícias. “Tendo em conta que temos um milhão e 700 mil utentes sem médico de família isto significa que mais de um milhão de pessoas vai continuar sem ter acesso a cuidados de saúde primários, o que é muito grave”. 


De volta às urgências, o pico da gripe ainda não foi atingido. “Acredita-se que aconteça na próxima semana”, revela a presidente da FNAM. Com as escalas das urgências preenchidas os danos serão, por agora, menorizados. 
“A médio prazo vai voltar tudo ao mesmo. Tem de haver uma solução estrutural”, avisa Jorge Roque da Cunha.

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