A Educação é a melhor arma para empoderar as mulheres  e reduzir a desigualdade

Igualdade foi uma das palavras que marcou a tertúlia do DN no Dia Internacional da Mulher, realizada ontem. Garantir a independência financeira às mulheres é, consideram as oradoras, a solução para garantir a paridade entre géneros. Mas para isso é preciso conseguir uma mudança cultural e dar-lhes oportunidade de emprego, de liderança e, sobretudo, voz ativa na sociedade.
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O contexto de instabilidade vivido em todo o mundo ao longo dos últimos dois anos, negativamente marcados por uma pandemia sem igual na história contemporânea, é agora agravado por uma guerra à porta da União Europeia.

Em mais um Dia Internacional da Mulher, o tema do confronto bélico e as suas consequências no feminino marcaram a discussão na tertúlia "Mulheres de Portugal - Desafios para o País", organizada pelo Diário de Notícias com o apoio institucional do Grupo Bel e da CIP. O evento, que juntou dezenas de mulheres com posições de destaque na sociedade civil, no Hotel Farol Design, em Cascais, poderia facilmente resumir-se numa só palavra repetida vezes sem conta ao longo da sessão: educação. "O que temos de fazer para empoderar a mulher é educá-la, tudo passa pela educação", afirmou, perentoriamente, Marianela Mirpuri. A fundadora da Hera, que se dedica ao empoderamento no feminino em todo o mundo, acredita que a "mudança" cultural que permitirá atingir a paridade plena depende do acesso à formação.

A opinião reuniu consenso alargado no painel de oradoras, que contou não apenas com Marianela Mirpuri, mas também com Isabel Vaz, CEO do grupo Luz Saúde, Isabel Ucha, líder da Euronext, Joana Vasconcelos, artista plástica, Luísa Ribeiro Lopes, responsável pelo programa INCoDe.2030 e Luísa Pestana, administradora da Vodafone. "As mulheres que têm o conhecimento disponível, que leem e que podem ir à escola fazem escolhas mais acertadas e o mundo torna-se mais sustentável", defende Luísa Ribeiro Lopes.

Enquanto dirigente do programa público para o reforço das competências digitais da população, o INCoDe.2030, conhece bem as dificuldades femininas em singrar em setores tradicionalmente masculinos, como é o tecnológico. "É incrível como tantas mulheres aqui já disseram que foram as primeiras a chegar a um determinado lugar", lamentou, referindo-se, por exemplo, à primeira diretora do Diário de Notícias em mais de século e meio de história, Rosália Amorim, mas também a si mesma, a primeira mulher a liderar a entidade gestora de domínios .pt.

Embora o grau de dificuldade em atingir lugares de liderança seja diferente consoante o setor de atividade, as oradoras consideram que são elas quem tem de trabalhar em dobro para provar ao mundo, às empresas e aos seus pares que reúnem a competência exigida. "Só 17% dos alunos universitários em cursos de tecnologia são mulheres, ainda que a maior parte dos estudantes sejam mulheres", exemplifica. Quanto ao motivo que origina essa disparidade nas faculdades, Luísa Ribeiro Lopes não tem dúvidas de que "é uma questão de estereótipos que vêm desde a infância". "Temos uma tendência muito grande de achar que existem coisas para homens e mulheres, para meninos e para meninas", aponta e sublinha o erro deste preconceito. "O nosso cérebro é exatamente igual, mas é plástico e é feito à medida que vai socializando", diz, procurando evidenciar o impacto destes "estereótipos" no desenvolvimento dos jovens.

A consequência que considera perversa está à vista quando estas estudantes chegam ao mercado de trabalho. "Não havendo oferta e se precisamos [de recrutar], temos de ir recrutar o que existe. E o que existe são mais homens do que mulheres na tecnologia", observa. Isabel Ucha compreende os obstáculos identificados pela colega de painel, já que também na área financeira se sentem desafios no recrutamento paritário. "Temos um desafio enorme. Queremos, e temos essa política, ter maior equilíbrio entre homens e mulheres, mas, de facto, a base de recrutamento continua a ser muito limitada", refere. Mas porque todos os problemas têm uma solução, a administradora da Euronext diz ser necessário "fazer um esforço maior para ir à procura das mulheres onde elas estão". Como exemplo, aponta a dificuldade recente na contratação de uma profissional para um cargo na empresa que lidera. "Temos um recrutamento que está já três meses atrasado, precisamente porque estamos à procura de uma mulher para esta posição", partilha.

Uma das soluções, além de procurar garantir que existe paridade no processo de seleção de candidaturas, passa pelo esforço das empresas em assegurar apoio ao desenvolvimento dos seus quadros. "O sucesso profissional tem de ser promovido nas organizações, temos de ter mulheres nos vários níveis [de decisão]. Fazer coaching, formação, motivá-las e dar-lhes a confiança para lá chegarem", apela. Este empoderamento de que fala é, também para Isabel Vaz, uma medida fundamental. "É preciso ensinar às raparigas que têm de se chegar à frente, têm de arriscar. Isso precisa de ser treinado, precisa de ser ensinado nas escolas e [elas] precisam de exemplos de mulheres como nós, que não temos medo de nada", reforça. Por outro lado, a CEO da Luz Saúde - que tomou a decisão de batizar o hospital de Loures, em parceria público-privada, como Hospital Beatriz Ângelo - lembra ainda que "se escolherem serem donas de casa também não tem problema nenhum". O importante, acredita, é que possam ter poder de escolha e para isso é necessário que exista igualdade de oportunidades.

Considerada uma das maiores artistas plásticas da atualidade, Joana Vasconcelos utiliza o seu sucesso profissional para evidenciar como as mulheres têm sido, na sua perspetiva, apagadas da história das artes. "Venho de uma área em que há um grande paradoxo. Cerca de 80% da representação artística no mundo é do corpo da mulher, porém, há muito menos mulheres [artistas representadas] nos museus", critica. Contrariando a ausência destas artistas dos livros, a multipremiada recorda que "sempre houve mulheres artistas em todas as épocas, mas não tiveram voz e oportunidade de expor nos sítios onde são representadas". Aliás, lamenta ainda que, aos 50 anos de idade, tenha sido por diversas vezes a primeira do sexo feminino a alcançar o destaque artístico. "Quando cheguei a Versalhes só tinha havido homens antes de mim. No Palácio da Ajuda a mesma coisa e no Guggenheim também", enumera.

Apesar da visão negra de uma artista conhecida pelas cores garridas das suas criações, Joana Vasconcelos afirma que o cenário começa a mudar no mundo da arte, nomeadamente com mais mulheres a conseguirem chegar à liderança dos museus. Contudo, quando atingem esse patamar, deparam-se muitas vezes com "uma grelha de artistas a expor nos próximos anos e veem que só há homens". E porque a criação artística assenta no domínio de diferentes técnicas, cujo aperfeiçoamento depende de muito treino e formação, são elas, uma vez mais, as prejudicadas. "Chegam à fase da independência financeira e desistem, não conseguem continuar. Quando se chega à fase mais madura, já há menos mulheres a serem artistas." Tudo porque, defende, é colocado sobre os seus ombros a responsabilidade familiar, assim como lhes é dado menos incentivo e apoio para prosseguir. "Temos de puxar umas pelas outras, isso é extremamente importante", complementa Isabel Ucha.

Da política à vida empresarial, hoje a lei portuguesa reconhece a necessidade da existência de quotas para garantir que homens e mulheres caminham, a pouco e pouco, em direção à igualdade de oportunidades. Para Isabel Vaz, que comentava a existência de discriminação ao nível dos ensaios clínicos no mundo da ciência, a exclusão de metade da população "é uma manifestação de incompetência científica". Sobre as quotas, assume que "inicialmente era contra porque não há nada pior para uma mulher do que pensar que está num determinado cargo por ser mulher", mas considera que esta é uma ferramenta para "acelerar" a mudança sem colocar em causa a meritocracia. Do mesmo modo, Joana Vasconcelos defende o mecanismo como importante, ainda que classifique a sua necessidade como "completamente ridículS" por evidenciar que a desigualdade entre géneros é, ainda, uma realidade latente na sociedade.

A administradora da Vodafone, Luísa Pestana, afirma que na empresa de telecomunicações o equilíbrio de géneros é de 40% para mulheres e 60% para homens, registando uma evolução positiva ao longo dos últimos anos. "É sempre difícil ter mulheres na short list de recrutamento", aponta. Por isso, é essencial que as empresas possam "requalificar recursos que tenham trabalhado noutras áreas" e que possam ser redirecionados para profissões onde eles ainda dominam. "É preciso uma mudança cultural. Os homens têm de perceber que ter equipas mistas e equilibradas resulta numa performance certamente diferente", observa. "Também não gosto muito das quotas, mas acho que são necessárias para chamar a atenção que temos de olhar para todos os elementos da equipa", diz. A gravidez, por exemplo, não deve ser vista como um impedimento quer para a contratação quer para uma eventual promoção. "Isso não nos impede de promover e de apostar em mulheres que vão fazer a diferença na Vodafone. Se encontrarmos uma candidata grávida, esperamos por ela", assegura.

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