Passos ataca "soberba" de Costa, mas desafia-o para duas reformas
Passos Coelho admitiu ontem que a geringonça é afinal uma "maioria positiva", "consistente" e com "identidade", mas acenou com o fantasma de um novo resgate. Na abertura do 36.º Congresso do partido, em Espinho, o líder do PSD diz que não dará a mão ao governo socialista, mas desafia o PS para duas reformas: da Segurança Social e do sistema político.
Num discurso tardio e prolongado, Passos arrasou a estratégia económica do governo, lembrando os alertas da "única agência de rating que qualifica a dívida portuguesa", dizendo que se a canadiana DBRS deixar de o fazer, poderá ser inevitável uma "assistência externa".
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Ainda assim, Passos Coelho anunciou que o PSD vai dar contributos no Parlamento para o Programa Nacional de Reformas (PNR) "que visem corrigir os problemas estruturais graves e não apenas dar festas aos problemas". Isto depois de ter mantido uma postura completamente diferente no Orçamento do Estado, em que não apresentou qualquer proposta de alteração.
De Espinho, Passos Coelho lembrou a Costa que o PNR que o primeiro-ministro apresentou nesta semana já tinha "metas negociadas e fechadas com a Comissão Europeia" pelo anterior governo.
Quanto a reformas estruturais, Passos insistiu na necessidade de PS e PSD se sentarem à mesa - como sugeriu a Costa quando era primeiro-ministro - para debater a reforma da Segurança Social.
Esperemos que o governo também apresente uma proposta estrutural e não venha dizer que não quer mexer no fator de sustentabilidade para depois beneficiar do aumento da idade da reforma, que é 66 anos e alguns meses, a que se opôs anteriormente", acusou.
Passos lançou também a escada para uma reforma eleitoral na Assembleia da República, altura em que colheu mais aplausos dos delegados. O líder anunciou que o PSD vai avançar com propostas no Parlamento para que seja reduzido o número de deputados e os eleitores possam escolher que deputado preferem quando votam num partido (voto preferencial). Para Passos, "mais do que a Constituição, é hoje o sistema eleitoral que precisa de ser repensado".
Após ter sido eleito com mais de 95% dos votos, Passos apresentou-se "humildemente" ao congresso, mas logo demonstrou não concordar com as opiniões dos que "insistem em que eu me reinvente e que o partido se reinvente". Passos insiste em dizer que a sua estratégia estava certa e é com essa que quer caminhar para o futuro: "Não somos uma maria-vai-com-as-outras. Não arranjamos projetos para o futuro do país em função das conjunturas."
Ao contrário, acusa António Costa de "não se importar de impor riscos desnecessários aos portugueses e de constituir um mau exemplo para toda a sociedade". No rol de acusações ao primeiro-ministro, Passos voltou a acusar Costa de "ameaçar instituições independentes (numa alusão ao governador do Banco de Portugal)", criticando a postura de o socialista se envolver "diretamente em negociações privadas, de bancos privados no nosso país". Posição que reafirmou, após o Presidente da República ter secundado Costa nesta matéria que envolve bancos como o BPI.
Passos denuncia que "quando questionado sobre as regras a que o governo está habituado, o governo acusa o toque, revela arrogância e não responde. O primeiro-ministro reage mal. Acossado fica, e em vez de corrigir a sua atuação, atua com soberba. Era bom que arrepiasse caminho e atuasse de outra maneira".
Afeto por Marcelo
Num momento em que o partido tem andado descontente (ver texto ao lado) com a colagem de Marcelo a António Costa, Passos puxou o antigo presidente do PSD para o congresso. A "Rebelo de Sousa", como lhe chamou várias vezes, desejou-lhe "com muito afeto [uma palavra muito cara ao novo chefe de Estado], um abraço muito forte".
Mas nem por isso faltaram os recados a Marcelo. O líder do PSD defendeu que a atuação do Presidente da República "não se confunde com o plano de intervenção do governo e não se pode confundir com o jogo partidário" e que deve mostrar "mais interesse pela estratégia nacional do que com a espuma dos dias".
Passos aproveitou a vitória de Marcelo para lembrar a de Cavaco Silva dizendo que o PSD ficou "muito contente" pelo facto de "pela segunda vez uma figura da área não socialista ter podido recolher mais de 50% dos votos.
Logo no início da sua intervenção, Passos Coelho pôs Luís Montenegro em sentido, exaltando a vitória eleitoral de Salvador Malheiro, o líder da distrital de Aveiro que venceu - após uma polémica que chegou ao Conselho de Jurisdição Nacional - a lista que era mandatada pelo líder parlamentar.
O início da noite foi ainda marcado por uma frase enigmática de Marco António Costa, até agora porta-voz do partido e vice-presidente, que disse que iria "descansar um pouco". Logo foi interpretado como uma espécie de adeus à direção do partido, mas que o antigo autarca de Gaia desvalorizou ao DN: "A minha frase não tem significado político." Hoje, com a escolha dos nomes para os órgãos nacionais, ficar-se-á a saber se a interpretação de uma eventual saída tinha ou não fundamento.