Todos à espera de que o Tribunal Constitucional desate o nó

Marques Mendes diz que TC vai secundar interpretação do Presidente da República e exigir a declaração de rendimentos à administração liderada por António Domingues
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O Tribunal Constitucional (TC) deverá dar em breve novo passo na questão da entrega das declarações dos administradores da Caixa Geral de Depósitos (CGD). Marques Mendes antecipou ontem a intervenção dos juízes do Palácio Ratton: "Segundo apurei, o mais provável é o TC secundar a interpretação do Presidente da República e notificá-los [aos administradores] a apresentar as declarações", afirmou na SIC. No dia anterior o presidente do Constitucional tinha afirmado ao DN: "O tribunal tem os seus tempos. Quando as coisas estão maduras acontecem."

O PS, o primeiro-ministro e o Presidente da República, na última sexta-feira, já colocaram a questão nos ombros do Tribunal Constitucional e, como o DN noticiou, a própria administração liderada por António Domingues espera agora pela intervenção dos juízes. O prazo para entrega das declarações - 60 dias após o início do mandato - já está nesta altura ultrapassado. De acordo com a lei, se considerar que há lugar à apresentação da declaração de rendimentos, o TC deve notificar os visados dando-lhes um prazo adicional de 30 dias para repor a legalidade. A não entrega das declarações ditará a perda de mandato.

Uma "monumental bofetada"

Ontem, no espaço de comentário na SIC, Marques Mendes considerou que, com a nota emitida na última sexta-feira - em que afirma que a administração da CGD está abrangida pela obrigatoriedade de entrega das declarações -, Marcelo Rebelo de Sousa "falou claro e grosso" e "deu uma monumental bofetada ao ministro das Finanças". "Centeno tinha dito que os administradores da CGD estavam desobrigados de apresentar declarações ao TC. Já tinha sido subtilmente desautorizado pelo PS e pelo primeiro-ministro. Agora foi desautorizado pelo Presidente da República sem dó nem piedade", considerou. Mendes defende também que o Chefe do Estado fez "um xeque-mate a António Domingues e aos gestores da Caixa". "Eu, no lugar deles, apresentava já amanhã, de forma voluntária, as declarações ao Tribunal Constitucional, invocando o apelo feito pelo Presidente da República", sustentou o ex-líder do PSD, acrescentando que qualquer um dos desfechos alternativos será uma "humilhação" para a administração da CGD.

Pacheco Pereira pediu reserva

Uma das soluções para o imbróglio em que se transformou a entrega das declarações de património e rendimentos dos responsáveis do banco público seria a entrega dos documentos, mas vedados à consulta pública - uma hipótese que, avançou o jornal Público, estará em cima da mesa num parecer que está a ser elaborado pelos serviços jurídicos da CGD. Um cenário que permitiria ultrapassar o problema entretanto criado, sem maior mossa para todas as partes.

Acontece que a jurisprudência do Tribunal Constitucional não aponta nesse sentido. Há pelo menos um acórdão do plenário do TC que avaliou um pedido de reserva do documento, sustentado no "motivo relevante" que é exigido pela lei, e que teve resposta negativa dos juízes do Palácio Ratton.

A decisão data de 1996 e, embora o acórdão publicado no site do TC não identifique o requerente, o sumário da decisão que consta das bases de dados jurídico-documentais identifica como autor do pedido o então deputado social-democrata José Pacheco Pereira. À data, a lei em causa só se aplicava a titulares de cargos políticos, mas o diploma foi entretanto estendido aos titulares de altos cargos públicos. Os artigos relativos à divulgação ou reserva das declarações de rendimentos e património mantêm-se iguais.

Pacheco Pereira invocou então como "motivo relevante" para o pedido de não consulta e divulgação os direitos fundamentais à intimidade da vida familiar, à intimidade da vida privada e à inviolabilidade do domicílio. O acórdão do TC cita a argumentação invocada pelo então deputado: "Tendo em conta que na declaração de rendimentos e património, que apresentei nesse tribunal, todo o meu património consiste em locais onde resido com os meus familiares, o direito à vida privada, minha e dos meus, seria violado pela divulgação pública de tal declaração."

O TC considera que a questão tem "pertinência", mas indefere o pedido. Com três argumentos fundamentais. O primeiro: "Se aos titulares de cargos políticos não pode negar-se o direito constitucional à privacidade, tão-pouco esse direito terá de ser-lhes reconhecido exatamente na mesma medida em que o for a um qualquer particular."

Com este pano de fundo "afigura-se não sofrer grande dúvida a conclusão de que a possibilidade de livre consulta pública e divulgação das declarações previstas na Lei n.º 4/83 no tocante a elementos patrimoniais não violará o direito à reserva da intimidade da vida privada dos respetivos declarantes, nem de familiares seus", prossegue o TC. Por último, também a reserva levantada quanto à publicitação da declaração de IRS merece resposta negativa dos juizes-conselheiros. "Entende o tribunal que as normas em causa tão-pouco nesta sua outra vertente violam o direito à privacidade, não representando uma restrição excessiva desse direito, nem um encurtamento do seu conteúdo essencial."

"A razão está, desde logo, no facto de o valor dos rendimentos brutos declarados para efeitos de IRS constituir um elemento privilegiado para avaliar a situação patrimonial e económica do respetivo titular", refere o acórdão. Que justifica aquela conclusão: "Se há princípios e valores constitucionais suscetíveis de justificar o reconhecimento de limites ou restrições ao direito à reserva da vida privada, em particular no domínio patrimonial, dos titulares de cargos políticos", a expressão máxima disso é precisamente a "revelação e conhecimento público do valor dos rendimentos declarados para efeito de liquidação do imposto pessoal".

Ou seja, o TC considera que esta informação não pode ser excluída do princípio geral da divulgação na medida em que é um elemento privilegiado para avaliar a situação patrimonial. E, diz o acórdão logo na parte inicial, que não se deve perder de vista "que a Lei n.º 4/83, de acordo com a sua mesma epígrafe, tem como objeto viabilizar o "controlo público da riqueza dos titulares de cargos políticos" e equiparados". A decisão do Tribunal Constitucional foi tomada por unanimidade.

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