02 setembro 2017 às 00h31

Ponta Delgada. Uma campanha dominada pela pressão do turismo

Numa câmara dominada há anos pelo PSD, a de Ponta Delgada, o PS joga forte ao apresentar um independente que é membro do governo regional para tentar alterar a atual relação de forças na capital açoriana. Os problemas da habitação e do trânsito são matéria prima do confronto entre candidatos

Manuel Carlos Freire

O turismo e os efeitos do seu grande crescimento em Ponta Delgada vão dominar a campanha autárquica local e colocar frente a frente o presidente da autarquia PSD, José Manuel Bolieiro, e o ainda membro do governo regional PS com a pasta dos transportes, Vítor Fraga.

Numa câmara dominada há anos pelo PSD, o PS joga forte ao apresentar o independente Vítor Fraga para tentar alterar a atual relação de forças (cinco vereadores sociais-democratas contra quatro socialistas) na capital açoriana. O seu cartão de visita, para além do peso inerente a ser membro do governo regional, é ser o responsável pela liberalização do espaço aéreo regional e um modelo de transportes aéreos que favoreceu as companhias low cost.

José Manuel Bolieiro tem outros trunfos. Destacam-se o ter abatido um terço dos mais de 30 milhões de euros da dívida camarária e "sem recurso a novo endividamento", reduzir a existente ao nível das empresas autárquicas e, ainda, "o anulamento total das dívidas" a fornecedores, pagas agora num "prazo de 10 dias". Mais, realça o autarca ao DN, introduziu o "orçamento participativo" para obras apresentadas e votadas pelos cidadãos. Contudo, Bolieiro - como Vìtor Fraga a nível governamental acaba também por ter uma quota de responsabilidade nos efeitos negativos do grande aumento do turismo - ao nível da habitação, dos resíduos sólidos, da pressão sobre o meio ambiente - e que estão no centro das críticas de vários dos outros candidatos: Kol de Carvalho (BE), Rui Teixeira (CDU), Bruna Almeida (CDS-PPM), Pedro Neves (PAN) e José Azevedo (Livre).

Arquiteto de profissão, o bloquista Kol de Carvalho é categórico na análise desse fenómeno que diz agravar os problemas de mobilidade e acessibilidade no concelho: "Temos agora uma grande pressão do turismo e a cidade está a rebentar por todos os lados, porque não estava preparada para este nível de resíduos, alojamento, transportes, circulação e parqueamento automóvel" ou, ainda, sobre os trilhos e poças quentes da paisagem.

O comunista Rui Teixeira, reconhecendo os efeitos positivos do turismo crescente na economia, alerta que o setor "acaba por ser negativo para grande parte da população". O candidato diz mesmo que a autarquia, "na tentativa de dar resposta" aos desafios do setor e "para atrair mais turistas, esquece as necessidades de quem vive" em Ponta Delgada.

José Manuel Bolieiro contrapõe: "Temos recorrido não a mais construção desordenada mas à regeneração" do parque habitacional, naturalmente "com aumento do alojamento turístico." Lembrando que discordou "da opção" para se construir "um aquário gigantesco como ícone turístico de Ponta Delgada", o autarca do PSD assume "o desafio de evitar os erros de outros" locais "quanto à massificação" associada ao setor. O essencial é "fazer um esforço" que permita preservar o concelho como "destino turístico de natureza" e "a genuinidade" que lhe está associada.

Vítor Fraga rejeita ao DN a perceção de haver problemas associados ao aumento do turismo em Ponta Delgada, preferindo falar "em desafios" de algo que "deve ser olhado como uma força indutora do desenvolvimento dos outros setores de atividade". Duas medidas passam pelo controlo do número de pessoas nos locais turísticos e pela "regeneração urbana" na zona histórica da cidade e dos centros das 24 freguesias. Neste capítulo, argumenta, a câmara limita-se à "reabilitação do edificado e sem acautelar a qualidade de vida de quem vive e de quem visita" o concelho. Uma terceira é a "profunda revolução no processo de recolha e tratamento dos resíduos sólidos urbanos, introduzindo princípios mais justos de pagador-utilizador e adequando toda a parte logística aos valores ambientais" que marcam as sociedades atuais. Sendo Ponta Delgada "o segundo pior" município de São Miguel nessa matéria, Vítor Fraga diz que vão ser lançados projetos-piloto em duas freguesias - uma urbana e outra rural - para reverter essa situação.

Bruna Almeida, da coligação CDS/PPM, diz também que "não quer considerar o aumento do turismo como um problema" ao nível da habitação, até porque "é legítimo os proprietários escolherem a vertente mais vantajosa" - leia-se aumentar as rendas para valores difíceis de pagar pela população local. "Há uma procura muito superior à oferta, não há habitações" acessíveis numa altura em que se assiste à colocação de professores, assinala a candidata.

"Há prédios devolutos e é preciso um plano de reabilitação urbana" bem como "criar condições para os proprietários colocarem os imóveis no mercado de arrendamento", defende Bruna Almeida, qualificando a proposta do PSD nesse sentido como uma mera intenção. "Se fosse um objetivo concreto já o feria feito", pois "há décadas que estão no poder", observa.

Pedro Neves (PAN) interroga-se "como é que no século XXI, com quase 70 mil habitantes", Ponta Delgada "não tem uma estação rodoviária" que retire os autocarros da avenida principal da cidade. "Não temos uma mensagem de economia ou de gestão", assume o defensor das "pessoas, animais e natureza", mas de "inclusão e defesa das minorias" - idosos, cegos, grávidas - que enfrentam, entre outros obstáculos, uma "grande dificuldade ao nível da mobilidade pedonal". José Azevedo (Livre) dá prioridade aos "princípios da ecologia e da solidariedade social", aplicáveis por exemplo à resolução do problema dos transportes.