Aguiar-Branco recua e permite entrada de bombeiros fardados no parlamento
O presidente da Assembleia da República recuou esta quarta-feira num parecer que tinha emitido e que impedia que bombeiros fardados assistissem a um debate no parlamento, após ter ouvido reparos de todos os partidos exceto do PSD.
Antes de arrancar o debate, agendado pelo PCP, sobre a valorização da carreira dos bombeiros, o líder do Chega pediu a palavra para lamentar que o presidente da Assembleia da República tenha emitido um parecer que impedia que bombeiros fardados assistissem ao debate.
Segundo a PSP, à hora do início do debate, estavam cerca de 30 bombeiros fardados à espera para entrar na Assembleia da República.
"Acho que, como presidente da Assembleia da República, nos deve dizer porque é que estes homens e mulheres, que nos vieram visitar, tiveram de tirar a sua caracterização para entrar no parlamento, visto que não se vêm manifestar nem politicamente", disse André Ventura, ameaçando pôr à votação em plenário a decisão de Aguiar-Branco.
Também a líder parlamentar do PCP, Paula Santos, disse discordar da decisão de Aguiar-Branco, salientando que se estava a impedir a entrada "a homens e mulheres que vieram de norte a sul do país para poderem assistir a um debate sobre matérias que lhes dizem diretamente respeito".
O BE, pela voz do líder parlamentar, Fabian Figueiredo, pediu a Aguiar-Branco que reconsiderasse a decisão, alegando que "uma farda de bombeiro é uma farda de trabalho" e que teria o mesmo entendimento se "um conjunto de operários se apresentasse de batas azuis ou se um conjunto de bancários se apresentasse de fato e gravata".
A líder parlamentar do Livre, Isabel Mendes Lopes, fez o mesmo pedido, indicando que as forças policiais, militares ou civis são compostas por "pessoas que servem o país e que têm o direito, no âmbito da liberdade de expressão, a utilizar a sua farda nas galerias do parlamento".
O deputado do PS Pedro Delgado Alves frisou que os bombeiros que pretendiam assistir ao debate não o queriam fazer "como uma provocação, mas como um sinal de respeito para com a Assembleia", pedindo que se consensualizasse uma deliberação excecional para que assistissem ao debate.
A líder parlamentar da IL, Mariana Leitão, disse não ver nada no Regimento da Assembleia da República que estabelecesse "expressamente uma proibição efetiva" de assistir a debates no parlamento com uma farda de trabalho, defendendo por isso que os bombeiros deveriam poder entrar.
Só o líder parlamentar do PSD, Hugo Soares, considerou inicialmente que "as regras são regras", mas depois disse ter sido informado pelo PS de que muitos dos bombeiros que se deslocaram hoje à Assembleia da República não sabiam que não podiam entrar fardados.
"Se for o consentimento, hoje e excecionalmente, do senhor presidente e de todas as bancadas, eu quero dizer que a bancada do PSD acompanhará as demais bancadas", disse.
Após estas críticas, Aguiar-Branco explicou que tinha decidido proibir a entrada a bombeiros fardados não por qualquer "discriminação em relação aos bombeiros", mas porque queria dar-lhes "tratamento igual" a outras categorias profissionais, frisando que, no passado, também se impediu a entrada a polícias, militares, enfermeiros ou médicos com a sua farda de trabalho.
Aguiar-Branco acrescentou ainda que "não manipula as ocasiões para fazer alguma atividade de natureza particular para ser mais ou menos popular enquanto presidente da Assembleia da República", frisando que todos os cidadãos lhe "merecem igual respeito".
"Aqui nós temos tido regras e as regras é que, na galeria, devem estar de forma neutral. É só isto", disse.
No entanto, Aguiar-Branco decidiu recuar da sua decisão, salientando que, em função da sua leitura da vontade da câmara e do que foi dito pelos deputados, "devem assistir os senhores bombeiros que estão presentes lá fora".
"Peço às autoridades que, em conformidade com aquilo que foi aqui referido, a título excecional, possam estar presentes com as respetivas fardas", disse.
Bombeiros contestaram proibição inicial
Antes de recuo de José Pedro Aguiar-Branco, a Associação Nacional dos Bombeiros Profissionais (ANBP) e a Liga dos Bombeiros Portugueses (LBP) contestaram a proibição de entrada de elementos fardados no parlamento para assistir a um debate sobre a sua situação.
Uma hora antes de começar o debate sobre a profissão de bombeiro, que está previsto para as 15:00, os bombeiros que pretendiam deslocar-se fardados às galerias da Assembleia da República (AR) tiveram de ir desfardar-se para entrarem no parlamento.
No exterior, a AR estava vedada com grades e notava-se um reforço da presença policial, nomeadamente com elementos da equipa de intervenção rápida.
Os bombeiros que querem entrar no parlamento têm de passar por quatro controlos para não ficarem concentrados junto à porta lateral, que dá acesso às galerias, e alguns sapadores fardados encontram-se no exterior do Palácio de São Bento.
"Não se compreende a decisão do presidente da Assembleia da República de proibir a entrada de bombeiros fardados. Isto é só lançar gasolina para a fogueira e de fogos percebemos nós", disse à Lusa Fernando Curto, presidente da ANBP, à entrada do parlamento, onde a PSP está a condicionar a entrada.
Posição semelhante tem a LBP que, na sua página do Facebook, questiona a "oportunidade da decisão do presidente da Assembleia da República, em proibir hoje cidadãos fardados de bombeiro nas galerias do plenário", uma decisão com a qual foram confrontados hoje vários elementos.
Segundo Fernando Curto, apenas os "dirigentes dos sindicatos e associações convidados pelo PCP -- que agendou o debate no plenário - estão autorizados a entrar fardados", o que cria "uma espécie de dois pesos e duas medidas", já que "há aqui pessoal que queria ouvir o que se passa, porque está interessado no que os deputados dizem sobre os seus problemas".
"Viemos fardados para dignificar a farda e a Assembleia. Não tem lógica nenhuma proibirem-nos. Caso existam problemas, cabe à PSP lidar com eles e afastar as pessoas que os cometerem", acrescentou.
O parlamento debate hoje dois projetos de lei do PCP que visam reforçar os direitos e regalias previstos no estatuto social do bombeiro e valorizar aquela profissão, através do seu reconhecimento como uma carreira de desgaste rápido.
Um dos projetos de lei, segundo o deputado António Filipe, visa "melhorar o estatuto social do bombeiro no sentido, por um lado, de repor regalias e direitos que os bombeiros já tiveram e que há uns anos perderam", mas, por outro, acrescentar novos direitos "para que a carreira de bombeiro seja mais atrativa".
Os deputados irão também debater um outro diploma do PCP que se prende com as carreiras dos bombeiros sapadores mas também dos bombeiros profissionais das associações humanitárias, propondo "uma valorização das suas carreiras, que tenha apenas não apenas a questão remuneratória e dos subsídios que lhes devem ser atribuídos", mas também a "penosidade e perigosidade das missões desempenhadas".
Na terça-feira, o Governo anunciou a criação de um grupo de trabalho que vai preparar uma proposta de carreira, benefícios, regalias e formação para os bombeiros voluntários e profissionais.
Os bombeiros profissionais deram na segunda-feira um prazo até ao final do mês para o Governo responder às suas reivindicações laborais, que já foram objeto de uma manifestação na semana passada.
O anúncio foi feito no seguimento de uma reunião, na segunda-feira, do conselho geral da Associação Nacional das Bombeiros Profissionais (ANBP) e o Sindicato Nacional dos Bombeiros Profissionais (SNBP), que aprovaram um caderno reivindicativo.
Na passada quarta-feira, 2, uma manifestação juntou centenas de bombeiros sapadores junto da Assembleia da República, tendo os profissionais acabado por desafiar a polícia e subir a escadaria frontal do edifício.
Os sapadores, que se apresentaram fardados, lutam por um aumento salarial para compensar a subida da inflação, idêntico ao que foi dado em 2023 pelo anterior Governo aos polícias, um subsídio de risco semelhante ao atribuído às forças de segurança e revisão do estatuto.