Terapêuticas não convencionais isentas de IVA e com efeito retroactivo

Resultado da fusão de iniciativas de PSD, CDS e BE, profissionais de terapêuticas não convencionais vão ficar isentos de IVA

Com os votos contra do PS, a abstenção do PCP e os votos favoráveis do PSD, Bloco de Esquerda, PEV e PAN, o Parlamento aprovou há uma semana (27 de outubro) um projeto-lei que reduz de 23% a 0% o IVA que estava a ser cobrado aos profissionais das chamadas terapêuticas não convencionais (vulgo, medicina alternativas, como a acupunctura, fitoterapia, naturopatia, osteopatia, quiropráxia, medicina tradicional chinesa, etc). Foi o reconhecimento de uma velha luta destes profissionais para a nível fiscal serem equiparados de igual para igual a todas as outras profissões médicas convencionais.

O diploma aprovado resulta da fusão de iniciativas do PSD, CDS e Bloco de Esquerda. Mas não se limita só a dizer que agora estes profissionais estão isentos de IVA. Diz também outra coisa: "a presente lei tem natureza interpretativa".

Ora isto significa que a lei é retroativa. Não só doravante os profissionais do setor deixarão de pagar IVA, como a Autoridade Tributária terá de devolver o imposto erradamente cobrado e todos os contenciosos que mantém com estes profissionais. "Um perdão fiscal, é o que significa", disse ao DN a deputada do PS Jamila Madeira, justificando assim o voto contra do seu partido.

O principal beneficiado será o médico Pedro Choy, dono de um pequeno império de 19 clínicas e dois centros de tratamento, que nasceu em Salvaterra e que cobre o país de norte a sul.

Segundo notícias recentes, Choy teria contenciosos com a Autoridade Tributária (a AT) na ordem do meio milhão de euros. O próprio disse ao DN que o contencioso começou com uma inspeção fiscal mas acrescentou que o valor não é meio milhão de euros mas sim "muitíssimo mais", embora sem saber dizer ao certo quanto ("não sou eu que trato disso"). Na mesma conversa acrescentaria mais tarde que o montante em causa equivaleria a 150% da faturação de um ano no seu grupo empresarial.

Na prática o que a lei diz é que ninguém devia ter pago nunca IVA

Estaria em causa, para a AT, a cobrança de IVA relativa a quatro anos (2012, 2013, 2014 e 2015) que aquele grupo médico (e muitos outros profissionais do sector, que serão entre 20 a 25 mil ao todo) não fez por julgar estar equiparado desde uma lei reguladora de 2003 aos outros médicos todos na isenção do imposto.

Por outras palavras, Choy reconheceu ao DN o efeito retroativo do projeto aprovado no Parlamento. "Na prática o que a lei diz é que ninguém devia ter pago nunca IVA". Ao denunciar ao DN ter tido conhecimento de que AT estaria a prosseguir os processos de execução, nomeadamente penhoras, apesar do projeto entretanto aprovado no Parlamento, Choy voltaria a afirmar, por sms, que a lei "é interpretativa, ou seja isenta também para o passado". Revoltado, desabafaria: "Sabem [a Autoridade Tributária] que estão a incumprir com a lei mas teimam em continuar porque sim ... Ou talvez tenham uma agenda escondida para facilitar a vida aos adversários das terapêuticas não convencionais".

O diploma aprovado resultou da fusão de projetos do PSD, CDS e BE. O do PSD (projeto 289/XIII), apresentado em 18 de julho deste ano, já admitia a tal retroactividade, afirmando a "natureza interpretativa" das normas equiparando fiscalmente as terapêuticas não convencionais à medicina convencional.

O projeto do CDS (293/XIII) foi o segundo a entrar , em 22 de julho. Também propunha a equiparação para efeitos de isenção total de IVA mas não previa a retroactividade, dizendo apenas que a lei entraria em vigor com o OE 2017 (pelo calendário normal, 1 de janeiro do próximo ano). O terceiro (301/XIII) foi do BE, entregue já em 16 de setembro, e propunha "a extinção dos procedimentos inspetivos pendentes destinados à liquidação adicional de IVA, relativos a prestações de serviços exercidas por profissionais das terapêuticas não convencionais, bem como a anulação dos atos de liquidação adicional de IVA, e dos atos de autoliquidação de IVA, efetuados na sequência ou na pendência de ações inspetivas, relativos a prestações de serviços exercidas por profissionais das terapêuticas não convencionais".

A formulação final acabou por ser a do PSD. Dentro de dias o diploma seguirá para Belém.

Ex-dirigente do Bloco

O universo de clínicas de Pedro Choy tem sede em Salvaterra de Magos e foi lá que se fez militante do Bloco de Esquerda. Encabeçou por duas vezes a lista do BE à Assembleia Municipal e venceu, no tempo em que Ana Cristina Ribeiro conquistava a câmara para o partido (2005 e 2009). Foi também dirigente concelhio (em Santarém) do BE. Desde 2002 que o BE apresenta projetos no Parlamento sobre terapêuticas não convencionais.

Da construção civil a mestre da acupuntura

Vida Foi servente de pedreiro, guarda-costas, trabalhou no campo e hoje é o maior empresário nacional na área da medicina tradicional chinesa. Filho de pai português, de Santarém, e mãe chinesa, da província de Cantão, Pedro Choy nasceu em Macau, em 1960. Chegou a Portugal com 3 meses. A sua infância passou-a em Almeirim, onde viveu até aos 17 anos. Altura em que foi para Coimbra estudar Medicina. Desistiu do curso no quarto ano da licenciatura, interessou-se mais por um curso de Medicina Tradicional Chinesa, que foi tirar na Universidade de Marselha. No tempo em que estudou em Coimbra deu serventia na construção civil e depois foi porteiro de discotecas, numa altura em que estavam na moda os filmes de artes marciais de Bruce Lee. O seu ar achinesado impunha respeito. A sua ascensão começou em 1986, quando abriu a primeira clínica de acupuntura em Coimbra. Hoje tem umas duas dezenas de clínicas espalhadas pelo país e preside à Associação Portuguesa dos Profissionais de Acupuntura.

[Correção às 11:53: Foi corrigida a informação errada de que Pedro Choy tinha sido dirigente nacional e distrital do Bloco de Esquerda]

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