O acórdão com a sentença de 8 anos de prisão aplicada esta quinta-feira por um tribunal de Díli a um casal de portugueses segue praticamente todo o texto da acusação - e até a pena pedida pelo Ministério Público, ignorando todos os argumentos da defesa..Tiago e Fong Fong Guerra foram esta quinta-feira condenados a oito anos de prisão efetiva por um coletivo de juízes do Tribunal Distrital de Díli que os considerou culpados do crime de peculato, absolvendo-os do crime de branqueamento de capitais..Num texto escrito em português - e que em alguns casos recorria a expressões mais comuns em Portugal do que em Timor-Leste (como a expressão 'fisco' ou o termo 'ludibriar'), o coletivo de juízes ignorou todas as provas documentais apresentadas pela defesa..Um exemplo disso o facto de o acórdão dar como provado que o alegado dinheiro desviado estava, ao mesmo tempo, em parte incerta e congelado na conta dos arguidos - aspeto que a defesa procurou insistentemente clarificar, solicitando que um especialista bancário internacional fosse ouvido, algo recusado repetidamente pelo tribunal..O acórdão foi lido durante uma longa sessão que começou duas horas mais tarde do que o previsto, sem a presença na sala da procuradora principal, Angelina Saldanha e se prolongou durante várias horas com a juíza a dar como provado tudo o apresentado pelo Ministério Público..A sentença lida pelos juízes não teve em conta uma nova fase de declarações finais, referentes a aspetos introduzidos pelo próprio coletivo de juízes quando o julgamento já estava visto para sentença, incluindo uma "alteração não substancial dos factos" que a defesa considerou "inadmissível e extemporânea" e a alteração da qualificação jurídica..Hoje Rui Moura, advogado de defesa, considerou estranho que as alegações - que por norma e de acordo com as regras processuais servem para que o tribunal tenha conhecimento das posições das partes - sejam pedidas quando a decisão já estava preparada e ia ser lida..Na sua intervenção, o advogado considerou que o Ministério Público não conseguiu fazer prova de que os arguidos são culpados "e que cabe ao MP fazer essa prova e não aos arguidos provar que são inocentes", devendo prevalecer em caso de dúvida o princípio do ?in dubio pro reu', absolvendo o casal..A sessão desta quinta-feira começou com o tribunal a deliberar sobre um requerimento da defesa que contestava o facto de o coletivo de juízes ter na anterior sessão - e momentos antes de pretender ler o acórdão com a sentença - decretado uma alteração da qualificação jurídica da acusação, num aspeto central ao caso..Em concreto a juíza presidente do coletivo de juízes, Jacinta da Costa, queria concretizar na acusação uma alínea do código penal sobre a definição de funcionário público, algo essencial para que exista o crime de peculato..A defesa considera que a alteração é "materialmente inconstitucional" por "violação do princípio da segurança jurídica dos princípios do Estado de direito democrático e do princípio da plenitude das garantias da defesa dos arguidos"..A alínea em causa define que um funcionário público é "quem, mesmo provisória ou temporariamente, mediante remuneração ou a título gratuito, voluntária ou obrigatoriamente tenha sido chamado a desempenhar ou a participar no desempenho de uma atividade compreendida na função pública administrativa ou jurisdicional, ou, nas mesmas circunstâncias, desempenhe funções em organismos de utilidade pública ou nelas participe"..O coletivo de juízes rejeitou a posição da defesa considerando que Boye é funcionário, que essa qualidade de funcionário se estende aos arguidos e que se deve manter a qualificação jurídica alterada, rejeitando que seja inconstitucional..Em resposta a defesa insiste nos argumentos pelos quais Boye não se encaixa na definição de funcionários e apresenta novo requerimento sobre o que diz serem contradições num despacho do tribunal sobre o paradeiro do dinheiro, pedindo novamente a audiência de um perito internacional, algo indeferido pelo tribunal..O caso arrastou-se desde outubro de 2014 quando Tiago e Fong Fong Guerra foram detidos na capital de Timor-Leste, país de onde estiveram proibidos de sair desde aí..A sessão desta quinta-feira, como tem ocorrido nas últimas do julgamento, contou com a presença de representantes do corpo diplomático, em concreto das embaixadas de Portugal e da União Europeia e da delegação da ONU em Timor-Leste..Muitos amigos do casal também estiveram na sala principal do Tribunal de Díli.