A moda que se faz entre ataques aéreos e explosões
“É como rir no meio de lágrimas”, resume Darja Donezz a experiência de trabalhar com moda em tempos de guerra. É um dos três três designers da Ucrânia que vêm a Portugal apresentar, no domingo, as suas criações na ModaLisboa, a decorrer no Pátio da Galé, no âmbito de um protocolo com a Semana da Moda Ucraniana, que não se realiza desde a invasão russa, há dois anos. Uma criadora que, curiosamente, por causa do conflito, se refugiou em Portugal, um país onde abundam as conchas e peixes que são imagem de marca das suas roupas. Além dela, desfilam as peças de Omelia e Nadya Dzyak. “Todas produzidas na Ucrânia sob sirenes de ataques aéreos e ataques de mísseis”, realça ao DN Yelyzaveta Ushcheka, responsável do departamento de comunicação internacional da Semana da Moda Ucraniana.
“Trabalhar com moda em tempos de guerra é um desafio”, assume. Nos últimos dois anos, através da iniciativa Apoie a Moda Ucraniana, 69 designers ucranianos apresentaram as suas coleções em 10 Semanas de Moda na Europa e nos EUA. Chega agora a vez de Lisboa ver as propostas de três criadores. “Eu diria que é imprevisível a forma como os designers podem refletir a desafiadora realidade de guerra em que nós, ucranianos, vivemos hoje em dia”, comenta.
Darja Donezz, uma das criadoras que domingo apresenta a sua coleção Outono/Inverno 24/25 na passarela do Pátio da Galé, promete manter o romantismo, feminilidade e sensualidade que marcam o seu trabalho, “com detalhes que foram criados em casa e novidades que foram inventadas aqui”, em Lisboa, onde se refugiou há quase dois anos.
“Quando há muito mal e tristeza ao nosso redor - não pode inspirar - corta as asas, mas as pessoas têm imaginação e podem inventar coisas bonitas e, assim, talvez encontrar significado e força para esperar o melhor”, comenta a designer que ainda estava no jardim de infância quando, possivelmente por influência da novela latino-americana Simplesmente Maria, já dizia que queria ser estilista.
Nadya Dyzak também percebeu em criança qual seria o seu futuro. “Quando fiz para mim um colete e uma saia com o fato masculino do meu pai e fui para a escola com essa roupa”, conta ao DN acerca do dia em que teve essa certeza. Lançada em 2008, a marca Nadya Dzyak combina as formas arquitetónicas com a estética feminina, sendo reconhecida pelas transparências e pelos folhos. “Tenho certeza que os nossos produtos deixam a mulher mais feliz e confiante”, diz a estilista, orgulhosa de ver os seus vestidos usados por estrelas internacionais como Kylie Minogue, Barbie Ferreira, Jamie Chung ou Kelly Rowland.
Situada em Dnipro, a Nadya Dyzak mantém, apesar da “realidade distorcida” em que vive a Ucrânia por causa da guerra, “um compromisso inabalável com a excelência”. “O drama mais terrível é que à noite ou de manhã, às vezes sentamo-nos em abrigos antiaéreos ou porões, escondemo-nos de ataques de foguetes, e então, como se nada tivesse acontecido, arranjamo-nos (até o cabelo) e vamos trabalhar e fazer lindos vestidos”, constata.
A marca Omelia traz à ModaLisboa “12 peças requintadas”, sendo que cada uma delas “conta uma história de perseverança, criada no meio da cacofonia de ataques aéreos e explosões na Ucrânia”. “Embora outros possam habituar-se a este ambiente, considero impossível ignorar a devastação da guerra”, justifica a DN o designer Kostiantyn Omelia. “A Omelia não é apenas uma marca; é uma prova do poder da criatividade, da resiliência e da busca duradoura pela beleza diante da adversidade”, acrescenta.
A marca - que trabalha apenas com redesign, dando uma segunda vida a camisas usadas - começou há apenas três anos “com um orçamento de 100 euros e um sonho”. “Lembro-me de criar minha primeira camisa e apresentá-la nervosamente aos amigos, sem saber o que estava por vir”, conta o designer. Não contava nem com a pandemia nem com a guerra. “Para nós, a adversidade tem sido o pano de fundo contra o qual construímos a nossa resiliência e determinação”, diz.
Salvar negócios
A responsável da Semana da Moda Ucraniana realça a missão de dar visibilidade às marcas ucranianas proporcionando-lhes a oportunidade de obter encomendas nos mercados internacionais. “Irá, portanto, salvar empresas, negócios e locais de trabalho de centenas de trabalhadores (costureiras, construtores de roupas, estilistas, gestores) e apoiar a indústria da moda ucraniana durante a guerra”, enumera Yelyzaveta Ushcheka.
A 62.ª edição da Modalisboa começou na quinta-feira, com base no Pátio da Galé, sob o tema For Good. Este sábado destaque para os desfiles de Carlos Gil (Praça do Comércio), Ricardo Andrez, Luís Buchinho e Gonçalo Peixoto. Amanhã, domingo, além das propostas dos criadores ucranianos, desfilam as de Béhen, Valentim Quaresma e Kolovrat, entre outros.
sofia.fonseca@dn.pt